A superioridade moral do capitalismo

A pobreza foi a condição natural do homem durante grande parte de sua história. Durante os períodos feudal e mercantilista, a maioria das pessoas vivia em condições sub-humanas de penúria. Mesmo na época em que a miséria era a regra, algumas cidades como Veneza e Gênova, na Itália, e Flandres, na Bélgica, progrediam, por causa do comércio.

Desde o início da civilização, o comércio teve como essência a troca entre bens e serviços.[1] O binômio evolução e necessidade estimulou o nascimento e o desenvolvimento do comércio, muito antes de que o Estado interviesse para regulá-lo.

No século XIX, pela primeira vez na história da humanidade, houve um aumento importante no padrão de vida do cidadão comum, colaborando para a prosperidade das massas. Mesmo que, para os padrões atuais, as condições de vida e trabalho no século XIX fossem deploráveis, eram as melhores registradas até então, e melhoravam a cada dia[2].

O capitalismo, sistema alcançado a partir de 1800, como resultado da busca natural do ser humano por melhores condições, e, principalmente, como produto intelectual do Renascimento e do Iluminismo, mostrou-se o sistema econômico mais eficaz para melhorar a vida humana.

Desde então, os fatos não mentem. Há evidências de que o capitalismo funciona, bem como há evidências (muitas!) de que os sistemas coletivistas não funcionam. Por exemplo, segundo as estatísticas apresentadas pela Heritage Foundation, os países com maior liberdade econômica são aqueles com maior qualidade de vida, expectativa de vida, riqueza e respeito pela propriedade, características dos sistemas políticos capitalistas (e isso, claramente, não é coincidência)[3].

Então, mesmo com a realidade a favor do capitalismo, por que as políticas coletivistas ainda têm tanto apelo?

Ainda em 1965, Ayn Rand, defensora do capitalismo laissez-faire, deu a resposta. Afirmou que tanto a política como a economia são consequências das ideias filosóficas presentes em uma sociedade. Portanto, o dilema não está nessas duas ciências, mas sim na moralidade, na ética. Ainda que não de forma consciente, é a filosofia que define quais políticos serão eleitos e que tipo de medidas econômicas serão apoiadas pela população[4].

As pessoas costumam admirar e apoiar os resultados do capitalismo; reconhecem que, nesse sistema, há maior geração de riqueza e qualidade de vida que em regimes comunistas. Mas, no fundo, acreditam, erroneamente, na nobreza da base moral coletivista.

Infelizmente, há um consenso social de que o ideal altruísta defendido pelo comunismo é mais humano e que o fim por ele buscado, o tão aclamado (porém, indefinível e inalcançável) bem comum, é uma virtude. Essa é a premissa moral aceita pela maioria das pessoas, de todas as classes, de todos os níveis educacionais ou filiadas a quaisquer partidos políticos. A ideia do comunismo ainda vende melhor, apesar de tanta evidência em contrário, e mesmo que toda tentativa concreta de implementação o denuncie como algo maligno e nefasto.

Há, também, uma defesa inocente das políticas coletivistas, no sentido de que seriam boas teorias “na teoria”, mas sem sucesso “na prática”. Esse é outro erro, pois a única forma de julgar uma teoria é por seus resultados na prática, na realidade. Portanto, “uma boa ideia é, simplesmente, uma boa ideia – e uma má ideia é, simplesmente, uma má ideia. Ou o comunismo é uma boa ideia – tanto na teoria como na prática – ou é uma má ideia – tanto na teoria como na prática”[5]. E não há outra análise viável: o comunismo é uma péssima ideia, tanto na teoria como na prática – até porque não existe essa dicotomia. Sua premissa moral é o coletivismo, seu padrão de valor é o bem do grupo e prega a subjugação dos indivíduos ao coletivo.

O capitalismo, por sua vez, é o único sistema econômico que reconhece e protege o indivíduo, seus julgamentos, convicções e interesses individuais. Somente no capitalismo há reconhecimento e proteção de um fato metafísico básico da natureza humana – a conexão entre sobrevivência e uso da razão.

Curiosamente, levantar a bandeira do capitalismo não parece sinalizar virtude, mesmo que ele apresente resultados inegavelmente positivos. O capitalismo é visto por muitos (incluindo pessoas que reconhecem seus benefícios) como um sistema imoral, baseado no individualismo[6], no egoísmo racional[7], na ambição, que são valores equivocadamente considerados malignos.

Para defender honestamente o capitalismo, é importante exaltar seus resultados, porém é fundamental enaltecer a base moral que o torna possível, afinal:

            “o capitalismo não poderia sobreviver em uma cultura dominada por misticismo e altruísmo, pela dicotomia corpo-mente e pela premissa tribal. Nenhum sistema social (e nenhuma instituição humana de qualquer tipo) pode sobreviver sem uma base moral. Sob uma moralidade altruísta, o capitalismo tinha de estar – e estava – condenado desde o início”[8].

