Em maio de 1999, o mundo cinematográfico e seus amantes foram apresentados ao filme Matrix, dirigido, produzido e roteirizado pelas irmãs Lilly e Lana Wachokski. Em 2003, foram lançados Matrix Reloaded e Matrix Revolutions, completando a trilogia que revolucionou a arte do cinema com seus efeitos especiais e cultura cyberpunk.[1]
Thomas A. Anderson, protagonista da trilogia, possuía uma vida dupla. Dentro da legalidade e à luz do dia, era um programador da companhia de software MetaCortex e, na ilegalidade, era um hacker que invadia sistemas operacionais e contrabandeava informações. Nessa vida paralela, ele tinha o apelido de “Neo”.
Em determinado momento, Neo percebe que tudo o que já tinha vivido fora processado dentro de uma simulação de realidade virtual criada por máquinas. E essa simulação, denominada “Matrix”[2], servia como uma prisão para a mente humana, simulando tudo: ar, vento, árvores, pessoas, animais, ruas, carros, prédios, relações sociais, gestação humana, sentimentos, emoções, memórias e experiências de vida.
Embora a mente humana seja processada na Matrix, no mundo real, os corpos dos seres humanos estão adormecidos em “casulos” que contêm líquidos vitais que ajudam a manter a vida e que, conectados a aparelhos, energizam as máquinas.
Inicialmente, as máquinas criaram um programa denominado “Arquiteto”, responsável pela criação da Matrix[3] “beta” em suas versões “paraíso” e “inferno”. No entanto, as mentes humanas apresentaram grande rejeição a essas versões, porque o mundo simulado era curiosamente perfeito e, ao mesmo tempo, monstruoso, o que evidenciava a farsa da realidade simulada para certos indivíduos.
Logo depois, o “Oráculo” aprimorou a Matrix. O propósito desse programa era investigar a psique humana e os valores mentais que moldam o processo de escolha dos indivíduos. O “Oráculo” percebeu que os homens realizam o processo de escolha a partir de um conjunto escolhido de valores. Nesse ponto, ele compreendeu que, ao manipular previamente certos valores dos indivíduos, seria possível moldar as escolhas e, em última instância, o destino das mentes humanas, evitando a rejeição da simulação.
Ainda assim, persistia o problema da rejeição, pois ainda que fosse possível manipular certos valores, crenças e ideais, isso não significava que a escolha seria aquela prevista com base nas estatísticas. Um único indivíduo desperto que rejeita aquela “realidade” pode desequilibrar ou mesmo destruir toda a simulação virtual, já que poderia influenciar outros a seguir o mesmo caminho.
Um terceiro programa, denominado “Merovíngio”, melhorou o sistema de controle das máquinas sobre a mente humana. “Merovíngio” representa a causalidade – para toda causa, um efeito. Esse programa permitia que, a partir das escolhas humanas, fosse possível analisar seus possíveis efeitos. Tudo isso com o objetivo de identificar, estatisticamente, os indivíduos que teriam a probabilidade de gerar problema para a simulação.
A conjugação dos programas “Arquiteto” (simulação virtual), “Oráculo” (psique humana e processo de escolhas) e “Merovíngio” (causalidade) possibilitou a criação e o aperfeiçoamento da “Matrix”: uma realidade virtual simulada para o aprisionamento da mente humana. Esse sistema de controle da mente humana ocorre pela manipulação prévia de certos valores dos indivíduos, o que permite, consequentemente, influenciar as escolhas e, em última instância, o aprisionamento da mente.
Somente com uma mente humana adormecida, manipulável e, portanto, passiva, seria possível fornecer energia para manter as máquinas de forma segura e plena. Uma mente humana insubmissível é tida como perigosa pelas máquinas e sistemas de controle da Matrix, pois poderia deixar de fornecer energia e, pior, influenciar outras mentes humanas a despertar do sonho profundo.
Ayn Rand afirmou, “a qualquer hora, envolvendo qualquer problema de sua vida, você é livre para pensar ou se evadir desse esforço.” Os insubmissíveis aos mecanismos de controle são os indivíduos que optam pelo foco de sua mente através do árduo, porém valioso, esforço de pensar. Já aqueles que optam por manter a mente sem foco, evadindo-se do ato deliberado de pensar, tornam-se escravos do coletivismo.
