O nosso conhecimento sobre fenômenos naturais é muito mais sofisticado do que nosso conhecimento sobre o ser humano, e a maior evidência disso é a área da Psicologia. Séculos antes de Cristo, gregos e egípcios já sistematizavam princípios básicos de Física e Biologia ainda válidos atualmente, enquanto atribuíam os fenômenos psicológicos aos deuses e outras forças espirituais. Há quase 500 anos, gênios como Galileu, Newton e Darwin já se empenhavam em emancipar as ciências exatas da fé e do misticismo religioso, enquanto a saúde mental era tratada de forma ainda mais irracional do que na Grécia clássica, com a condenação de loucos à fogueira ou ao ostracismo.
Em contraste aos mais de 2000 anos das ciências exatas, nem 200 se passaram desde os trabalhos pioneiros de Gustav Fechner (1801 – 1887), Jean-Martin Charcot (1825 – 1893) e Josef Breuer (1842 – 1925) em busca de um entendimento objetivo sobre o funcionamento da mente humana. Na verdade, é possível argumentar que a psicologia só se livrou completamente do misticismo gerações depois de seus fundadores – e até de seu mais famoso proponente, Sigmund Freud (1856 – 1939) – com o empenho de intelectuais como Erich Neumann (1905 – 1960) e Franz Alexander (1891 – 1964) ao sistematizar as ideias de seus predecessores. Isso colocaria a idade da Psicologia, enquanto ciência objetiva, em cerca de 80 anos.
Uma das consequências dessa juventude relativa é que um indivíduo comum que tem uma boa noção de conceitos complexos como “gravidade” e “seleção natural”, tem pouca clareza quando o assunto é saúde mental. Pelo lado da esquerda, somos bombardeados pelo pós-modernismo e o neomarxismo, que ecoam Michel Foucault (1926 – 1984) e sua ideia esdrúxula de que o transtorno mental é uma construção social opressora – uma ideia que não se sustenta quando, por exemplo, observamos o sofrimento individual de um paciente acometido por delírios, e o fracasso monumental do movimento antimanicomial[1]. Pelo lado da direita, temos o pensamento religioso chulo das “MacIgrejas”, que atribuem transtornos mentais a “encostos” ou demônios e o moralismo pseudocientífico que busca incluir a homossexualidade e o uso saudável de drogas no rol de transtornos mentais.
Além da politização da saúde mental vinda da direita e da esquerda, existe algo ainda mais perigoso: o cientificismo positivista. Comum entre os “isentões”, o Positivismo tenta reduzir a doença mental a problemas neurológicos e hormonais: por um lado, ignora completamente o papel da Filosofia e das escolhas pessoais, por outro, reduz o próprio estudo da fisiologia cerebral a análises estatísticas.
Esse artigo é o primeiro de uma série que combate os principais mitos sobre a saúde mental, definindo objetivamente o que é um transtorno mental, explicando a natureza da mente e os principais fatores envolvidos em seu funcionamento. Falarei sobre a relação entre a mente e o corpo, bem como sobre o papel de fatores ambientais e sociais nos transtornos psíquicos. Além disso, abordarei como as ideias e os hábitos adotados por um indivíduo influenciam a sua saúde mental.
O que é a enfermidade mental?
A primeira coisa a entender é que anomalias não são transtornos mentais[2]. O propósito de um indivíduo deve ser o seu florescimento e felicidade, não sua adequação a padrões coletivos, por mais unânimes ou naturais que possam parecer. Um comportamento incomum, como a atração por pessoas do mesmo sexo, é apenas isso – estatisticamente incomum. A atração por crianças, por outro lado, causa sofrimento ao indivíduo, bem como as suas possíveis vítimas, e é isso que o torna patológico.
Um comportamento destrutivo, por pior que seja, não é sinônimo de transtorno mental. Os nazistas, por exemplo, geraram uma destruição incalculável a si próprios e, principalmente, a milhões de vítimas – mas o nazismo não é um transtorno. Eles escolheram fazer o que fizeram ao adotar consciente e deliberadamente valores malignos. Por outro lado, um indivíduo que, em estado delirante, toma a vida de outrem não o faz por escolha, mas justamente por ter perdido a capacidade de escolher.
Também é importante notar que um comportamento patológico, isto é, destrutivo e não escolhido, não é uma enfermidade mental, mas sim um sintoma. Um indivíduo não está louco porque fala com sua geladeira – ele fala com ela porque está louco. Mas, então, o que é o transtorno mental? O que causa o comportamento patológico?
