Uma breve resenha sobre “Cântico”

Ayn Rand, batizada Alissa Zinovievna Rosenbaum, foi uma escritora de origem russa nascida em 02 de fevereiro de 1905. A sua família judia de classe média foi vítima direta dos confiscos da Revolução de 1917. Na Rússia, frequentou o colégio e a universidade, estudou História, Filosofia e produção de roteiros para o cinema. Em 1925, ainda jovem, ela foi para os Estados Unidos sob o pretexto de visitar a família e nunca retornou. Em 1929, tornou-se uma residente permanente nos EUA; e, em 1931, uma cidadã americana.
Ficou conhecida por suas obras de ficção e por desenvolver um sistema filosófico chamado Objetivismo, que abarca os campos da metafísica, epistemologia, ética, política e estética. Rand defendia a razão como o único meio de aquisição de conhecimento e que as mudanças devem acontecer, em primeiro lugar, dentro dos indivíduos, através de sua razão. Na ética, ele defendia o egoísmo racional e rejeitava o altruísmo. Politicamente, opunha-se ao coletivismo, estadismo e anarquismo, defendendo o capitalismo de livre mercado, inclusive a propriedade privada. Seus escritos influenciaram libertários e conservadores.
O seu primeiro sucesso como escritora foi a obra A nascente, sobre um jovem arquiteto chamado Howard Roark e sua luta contra os que tentam viver pelos outros, colocando-os acima de si. Ela trabalhou em Hollywood e se envolveu na “Anti-Communist Motion Picture Alliance for the Preservation of American Ideals”, escrevendo artigos pelo grupo. Também fez parte da “Anti-Communist American Writers Association”.
Publicado em 1957, A revolta de Atlas foi considerada a obra-prima de Rand, na qual ela descreveu o papel da mente na existência do homem e demonstrou as bases de uma nova filosofia moral: a moralidade do auto interesse racional. É importante ressaltar, todavia, que a obra não é didática. Todos os insights são transmitidos ao longo do enredo do romance. A escritora e filósofa disse: “Minha filosofia, em essência, é o conceito do homem como um ser heróico, com sua própria felicidade como a meta moral de sua vida, com a realização produtiva como sua atividade mais nobre, e a razão somente, seu absoluto”.
Os seus livros não ficcionais mais conhecidos são A virtude do egoísmo, uma série de ensaios sobre os fundamentos e princípios da moralidade do autointeresse; e Capitalism: The Unknown Ideal, uma série de ensaios sobre o que é o capitalismo e por que ele é o único sistema social moral.
Cântico foi o segundo romance ficcional escrito por Rand, precedido por We the Living. Ela havia se casado há pouco tempo com o ator Frank O’Connor e se mudado para Nova Iorque. É um livro pequeno, mas que apresenta bem as ideias da autora. Nele, Igualdade 7-2521, nascido em uma sociedade completamente coletivista e autoritária, é um jovem varredor de rua.
O que mais me chocou, desde o início do livro, foi a ausência dos pronomes individuais. Não existe a palavra “eu”, nem as conjugações verbais na primeira pessoa do singular. A linguagem relativa ao indivíduo foi abolida, e, com isso, a própria cognição do “eu”. Essa abolição da linguagem do “eu” foi propositalmente feita pelo Estado, assim como toda a referência a liberdades individuais, vontades individuais, e sentimentos individuais. Cada um existia como parte do todo, e apenas nesse contexto. Os nomes eram dados da forma mais generalista possível e cada aspecto da vivência humana era regulada pelo Estado.
Igualdade 7-2521 era diferente dos demais já na altura. E, na escola, queria aprender mais, se destacava dos outros e, por isso, era punido com mais severidade. Seu sonho era ser pesquisador, mas foi designado para varrer ruas.
O que era ilegal também (pensar, ser e ver-se como indivíduo) era tido como pecado, mesmo numa sociedade em que não se falava de divindades. Seria o coletivo o próprio deus de tal sociedade? Pensar como indivíduo, destacar-se, era o pior dos pecados; amar e ter afeição por uns em detrimento dos outros, era completamente errado. Devia viver-se pelo todo, ser o todo, anular-se por completo por ele.
Interessante também que a sociedade era extremamente rudimentar, com uma tecnologia quase ausente (a descoberta mais recente tinha sido a vela). Isso é uma crítica da autora, que acreditava que o progresso vinha pelo pensar independente e com liberdade.
Mesmo que aparentemente cumprisse as regras, Igualdade 7-2521, em seu íntimo, transgredia. Ele transgrediu ao querer uma profissão diferente, ao querer pesquisar e aprender coisas, ao ter um amigo e ao amar uma jovem moça. Tentou revelar o conhecimento aos Eruditos, mostrando que a energia elétrica era possível, mas foi perseguido e fugiu, sozinho.
Em meio a toda a sua angústia, algo pulsava dentro de Igualdade 7-2521, uma palavra que ele sentia, mas que não conseguia expressar. Foi com a sua amada que descobriu, numa cabana na Floresta que havia sobrevivido à nova sociedade: a palavra “eu”. Com essa palavra, desenrolou-se a ele a noção do indivíduo, das liberdades individuais, das escolhas.
No fim do livro, no capítulo XI, as ideias objetivistas de Rand são apresentadas veementemente, já na primeira pessoa do singular: “Eu existo. Eu penso. Eu quero.”; “Muitas palavras me foram concedidas, algumas são sábias e outras falsas, mas apenas três são sagradas: “EU. QUERO. ISSO. Não importa o caminho que eu tome, a estrela que me guia está dentro de mim; a estrela que guia e a bússola que aponta a direção. Ambas apontam para uma única direção. Apontam para mim.”; “Não sou uma ferramenta para o uso dos outros. Não sou um servo das necessidades de ninguém. Não sou um curativo para as suas feridas.”; “Não sou amigo ou inimigo de meus irmãos, mas cada um deles deverá merecer a minha amizade ou inimizade. E para conquistar o meu amor, meus irmãos devem fazer mais do que simplesmente nascer.”; e “Que a palavra “nós” jamais seja dita, exceto por escolha e como segunda opção. Essa palavra jamais deve ocupar o primeiro lugar na alma do homem, pois senão o torna um monstro, a raiz de todo o mal na terra, a raiz da tortura do homem pelo homem e também de uma mentira impronunciável”. Finalmente, o herói, que escolheu como nome “Prometeu”, declara: “Agora vejo a face de deus (…) esse deus, essa única palavra: EGO.”

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