Coletivismo
Fazendo uma singela comparação com os romances de Ayn Rand, podemos perceber que o personagem Ellsworth Toohey do livro A nascente também possui o mesmo propósito das máquinas da “Matrix”: o domínio da humanidade, a partir da manipulação da mente individual.
Com esse objetivo em mente, Toohey lança mão da estratégia dos programas “Oráculo” e “Merovíngio” da Matrix: ao manipular certos valores eleitos pelos indivíduos é possível influenciar as suas escolhas, as consequências dessas escolhas e, consequentemente, manipular as mentes humanas.
Em um dos principais discursos da obra, Toohey indica a Peter Keating os três caminhos básicos para dominar o mundo: “Se você aprende como controlar a alma de um único homem, a humanidade inteira fica à disposição. É a alma, Peter, a alma. Não chicotes ou espadas, ou fogo, ou armas.”[4] Toohey se aproveita de certos valores enraizados nos indivíduos para manipular suas mentes a seu bel prazer. Logicamente, nem todos os indivíduos são domesticáveis, pois alguns escolhem e apreciam valores e virtudes contrários à submissão, a exemplo de Howard Roark.
O primeiro passo explicado por Toohey seria plantar, na mente humana, o sentimento de culpa e de pecado, promovendo a corrupção interior do indivíduo. Toohey esclarece:
“Pregue o fim do ego. Diga a eles que é preciso viver para os outros. Diga a eles que o altruísmo é o ideal. Nenhum deles jamais realizou o altruísmo, e ninguém jamais conseguirá. Todos os instintos vitais se revoltam contra essa idéia. […] E isso lhe dá um sentimento de culpa, de pecado, da própria falta essencial de valor. […] ele cedo ou tarde abrirá mão de todos os ideais, todas as aspirações, toda noção de seu próprio valor pessoal. Sente-se obrigado a pregar o que é impossibilitado de praticar. […] A alma dele abre mão do respeito próprio. Ele está na sua mão. Ele obedecerá. Ficará contente em obedecer, porque não pode confiar em si mesmo, ele se sente em dúvida, se sente sujo.”[5]
O segundo passo é adotar a mesma estratégia do programa “Oráculo” da “Matrix”: através da manipulação prévia ou destruição de certos valores e virtudes é possível domesticar o homem. Diz Toohey:
“Mate a noção de valores do homem. Mate a capacidade que ele tem de reconhecer a grandeza, e de alcançá-la. Os grandes homens não podem ser comandados. Não queremos grandes homens. Não negue a idéia de grandeza. Destrua-a desde o centro. O grandioso é o raro, o difícil, o excepcional. Crie padrões de êxito acessíveis a todos, aos mais inferiores, aos mais ineptos – e você paralisa o ímpeto em todos os homens, grandes ou pequenos.” [6]
O terceiro passo é impedir que os homens sejam felizes através da manipulação da realidade. A explicação de Toohey é fantástica:
“A felicidade é independente e autônoma. Os homens felizes não têm tempo nem interesse por você. Homens felizes são homens livres. Mate, então, a alegria que eles têm de viver. Arranque deles tudo o que for querido ou importante. Nunca deixe conseguirem o que querem. Faça-os sentir que o simples fato de ter desejo pessoal é maligno. Leve-os a um estado em que dizer ‘eu quero’ não é mais um direito natural, mas uma confissão vergonhosa. O altruísmo ajuda muito nisso.”[7]
A união do primeiro (destruição do ego e do amor próprio), segundo (manipulação dos valores e virtudes humanas) e do terceiro passo (destruir a alegria e a felicidade por viver), possibilitou a Toohey formular uma “realidade” parasitária, em que é possível aprisionar a mente humana mediante o incentivo e a manipulação de determinados valores, o que permite, consequentemente, direcionar as escolhas humanas e prever suas consequências, formatando os indivíduos para se tornarem dependentes dessa “lógica”, da coletividade, do sistema de controle.