O transtorno mental é a perda parcial ou total de uma ou mais faculdades mentais. O ser humano é capaz de realizar diversos processos mentais – perceber o mundo ao seu redor, integrar suas percepções em uma narrativa coesa, emitir juízos de valor, planejar e coordenar suas ações etc. Essas faculdades não são supérfluas, mas sim totalmente necessárias para sua sobrevivência e florescimento – e sua consequência emocional, a felicidade. A perda ou precarização de uma ou mais delas a ponto de impossibilitar a busca da felicidade constitui um transtorno mental.
Por último, é importante notar que a enfermidade mental não é uma doença, como a AIDS ou o COVID, cuja causa é um agente patogênico específico. Doenças mentais são síndromes, a saber, um conjunto de sintomas que possui um conjunto de causas, nenhuma das quais é essencial por si só. Toda faculdade mental é resultado da interação complexa entre diversos fatores, e qualquer desequilíbrio nessa interação pode distorcer ou extingui-la.
Fatores físicos: A falsa dicotomia corpo-mente
O primeiro tipo de fator é o físico. Todo processo mental é mediado por processos físicos, das reações químicas dentro de uma única célula às diversas interações dos sistemas nervoso e endócrino[3]. Apesar da influência marginal das nossas experiências sobre nossa estruturas físicas, elas são essencialmente determinadas por nossos genes. Uma criança malnutrida, por exemplo, pode não ter um cérebro plenamente desenvolvido – mas o desenvolvimento do cérebro independe dos pequenos detalhes de sua alimentação. Pouco importa se alguém comeu tomates ou batatas na infância, desde que tenha adquirido os nutrientes necessários para que seu cérebro fosse formado conforme definido por seus genes.
Ao contrário do que pensam deterministas e materialistas, esses processos não definem os atos mentais nem o conteúdo da mente do indivíduo. No entanto, nossas estruturas físicas não são apenas um hardware geral, que pode rodar todo e qualquer “programa” – a mente não é independente dos processos físicos que a mediam. Essas duas visões são dois lados da dicotomia corpo-mente – uma dicotomia identificada e refutada por Ayn Rand[4].
Mente e corpo não são dois existentes distintos, que interagem entre si, mas dois aspectos de um mesmo existente, que podem ser abstraídos conceitualmente, mas jamais separados metafisicamente. O pensamento é um aspecto dos processos físicos que o mediam, e vice-versa – o ato de pensar é o ato de direcionar esses processos físicos. Em termos concretos, não é uma mudança hormonal ou a execução de certas sinapses que causam uma certa lembrança alegre, nem essa lembrança que causa os processos supracitados – o ato de lembrar é o ato de executar esses processos[5].
Tomemos, como exemplo, a esquizofrenia – a perda da faculdade de diferenciar as realidades externa e interna. Existem diversos fatores físicos correlacionados ao transtorno, da alta sensibilidade dos neuroreceptores de serotonina e dopamina à baixa densidade das camadas superiores do córtex cerebral. Apesar da correlação, nenhum desses fatores de risco são definitivos. Algumas pessoas nascem com todos eles e levam vidas completamente saudáveis, enquanto outras desenvolvem um quadro severo sem ter nenhum deles.
Por quê?
Porque toda e qualquer pessoa tem o potencial de perder essa faculdade, se submetida a determinadas circunstâncias. Até mesmo um indivíduo completamente saudável, se não dormir por alguns dias, começará a alucinar, delirar e perder seu senso de individualidade – sintomas clássicos da esquizofrenia. Toda faculdade está sujeita a diferentes formas de estresse – a um funcionamento inferior em caso de problemas com os recursos necessários à sua manutenção. Nossa estrutura física determina o nível de estresse que podemos suportar antes de perder nossas faculdades, mas não o nível de estresse ao qual seremos submetidos.
Uma boa analogia é pensar na constituição física como um carro – o meio que utilizamos para chegar do ponto A ao B. Uma pessoa que nasce com o equivalente neuro-hormonal de um tanque de guerra pode trilhar qualquer tipo de estrada esburacada e não precisa ser um motorista muito competente – é tão resiliente que só “quebrará” sob circunstâncias extremas. Por outro lado, quem nasce com o equivalente a uma BMW, terá um funcionamento ainda melhor do que o primeiro indivíduo se a estrada for boa, mas precisa evitar buracos, pois, apesar de mais eficaz, é menos resistente. Em contraste, quem tiver o equivalente a um Fusca com só três pneus precisa ser um motorista excepcional para chegar ao seu destino, evitando qualquer estrada problemática. Os casos mais severos de tumores cerebrais e anomalias genéticas equivalem a um carro sem motor ou rodas – independentemente do motorista ou da estrada, é fisicamente impossível dirigir.
