Há muito tempo que as principais notícias que vemos diariamente nos meios de comunicação tratam de (a) algum desvio de dinheiro público ou (b) alguém que foi preso ou que está sendo investigado por crimes como lavagem de dinheiro, corrupção ativa e passiva, prevaricação ou outras transgressões relacionadas. Chega a dar nojo a falta de respeito com que os políticos tratam o dinheiro do pagador de impostos no Brasil, sem falar da indignação que gera a forma como eles fingem não ter nada a ver com isso.
Para piorar a situação, constatamos que os principais grupos empresariais erigidos na última década no Brasil (os conhecidos campeões nacionais), também estão envolvidos, de modo visceral, com todo esse sistema corrupto; e que só cresce e se dá bem quem tem bons contatos em Brasília, acesso a dinheiro subsidiado do BNDES ou algum tipo de benesse legal. Toda essa maneira absurda de interagir com a coisa pública e a busca de diversos grupos de interesse por um lugar ao sol, obviamente tem suas origens em determinada forma de se ver o mundo e se estende para as mais diversas áreas da nossa vida em sociedade, especialmente, nos sistemas político, educacional e judicial. É certo que existe corrupção e pessoas ruins em todos os países, e em todos os sistemas, e a possibilidade da corrupção é algo inerente à natureza humana, mas o Brasil tem sido pródigo em escândalos e na multiplicação de corruptos.
Adotando-se as premissas da teoria geral dos sistemas sociais, de N. Luhman[1], em que o elemento central é a comunicação e a interação entre indivíduos inseridos em um sistema social autopoiético (fechado), os elementos que sustentam a ordem vigente são produzidos e reproduzidos por todos que estão dentro da cúpula fechada, formando uma espécie de círculo vicioso de pensamentos e premissas sociais, que influenciam de forma bastante contundente os rumos da política, da educação e a forma como as pessoas percebem e esperam que seja alcançada a justiça.
Neste sentido, nosso sistema social tem sido um reprodutor de condutas antiéticas e focadas na busca de vantagens pessoais a qualquer custo. Nossa Constituição, dita “cidadã”, estabeleceu dezenas de direitos e garantias fundamentais (e outras dezenas de direitos sociais), isto é, cheia de “boas intenções” baseadas nas ideias socialistas e coletivistas de que o Estado tem a obrigação de ser o vetor e o promotor da chamada “justiça social”. De um lado, boa parte dos empresários acaba não tendo oportunidade de atuar virtuosamente, gerando valor para a sociedade, mas sempre buscando formas de conseguir benefícios, facilidades e apoio de políticos e gestores públicos (corporativismo). De outro lado, políticos e gestores públicos fazem uso perverso das instituições, do dinheiro público, retirado de maneira forçada do bolso do pagador de impostos e contam com o apoio irrestrito desses mesmo empresários, para se perpetuar no poder e continuar criando dificuldades para vender facilidades. Trata-se de um ciclo vicioso do qual poucos conseguem escapar ilesos.
Enfim, são a encarnação daquilo que foi expresso por Ayn Rand na sua famosa frase que diz: “Quando você perceber que, para produzir, precisa obter a autorização de quem não produz nada; quando comprovar que o dinheiro flui para quem negocia não com bens, mas com favores; quando perceber que muitos ficam ricos pelo suborno e por influência, mais que pelo trabalho, e que as leis não nos protegem deles, mas, pelo contrário, são eles que estão protegidos de você; quando perceber que a corrupção é recompensada, e a honestidade se converte em autossacrifício; então poderá afirmar, sem temor de errar, que sua sociedade está condenada.” Tudo formatado para que não haja espaço para uma ética objetivista, mas sempre uma ética altamente subjetiva e baseada nos caprichos de um “deus” chamado sociedade.
Junte-se a isso um sistema educacional altamente controlado por esse Estado corrupto e comprometido moralmente, e a organização social dos extratos mais pobres de nossa sociedade que vive imersa na cultura de dependência do Estado assistencialista: as pessoas que a compõem sequer imaginam os enormes custos pessoais, para não falar dos sacrifícios necessários para a manutenção do SUS, da educação pública, universal e “gratuita”, bem como das diversas outras bolsas e benefícios legais. No final das contas, os políticos e seus empresários de estimação são os únicos beneficiados de fato desse perverso ciclo de dependência a que são submetidas as pessoas mais pobres.
Nas épocas de eleição essas pessoas pobres acabam por vender seu voto, único instrumento de barganha de que dispõem, para conseguir uma pequena esmola: seja o pagamento de uma conta, a entrega de algum material de construção, a promessa de uma casa ou lote popular ou o próprio valor em dinheiro.