Por isso é que o sistema político deve ser blindado desde o ponto de vista filosófico. O poder que determina o estabelecimento, as mudanças, a evolução e a destruição dos sistemas sociais é a filosofia.[9]

Todo sistema social se baseia em uma teoria de valores. A defesa moral do capitalismo necessita da análise das teorias de valor, uma vez que, para avaliar os diversos sistemas sociais, é necessário observar a natureza humana e identificar suas características essenciais. Assim, há, basicamente, três teorias sobre a natureza do bem.

Para a teoria do valor intrínseco, o bem é inerente a certas coisas enquanto tais, é um atributo das coisas em si mesmas, independentemente de seu contexto e consequências. Aqui, o bem reside em alguma forma da realidade.

Para a teoria subjetiva, o bem não tem relação com os fatos da realidade, é produto da consciência do homem, que o cria com base em seus desejos, sentimentos e caprichos.

O melhor sistema social para se viver deve ser estabelecido de uma maneira objetiva. Nesse sentido, Ayn Rand apresenta uma terceira via, uma teoria objetiva do valor, em que faz uma avaliação dos fatos da realidade segundo um padrão racional[10] de valor, e o bem (que terá de ser descoberto) representa um aspecto da realidade em relação ao homem.

De acordo com a teoria objetivista, existem coisas que objetivamente são boas para o ser humano, como, por exemplo, a liberdade. A defesa do capitalismo, por sua vez, depende do reconhecimento dessa teoria, pois é a única incompatível com o governo pela coerção.

O ser humano não tem um código automático para sobreviver; para tanto, precisa fazer uso de sua faculdade racional. O processo de pensar é complexo, exige identificação e integração, e somente pode ser desenvolvido por uma mente individual, afinal “não existe tal coisa como um cérebro coletivo”.[11]

Nesse sentido, para usar a sua própria mente, cada homem precisa ser livre. A natureza humana é comum, mas cada indivíduo tem seus próprios planos, sonhos, projetos. Assim, para pensar, tomar decisões e, com base nelas, agir, o homem necessita ser livre, já que“uma arma não é um argumento!”[12], como bem simboliza Galileu.

Por isso, se o padrão da vida humana é o bem, resta claro que o comunismo é um desastre à humanidade. Toda vez que tentou ser implementado resultou em fome, afronta às liberdades, sofrimento e queda inevitável no padrão de vida do povo. Em termos de teoria de valor, tanto a teoria intrínseca como a teoria subjetiva servem de base de sustentação das tiranias e ditaduras[13].

Acertadamente, porém, Ayn Rand alerta que o capitalismo precisa ser salvo de seus próprios defensores, que municiam argumentos morais aos inimigos quando defendem o sistema sob a alegação de bem comum e geração de riqueza. Esses são argumentos secundários. Os benefícios econômicos que a sociedade como um todo, incluindo os pobres, recebem do capitalismo são consequências estritamente acessórias.

Justamente porque não se diz com todas as letras que a essência do capitalismo é o lucro pessoal, privado e individual, o capitalismo segue parecendo falso[14]. Os argumentos morais verdadeiros da defesa do capitalismo não são anunciados com bravura e dependem de muita coragem, pois enaltecer o individualismo, o egoísmo racional, a liberdade, a ambição pessoal, a concorrência econômica, a busca do lucro e a propriedade privada não é nada popular. O ideal moral presente na sociedade definiu essas concepções como malignas e imorais.

O que ocorre, comumente, portanto, é a defesa do capitalismo, apoiando-se na base moral do coletivismo, com argumentos relacionados ao bem comum, ao sacrifício, ao servir aos demais. Porém, o bem comum, e seu corolário, altruísmo, são a base de todo coletivismo e de toda tirania da história, e as pessoas não abraçam o coletivismo porque aceitaram uma má teoria econômica; elas aceitam uma má teoria econômica porque abraçaram o coletivismo[15].

A verdade é que quando o bem da sociedade é considerado superior ao bem de seus membros individuais, significa que o bem de alguns homens prevalece sobre o bem de outros, outros esses que acabam sendo sacrificados, como a história não cansou de demonstrar.

Estamos no meio do caminho. Estamos longe de viver num sistema capitalista puro, a nossa liberdade é regulada (em 2020, com a pandemia, a liberdade – ou o que restou dela – foi amplamente regulada, aliás), a mentalidade é altruísta, e a base moral está corrompida. Os extremos têm significado: o capitalismo laissez-faire representa a vida em sua plenitude; e o comunismo representa a morte do indivíduo.