Fatores ambientais: a vida como processo dinâmico
Se nossa constituição física é o carro, a estrada equivale aos fatores ambientais. A vida é essencialmente um processo de interação constante entre um organismo e seu ambiente. Quer falemos de alimento, luz, calor ou estímulo mental, viver é interagir com nossos arredores, identificando e usando os recursos disponíveis para promover nossa vida. No entanto, os recursos nunca são “perfeitos” para esse organismo, e seu uso geralmente traz consigo certos custos.
Beber água de um rio matará nossa sede, mas também introduzirá bactérias e outras entidades indesejadas no corpo com que devemos lidar – temos, inclusive, sistemas inteiros dedicados a esse propósito, como o excretor e o imunológico. Essa análise de custo e benefício é uma parte essencial de qualquer forma de vida, e varia não só com a natureza do organismo, mas também com as opções disponíveis a ele.
A estrutura física e psíquica (fator que explicarei adiante) de uma pessoa define sua relação com os recursos existentes – certas necessidades e restrições objetivas para seu funcionamento apropriado. Enquanto o leite é uma fonte ideal de gordura e proteína para uns, outros tem intolerância à lactose – o que, por sua vez, varia de uma leve indigestão até dores e enjoos severos. O mesmo é válido para estímulos mentais – a mesma tensão de um campo de batalha que desencadeia um transtorno de estresse pós-traumático em alguns, é prazerosa – e até viciante – para muitos soldados profissionais.
É importante ressaltar, mais uma vez, que o transtorno mental não é uma construção social. Sociedades podem normalizar indevidamente certas patologias, ou tratar comportamentos normais como se fossem patológicos, mas opiniões não mudam a realidade. Na Europa medieval, por exemplo, diversos delírios eram tratados como experiências religiosas, e o sofrimento de indivíduos depressivos era considerado normal, ao passo que a homossexualidade, um comportamento inócuo, era considerada um distúrbio. A vida humana depende de faculdades objetivas, e é a perda dessas, com a consequente perda da capacidade de viver, que define a enfermidade mental. Ainda assim, o contexto político e econômico em que um indivíduo está inserido é essencial para definir seus trade-offs ambientais e, portanto, sua saúde mental.
Alguém com uma intolerância considerável à lactose não tem razão para beber leite em uma sociedade capitalista moderna, onde abundam recursos. Insira essa mesma pessoa em um inferno como a Venezuela, e o mesmo copo de leite se tornará apetitoso rapidamente, apesar de seus efeitos colaterais. Os cursos de ação disponíveis ao indivíduo são essenciais à sua saúde física e mental, e são influenciados por seu contexto social. O papel do ambiente é perfeitamente ilustrado por um conceito psiquiátrico mais antigo, que caiu em desuso indevidamente com a ascensão do politicamente correto: a estupidez relativa.
A estupidez relativa é um quadro limítrofe de retardo mental. Se o indivíduo com essa condição vive uma vida que não requer muita atividade intelectual, como a de um pequeno fazendeiro em uma área rural, sua inteligência é suficiente para que ele se sustente financeiramente, socialize de forma adequada, e viva uma vida feliz. Todavia, se o mesmo indivíduo for inserido na rotina de uma grande metrópole, onde o próprio ato de andar na rua o sujeita a uma miríade de estímulos, sua vida será drasticamente diferente. Ele não será capaz de prover para si através dos trabalhos disponíveis, que são mais complexos, e provavelmente será marginalizado em suas relações interpessoais, inevitavelmente se tornando deprimido.
A doença mental pode ser apropriadamente conceptualizada como uma “alergia psicológica” a certos estímulos, ou até mesmo uma “alergia existencial[6]” a certas condições e atividades. As estruturas físicas e psíquicas de um indivíduo determinam suas “alergias”, mas é sua sujeição a situações com as quais ele é incapaz de lidar que causa o comportamento patológico e o sofrimento. Em certos casos, o transtorno é absoluto – ser incapaz de integrações lógicas ou interações sociais básicas é o equivalente a ser alérgico à água ou ao ar. A maioria dos casos, porém, é relativo, e o tratamento consiste menos de medicação e procedimentos invasivos, e mais em achar uma rotina adequada, e planejar a vida do indivíduo de acordo com sua natureza.