Já faz cerca de 60 anos que Ayn Rand escreveu uma de suas mais importantes obras, A Revolta de Atlas, em que tentou traçar elementos objetivos para se abordar a ética e a moral, encarnando em seu personagem principal, John Galt, uma espécie de anti-herói, totalmente avesso à ética altruísta, ao coletivismo forçado e ao autossacrifício que têm sido o discurso utilizado por políticos, intelectuais e empresários que sustentam sistemas como o nosso, de viés socialista (coletivista). Poucos anos mais tarde, Ayn Rand reuniu alguns ensaios que haviam sido objeto de palestras ou publicados no The Objectivist Newsletter e disso surgiu o livro A Virtude do Egoísmo, em que buscou explicar o seu código moral – o egoísmo racional.
A ética altruísta consiste em um código de moralidade em que a base do que é bom ou mau depende do destinatário da ação, e não da ação em si mesma (que é apreendida de modo objetivo e racional pelo agente), o que leva à criação de uma sociedade perdida que não reconhece os verdadeiros homens bons e virtuosos.
O que acontece hoje no Brasil e na maioria dos países que adotam esses pressupostos, é que nos tornamos uma sociedade fraca, indolente e incapaz de enfrentar de forma altiva os principais problemas e desafios que se avolumam a cada década. É fato que a humanidade, de modo geral, tem sido constantemente assolada por repetidos períodos de crise moral e que o período em que vivemos, talvez, seja o que registre a pior delas. A crise moral aprofunda-se ainda mais por causa da superficialidade com que as pessoas interpretam as coisas e emitem suas opiniões ou posicionamentos políticos. É curioso nos orgulhamos de viver na era da informação, de termos as legislações de proteção social e de promoção da igualdade mais “modernas”, quando, paradoxalmente, enfrentamos tantos problemas estruturais e conjunturais? Precisamos buscar uma possível solução para isso. E o presente ensaio visa demonstrar como a ética objetivista pode, sim, promover uma verdadeira revolução cultural, em que os indivíduos podem passar a enxergar melhor o seu papel na sociedade e, mais do que isso, exigir uma drástica diminuição do Estado protetor que, na verdade, nada protege.
Ayn Rand começa seu livro a Virtude do Egoísmo fazendo, dentre outras, as seguintes perguntas: porque a humanidade precisa de um código de valores? Devemos terceirizar a ética (como agir frente às situações) para sentimentos, costumes ou convenções sociais ou seria melhor buscarmos as respostas na razão? Quando observamos os principais fundamentos éticos e morais que sinalizam como deveríamos nos comportar, podemos buscar validá-los recorrendo a um ser transcendental e místico, ao qual convencionamos chamar de Deus, ou podemos baseá-los noutro elemento bastante subjetivo que decidimos dar o nome de “bem comum” ou de “sociedade”.
Como grande parte dos teóricos de esquerda ou socialistas rejeitam a existência de um “Deus” único, sábio e perfeito em seus atributos, do qual emanaria todas as regras morais, eles passaram a encher nossas mentes com uma ideologia que denuncia todos os males do mundo -a pobreza, a desigualdade, a infelicidade, a falta de solidariedade, etc – como frutos da natureza egoísta do homem. Elegeram o que chamam de “capitalismo” como a besta destruidora de sonhos e, não satisfeitos em negar qualquer tipo de nobreza na busca de satisfação individual e de lucro, passaram a propor um sistema político e social onde o “deus” Estado passa a ser o provedor de tudo o que é bom, perfeito e agradável. Assim, o Estado, como a igreja do “deus” sociedade, passou a ser a régua e a fonte de validação de tudo o que devemos perseguir enquanto humanidade caída e pecadora.
Quando consideramos que as premissas do parágrafo anterior permeiam nosso sistema educacional e, portanto, moldam a formação de todas as gerações, a situação torna-se apavorante e calamitosa. A formação educacional de um homem precisa estimulá-lo a pensar pelo uso de sua mente, de forma racional, de modo que ele possa questionar toda e qualquer interação com as mais diversas fontes de conhecimento que o circundam. Uma pessoa precisa aprender, antes de tudo, (a) discernir o verdadeiro do falso através da ferramenta que valida seus conceitos (a mente) e, não menos importante, (b) assumir a responsabilidade por suas ações e pela sua existência.
Isto é algo desestimulado no atual sistema político, educacional e judicial. Vivemos em um sistema em que a culpa sempre é de pessoas, grupos ou fatores externos a nós, um subjetivismo absurdo que faz com que o “povo” sempre busque heróis, semideuses, mitos ou líderes que possam conduzir as coisas, na mesma proporção em que buscam culpados por sua condição miserável. Nunca olhando para si, mas sempre atribuindo toda sua amargura a demônios e potestades malignas criados pela retórica socialista. Assim, odeia-se o empreendedor, o livre mercado, o liberal, quem diz a verdade, etc. Com isso, busca-se também um tipo de “justiça” social, ou punição, contra aquele que ousa desenvolver alguma ideia, empreender ou crescer dentro do sistema.
