Georgia Mirică
Apesar das raras exceções, não há oposição aos líderes nesta sociedade. Por que isso? Que ideias as pessoas desta sociedade devem ter aceitado para viver uma vida de obediência, trabalho árduo e medo?
A construção sistemática do universo literário em que se desenrola o livro Cântico de Ayn Rand examina toda uma sociedade que priva os seres humanos de suas dignidades fundamentais e os força a viver em constante opressão e supressão da individualidade. O romance acompanha o protagonista, Igualdade 7-2521, em sua descoberta de conhecimento proibido e subsequente fuga, revelando verdades sobre os perigos dos ideais coletivistas e do totalitarismo, refletindo um mundo contemporâneo tumultuado. Em Cântico, a reprogramação dos valores humanos através da doutrinação completa dos ideais coletivistas faz com que os habitantes desta sociedade deixem de ser seres humanos individuais e passem a ser vistos como engrenagens de um vasto sistema. Não tendo noção do eu, eles aceitam a opressão como um dever, sendo despersonalizados a ponto de poderem ser explorados completamente sem rebelião. Violentamente acolhidos pelos braços de um Estado totalitário desde o nascimento, perpetuamente mantido na escuridão, detidos por barreiras ideológicas, o resultado é um povo submisso ao abuso sem questionamentos, nunca tendo sido ensinados a contestar.
Pode-se argumentar que, ao nascer, os seres humanos não passam de massas de argila a serem moldadas por essa força misteriosa chamada vida, e endurecidas pela maturidade, adotando inconscientemente os valores de seu ambiente. Em Cântico, todas os bebês, produzidas por dever ao Estado, são institucionalizadas após o nascimento e crescem em um abismo de doutrinação desprovido de calor e humanidade, tal como nas estruturas organizacionais vistas nas forças armadas. Aqui, eles existem em dormitórios estéreis “brancos e limpos e despidos de todas as coisas, exceto cem camas” (PARTE I). São marcados com nomes genéricos, ensinados a nunca questionar, são punidos e desprezados injustamente por desenvolverem quaisquer particularidades dos seus pares e, sem um escudo parental para protegê-los de abusos, não têm um norte para distinguir o certo do errado. Eles conhecem apenas a falsa construção de fraternidade e são forçados a se adaptar a um leito de Procusto que visa eliminar toda individualidade de pensamento e espírito, a ponto de o pronome “eu” ser desconhecido, substituído por “nós”. Religiosamente, e com uma elevação historicamente sugestiva da mão direita, as crianças recitam antes de dormir: “Não somos nada. A humanidade é tudo. […] Existimos por meio, para e pelos nossos irmãos que são o Estado. Amém” (PARTE I). Criados sem saber que existe um eu, os cidadãos desse regime carregam a convicção de que “a grande transgressão e a raiz de todo mal” (PARTE I) podem ser resumidas em uma palavra: individualidade. Como tal, lhes é negada sua existência como seres humanos, como indivíduos, despersonalizados ao extremo por uma ideologia implacavelmente incutida em suas mentes, deixando-os extremamente vulneráveis à exploração. Aqui reside a questão: já que o indivíduo não existe, como ele poderia possuir qualquer direito?
Acentuando ainda mais as consequências desastrosas da doutrinação, Igualdade 7-2521, após sua fuga, reflete: “Tudo o que vem das massas é bom. Tudo o que vem do indivíduo é mau. Isso nos foi ensinado desde nosso primeiro suspiro. Infringimos a lei, mas nunca duvidamos dela” (PARTE IX). Desde o nascimento, os cidadãos desta sociedade são criados sem senso ou valor de si mesmos, em completa e absoluta escuridão quanto ao mundo ao seu redor, o que significa que, a menos que conheçam outra realidade, estão condenados a viver sem questionar a sociedade ao seu redor, fadados a permanecer em seu domínio impiedoso. Ninguém questiona sua condição a menos que seja exposto a uma verdade alternativa, assim como não pode julgar sua criação sem um quadro de referência externo. É isso que mantém as pessoas em regimes totalitários sob o jugo da opressão e do sofrimento por décadas a fio, com a impressão de que ser explorado não é de forma alguma extraordinário, mas apenas o curso natural da vida.
Privadas de conhecimento, as massas doutrinadas são fáceis de controlar, pois vão seguir a única luz em um espaço escuro, embora possa estar levando a um abismo aberto. Um símbolo especialmente potente que é perceptível ao longo do texto é o da luz. Há a luz da velha ordem, as tochas e velas finitas e reguladas pelo Estado que se esvaem, e a luz da nova ordem, a eletricidade descoberta pelo Igualdade 7-2521 que é infinita e de sua própria autoria. Isso apresenta um paralelo interessante entre a ideia de esclarecimento, de busca incessante e livre do conhecimento, em contraste com a ideia de censura imposta pelo Estado. A censura é onipresente na sociedade criada por Rand, na qual a linguagem e a história são reescritas para se adequarem à agenda do regime coletivista. Um exemplo especialmente marcante ocorre na forma da forma geográfica da censura: “Os homens nunca entram na Floresta Inexplorada, pois não há poder para explorá-la e nenhum caminho a seguir entre suas árvores antigas que guardam segredos terríveis” (PARTE II). Isso carrega um valor metafórico, ilustrando a ignorância induzida e o medo do desconhecido, com a intenção de criar uma população mais facilmente controlável. A emancipação vem com o conhecimento, e é esse conhecimento que fornece o mencionado quadro de referência que pode capacitar alguém a reconhecer as violações e combatê-las. O pensamento ameaça as estruturas de tais regimes totalitários, razão pela qual, além da classe dominante aristocrática, os membros das classes intelectuais são os primeiros a serem expurgados. Esse é o caso do nosso protagonista, cuja notável capacidade significa a sua realocação para o trabalho de Varredor de Rua, onde os inteligentes trabalham ao lado dos não qualificados. Quebrar o espírito significa construir o caráter e no trabalho manual não há espaço para o pensamento.
Segundo Prometeu – nome que Igualdade se dá mais tarde – a circunstância mais condenável que levou a humanidade a tal tamanha opressão foi a ideia de coletivo, expressa na seguinte narrativa: “Que desastre tirou a razão dos homens? Que chicote os fez cair de joelhos de em vergonha e submissão? A adoração da palavra Nós” (PARTE XII). Esta sinédoque para o coletivismo expressa a profunda crueldade do regime, como ele escravizou crianças desde o berço e as manteve na escuridão, sem consciência de nada além daquela palavra de duas letras, assim como os deuses mantinham a humanidade forjada de argila na escuridão até que o titã Prometeu lhes desse o fogo roubado da lareira divina e os libertasse da dependência cega.
Essencialmente, as ideias que os oprimidos devem ter aceitado para suportar tais horrores são as da inferioridade do indivíduo em relação ao grupo, a inexistência do “eu” diante do “nós”. O país de minha origem, Romênia, viveu uma das ditaduras comunistas mais brutais do Leste Europeu e, até certo ponto, todos os métodos de opressão mencionados anteriormente foram aplicados pelas autoridades, deixando para trás um grave trauma ideológico que persiste até hoje. Privado de um quadro de referência, isolado dentro das fronteiras de um domínio, não se pode realmente entender a extensão do abuso ao qual se é submetido, e isso o torna alguém infinitamente suscetível à exploração, como foi perfeitamente ilustrado na obra substancial de Ayn Rand.