Apenas quando as sociedades se aproximarem do ideal desconhecido, reconhecendo e se orgulhando de sua verdadeira base moral, as pessoas conseguirão florescer, progredir e prosperar.

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Revisado por Matheus Pacini.

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[1]Porém, isso fez com que a ciência econômica iniciasse pelo meio do caminho, dando por certo que os homens sempre produziram e sempre comercializaram, sem fazer maiores questionamentos. In: Rand, Ayn. Capitalism: The Unknown Ideal, 1. What is Capitalism? New York: Signet, 1986, p. 2

[2] O capitalismo não criou a pobreza, ele a herdou. In: http://aynrandlexicon.com/lexicon/capitalism.html#order_1

[3]In: https://www.heritage.org/index/ranking

PaísPosição Liberdade EconomicaGDP per capitaEfetividade JudicialDireito de PropriedadeIntegridade do Governo
SingapuraU$ 100.34592,996,892,4
Brasil144ºU$ 16,15446,757,345,6
Venezuela179ºU$ 8,80012,610,114,6
Cuba178ºU$ 13,75010,020,138,7
Estados Unidos17ºU$ 62,60683,781,877,2

[4]“A filosofia é que define e estabelece os critérios epistemológicos para guiar o conhecimento humano em geral, e as ciências específicas em particular (…) Implicitamente, sem questionar nada e por omissão, a economia política aceitou como valores as teses fundamentais do coletivismo”. In: Rand, Ayn. Capitalism: The Unknown Ideal, 1. What is Capitalism? New York: Signet, 1986, p. 2

[5] In: https://objetivismo.com.br/artigo/nao-o-comunismo-nao-e-uma-boa-ideia-na-teoria-e-muito-menos-na-pratica

[6] O individualismo defende que cada pessoa é um fim em si mesma, tem o direito a sua própria vida, e não pode ser sacrificada pelos fins dos outros.

[7] Sobre egoísmo racional em Rand, ver https://objetivismo.com.br/artigo/reflexoes-sobre-a-etica-do-egoismo-racional/: “De acordo com Rand, o autointeresse significa que o indivíduo deve se considerar um fim em si mesmo, tendo sua vida e sua felicidade como valores mais elevados: isto é, tal indivíduo não pode existir como servo ou escravo dos interesses dos outros e, tampouco, esses existem como servos ou escravos dos interesses dele. A vida e a felicidade de cada indivíduo são seus objetivos últimos. O auto interesse também implica autorresponsabilidade: a vida do indivíduo é dele, isto é, é responsabilidade dele mantê-la e maximizá-la. Depende de cada um de nós determinar quais valores requeridos por nossa vida – e como melhor alcançá-los – bem como agir para realizá-los.

A ética do autointeresse racional (egoísmo racional) de Rand é integral para a sua defesa do liberalismo clássico. O liberalismo clássico, normalmente chamado libertarianismo no século XX, é a visão de que os indivíduos deveriam ser livres para perseguir seus próprios interesses. Do ponto de vista político, isso implica que os governos deveriam ser limitados à proteção da liberdade de cada indivíduo para tal. Em outras palavras, a legitimidade moral do auto interesse implica que os indivíduos têm direito à vida, à liberdade, à propriedade e à busca da felicidade, e que o propósito de governo é justamente proteger tais direitos. Do ponto de vista econômico, deixar indivíduos livres para perseguir seus próprios interesses implica que apenas um sistema capitalista de livre mercado é moral: indivíduos livres disporão de seu tempo, dinheiro e propriedades como julgarem melhor, interagindo voluntariamente com os outros para benefício mútuo.”

[8]In: https://objetivismo.com.br/dicionario/capitalismo/

[9] In: Rand, Ayn. Capitalism: The Unknown Ideal, 1. What is Capitalism? New York: Signet, 1986, p. 11.

[10] derivado dos fatos da realidade e validado por um processo de razão

[11] In: Rand, Ayn.Capitalism: The Unknown Ideal, 1. What is Capitalism? New York: Signet, 1986, p. 7.

[12] In: Rand, Ayn. Capitalism: The Unknown Ideal, 1. What is Capitalism? New York: Signet, 1986, p. 8.

[13] Como exemplo, Eichmann era Kantiano, e Kant promovia a teoria intrínseca dos valores.

[14] In: https://objetivismo.com.br/artigo/o-capitalismo-precisa-de-um-argumento-moral-carta-de-ayn-rand-a-leonard-read-sobre-a-fundacao-da-fee-1946/

[15] In: https://objetivismo.com.br/artigo/o-capitalismo-precisa-de-um-argumento-moral-carta-de-ayn-rand-a-leonard-read-sobre-a-fundacao-da-fee-1946/

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