Isso faz com que um industrial ou um comerciante que busca ganhar dinheiro com sua invenção ou trabalho árduo seja visto com o mesmo desprezo com que tratamos um estelionatário ou ladrão. Pois a busca pela glória, pela autossatisfação pessoal, é tratada como um pecado mortal que precisa ser combatido a qualquer custo. Nada mais oportuno nesse sistema perverso que os políticos sejam os heróis do povo, imbuídos da tarefa asquerosa de retirar o sangue desses animais egoístas e sem compromisso com as pessoas sofridas da nação. Esse tipo de pessoa vai atrás de qualquer condutor ou feitor que lhes prometa um mundo melhor e facilidades para que não tenham que se esforçar demasiado para sobreviver no mundo. Isso é um grande engodo promovido por um tipo de pensamento dominante nesta era, o qual, inclusive, foi denunciado por F. A. Hayek em seu livro O Caminho da Servidão, também foi desmentido por Mises no livro As Seis Lições e por inúmeros outros autores e pensadores, especialmente aqueles ligados à ética objetivista ou à escola austríaca.
Outro grande problema é a adoção, em larga escala, no nosso sistema educacional, de princípios da “pedagogia do oprimido”, conforme proposto por Paulo Freire, a qual, embora se proponha a fomentar um suposto pensamento crítico nas crianças e jovens, na verdade, retira toda a base sólida da realidade dos indivíduos, criando o espantalho de uma inexistente guerra de classes (entre burgueses e operários, oprimidos e opressores), fomentando um criticismo destrutivo dos valores mais importantes para a sobrevivência da humanidade e criando uma geração mimada, pedante e altamente sensível a críticas verdadeiras e fundamentadas.
Este, infelizmente, é o retrato do Brasil atual. Um país onde, como diria F. Bastiat, teve todas as suas leis pervertidas em seus objetivos, em consequência todos os poderes de polícia também foram pervertidos e distanciados da realidade, como isso “a lei transformada em instrumento de qualquer tipo de ambição, ao invés de ser usada como freio para reprimi-la! A lei servindo à iniqüidade, em vez de, como deveria ser sua função, puni-la!”[2].
Diante de um cenário tão devastador, precisamos resgatar os valores inerentes à existência humana e ao cultivo de virtudes, ao invés de fomentar pedintes. Adotando-se a premissa de que um valor é aquilo que move nossa ação [para a manutenção da vida] e que a virtude é o meio pelo qual ganhamos ou mantemos as coisas. Neste sentido, para a ética objetivista, três valores são fundamentais, quais sejam: 1) razão, 2) propósito e 3) autoestima. Sendo que as três virtudes correspondentes são: 1) racionalidade; 2) produtividade e 3) orgulho. É bastante óbvio que essas virtudes estão ausentes em boa parte dos brasileiros, sendo que a racionalidade poderia nos impedir de sermos enganados e seduzidos por políticos populistas, a produtividade nos tornaria mais ricos e mais valorizados pelos detentores do capital, e o orgulho acabaria com essa síndrome de vira-latas que é característica da nossa cultura.
De acordo com Ayn Rand, um homem racional deve sempre buscar que seu trabalho seja produtivo, gerando valor para o indivíduo e, consequentemente, para a economia, não esperando receber pelo imerecido (com base em fatores subjetivos), mas com base naquilo que ele, de fato, oferece aos seus semelhantes. Como ele tem consciência de sua utilidade e de seu valor, obviamente ele sente orgulho de sim mesmo e sua autoestima está diretamente ligada à sua percepção de que sua vida tem valor. Essa autopercepção de valor é algo fundamental para que possamos sair desse sistema nefasto, de cartas marcadas e cheio de conceitos errados, em que impera a cultura vitimista.
Por fim, se o bem é tudo que desejamos (como sociedade e indivíduos particulares), em tese, só precisamos estabelecer racionalmente o que é justo e moral e daí seguirmos. Uma nação em que os conceitos de bondade e de moral não estão firmados em valores objetivos e suas virtudes correspondentes não tem como prosperar. Acredito que somente a ética objetivista possui os elementos necessários para quebrar todos esses paradigmas perversos que têm escravizado o Brasil desde a sua descoberta em 1500.
Afinal de contas, precisamos descobrir quem é John Galt.
[1] LUHMANN, Niklas (2005). A Realidade dos Meios de Comunicação. [S.l.]. São Paulo: Paulus.
2] BASTIAT, Frederic. A Lei.