Estruturas psíquicas: a relação entre passado e presente
Se o nosso corpo é como um carro, e nosso ambiente como uma estrada, o que exatamente é o motorista? De forma simples e curta, o motorista é a nossa faculdade racional. Todavia, há uma diferença essencial entre os hábitos e habilidades que desenvolvemos ao longo da nossa vida, e as nossas escolhas individuais no presente. Um motorista toma diversas decisões ao longo de sua jornada, mas elas são condicionadas pelas habilidades que desenvolveu no passado – alguém que acabou de começar a dirigir, ou que desenvolveu vícios ao longo do tempo, não está sujeito às mesmas escolhas de um piloto profissional.
Assim como a vida, a consciência é um processo dinâmico. O conteúdo da nossa mente muda constantemente, tanto em resposta a novas percepções, quanto às escolhas que fazemos constantemente. Esse processo dinâmico, porém, dá origem a estruturas psíquicas relativamente estáveis – associações prévias, conscientes e subconscientes, que não podem ser imediatamente alteradas.
Associações subconscientes incluem reflexos condicionados, associações emocionais (pré-conceituais)[7], hábitos mentais automatizados, muitos das quais absorvemos passivamente de nossos pais e educadores, ou desenvolvemos na infância, antes de nos tornarmos capazes de julgar apropriadamente nossas escolhas – associações cuja mudança requer tempo e esforço consideráveis. Associações conscientes incluem os conceitos que usamos, suas definições, e a filosofia que os integra. Apesar de conseguirmos mudar a nossa definição de um conceito rapidamente, integrar por completo essa mudança na totalidade da nossa visão de mundo requer tempo.
Aqueles que estão familiarizados com a economia austríaca podem encontrar uma boa analogia no processo de mercado. O mercado também é um processo dinâmico, composto pelas valorações constantes de cada indivíduo, e as ações e trocas resultantes. Todavia, esse processo dinâmico leva ao desenvolvimento de certas estruturas estáticas, como cadeias produtivas e bens de capital, que só podem ser alteradas no longo prazo. Apesar de serem uma criação humana, a existência desses bens de capital no curto prazo é como um fato metafísico[8] ao qual precisamos nos adaptar. De forma semelhante, essas estruturas psíquicas são os meios que criamos para integrar nossas estruturas inatas aos recursos disponíveis, mas elas frequentemente geram suas próprias necessidades, que precisam ser acomodadas durante o longo período de tempo necessário para alterá-las.
Alguém que nasce com uma predisposição física à depressão, por exemplo, precisa prestar consideravelmente mais atenção à forma com a qual estrutura seus pensamentos, desenvolvendo diversos hábitos cognitivos[9] e motivacionais[10]. Esses hábitos, por sua vez, podem tornar algumas situações mais estressantes – e o estresse excessivo é um dos fatores ambientais que desencadeiam episódios depressivos.
A enfermidade mental pode ser conceptualizada como o equivalente da dor física advinda da necessidade de carregar um peso. Nossa estrutura física é como a composição de nossos ossos e músculos; nosso ambiente é como o peso; e nossos hábitos mentais são como a nossa postura. Ossos e músculos fracos podem ser compensados com uma boa postura, ou pesos mais leves. Todos os três fatores se influenciam, e a sua interação define o resultado final.
Mas se nossa constituição física, nosso ambiente e os hábitos que adquirimos são tão importantes para a nossa saúde mental, qual exatamente é o papel das nossas escolhas? Qual a relação da enfermidade mental com o livre arbítrio? A filosofia que adotamos influencia o nosso bem-estar psicológico? Esse é o tema da segunda parte dessa série.
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Revisado por Matheus Pacini.
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[1] O movimento antimanicomial foi fundado pelo italiano Franco Basaglia (1924-1980) na década de 60. Influenciado por existencialistas como Martin Heidegger (1889 – 1976) e neomarxistas como Michel Foucault, Basaglia considerava não só a existência de manicômios, mas o uso de restrições físicas, sedativos, terapias convulsivas e outras formas de tratamento psiquiátrico como meios de oprimir indivíduos marginalizados pela sociedade. No Brasil, o movimento tomou forma na década de 1980 como parte da mesma reforma sanitária que deu origem ao SUS, e substituiu os precários manicômios públicos da época por Centros de Atenção Psicossocial (CAPS), dificultando internação psiquiátrica até os dias de hoje.
A mudança trocou uma situação ruim por uma pior – ao invés de serem internados em hospícios extremamente precários, a maior parte dos enfermos passou a viver em situação de rua.
[2] Uma anomalia é simplesmente algo que foge à norma – a aquilo que é comum, ou a um conjunto de regras pré-estabelecidas, dependendo do contexto no qual a palavra é utilizada. Como Ayn Rand explica em suas diversas críticas ao coletivismo, as ações, valores e crenças de terceiros não são critérios apropriados para guiar a vida do indivíduo – a identificação racional de sua natureza o é.
[3] É valido ressaltar que os sistemas nervoso e endócrino são apenas aqueles cujas interações se relacionam mais claramente com os fenômenos mentais, mas não são os únicos. O sistema digestivo, por exemplo, é essencial na experiência de fome e sede, que são fenômenos mentais.
[4] A dicotomia mente-corpo é a falsa crença de que a mente e o corpo são dois existentes diferentes, frequentemente com naturezas opostas. Nas palavras eloquentes de Ayn Rand:
“Eles cortaram o homem no meio, opondo uma metade à outra. Eles o ensinaram que seu corpo e sua consciência são inimigos empenhados em um conflito mortal, dois antagonistas de naturezas opostas, reivindicações contraditórias, necessidades incompatíveis, que beneficiar um é machucar o outro, que sua alma pertence a um reino sobrenatural, mas seu corpo é uma prisão má que a mantêm cativa na refém na terra – e que o bom é derrotar seu corpo, enfraquecê-lo por anos de luta paciente, cavando seu caminho rumo à escapada que o levará à liberdade da cova.” – 1982, For the New Intellectual, p.138 – Tradução Livre
[5] Frente à questão da relação entre corpo e mente, Ayn Rand se opõe à esmagadora maioria dos filósofos que se divide, normalmente, em materialistas ou idealistas. Materialistas enxergam a mente como uma consequência supérflua dos fatores físicos que a originam, seja de forma direta como os behavioristas e sua crença de que pensamentos são meras respostas pré-determinadas a hormônios e sinapses, ou de forma indireta, como a crença marxista de que as ideias do indivíduo são definidas pela estrutura econômica na qual está inserido. Idealistas, por outro lado, acreditam que a mente tem primazia sobre o mundo físico – para os pragmatistas (dos quais tratei nesse artigo), o mundo físico é uma criação de uma mente universal, enquanto hegelianos e platônicos acreditam que existentes físicos são apenas “veículos” para ideias universais.
[6] O próprio termo “Psique” foi cunhado pelos gregos antigos, que tinham uma cultura popular consideravelmente mais racional que a nossa. Para eles, a psique não era a “mente”, entendida como algo distinto do corpo e da existência física, mas uma espécie de “força vital”, que denotava ao mesmo tempo o processo de estar consciente e o processo de estar vivo – semelhante à visão de Ayn Rand da consciência como processo biológico. Um problema “psíquico” na terminologia grega, não se refere apenas a um problema emocional ou cognitivo, mas a um problema na integração da vida do indivíduo como um todo ao seu meio.
[7] “Pré-conceitual” é o termo que Ayn Rand usa para se referir a associações subconscientes, mas cuja existência depende da faculdade racional – diferente de reflexos condicionados e outras associações perceptuais. Para Rand, essas associações pre-conceituais dão origem às nossas emoções.
[8] Ayn Rand diferencia fatos metafísicos de fatos humanos (man-made). O primeiro tipo se refere àquilo que independe, e está fora do controle do Homem, como a lei da gravidade, e o segundo, aos fatos resultantes da escolha humana, como a existência de sistemas políticos.
[9] Hábitos cognitivos são os métodos que utilizamos para identificar a realidade. O termo abrange desde hábitos perceptuais, como a forma que direcionamos o nosso olhar para perceber entidades (nos atentamos primeiro ao formato de um objeto, ou aos detalhes de sua textura?), até hábitos conceituais, como o modo como formulamos um conceito (começamos pelas diferenças ou semelhanças entre suas instâncias?).
[10] Hábitos motivacionais são os métodos que utilizamos para integrar nossas ações às nossas emoções. O termo abrange desde hábitos valorativos, como a forma como ajustamos nossa estrutura valorativa a novas identificações, a hábitos integrativos, como a forma como ajustamos nossas emoções a eventos passados e expectativas futuras.