A capacidade de manipulação de Toohey sobre certos indivíduos é impressionante. Aqueles que pensam de forma independente ou deixam de agir da forma previamente programada pelos padrões morais e sociais são considerados divergentes, dignos de repreensão pela sociedade e seus membros.
Ainda nesse mesmo discurso, ao dialogar com Peter Keating, Toohey resume em uma única palavra todo o processo que leva à obediência cega pelas mentes adormecidas:
“Esvazie a alma de um homem, e o espaço ficará livre para que você o preencha. […] Vou lhe dizer. O mundo do futuro. O mundo que eu quero. Um mundo de obediência e unidade, um mundo onde os pensamentos de cada homem não serão os seus próprios […] Tudo o que não puder ser controlado deve desaparecer. E se as aberrações insistirem em continuar nascendo de tempos em tempos, não sobreviverão além dos doze anos. […] Tudo o que eu disse está contido numa única palavra: o coletivismo.”[8]
SISTEMAS DE APRISIONAMENTO DA MENTE HUMANA
O controle da mente do homem e, consequentemente, de toda a humanidade. Eis o objetivo comum das máquinas do universo Matrix e de Toohey em A nascente, os quais obtiveram certo êxito, mediante o esvaziamento da alma. Esse processo ocorre pela manipulação e destruição de certos valores, de forma lenta e gradual, para não chamar a atenção.
A Matrix e o coletivismo são mecanismos de controle da mente humana que se aproveitam de certos valores eleitos pelos indivíduos para domesticá-los, destruindo o pensamento individual e independente. Esses sistemas manipulam e atacam os valores e as virtudes que tornam o homem livre, independente e feliz.
Em nossa realidade, qualquer semelhança com movimentos em manada, políticas sociais, sindicalismo, paternalismo e o Estado de bem-estar social não é mera coincidência. Esses fenômenos sociais facilitam a manipulação dos indivíduos por favorecerem o pensamento coletivizado, tribal, em detrimento do pensamento individual, livre e independente. E os indivíduos que optam por evadir-se do ato de pensar constituem a “massa de manobra” que é deliberadamente manipulada para diversos fins escusos.
As máquinas no universo Matrix e Toohey em A nascente representam a figura do parasita, aqueles que sobrevivem ao aprisionar a mente a as conquistas de outrem. Em contrapartida, assim como os personagens fictícios Howard Roark e John Galt, na nossa realidade, os criadores e os “insubmissíveis” são justamente os indivíduos que são guiados por nada além de sua própria mente, valores e virtudes, cujo propósito é a conquista da natureza e de seus próprios interesses. Estes indivíduos são imunes aos mecanismos de controle da mente humana denominados “Matrix” e o coletivismo.
O OBJETIVISMO
Os poucos indivíduos que exercem o livre-arbítrio de forma racional se tornam “insubmissíveis” em nosso mundo. Eles processam racionalmente a realidade de modo distinto, percebendo nos detalhes a conduta dos demais homens e o caminhar das sociedades e das nações. Essa visão é o Objetivismo, a filosofia de Ayn Rand para se viver na Terra[9].
A visão objetivista permite que o indivíduo visualize os diversos mecanismos existentes de controle da mente humana, tais como o coletivismo, o politicamente correto, certos ideais escravizantes, as políticas, os movimentos sociais e o sindicalismo, para citar alguns.
Semelhante à mudança de percepção de Neo, quando começa a processar a vida dentro da “Matrix” por meio dos códigos binários que formam aquela realidade simulada, esses poucos indivíduos que escolhem o Objetivismo como sua filosofia de vida são capazes de analisar e processar a realidade de forma correta, permitindo-se serem livres, independentes e felizes.
________________________________________
Revisado por Bill Pedroso
Curta a nossa página no Facebook.
Inscreva-se em nosso canal no YouTube.
__________________________________________
[1] A presente reflexão é baseada em informações e dados provenientes da trilogia dos filmes (“The Matrix”, “Matrix Reloaded” e “Matrix Revolutions”) e da “Animatrix” (animação da franquia Matrix de 2003). Pode-se afirmar que o “universo matrix” seria composto pelos filmes, pela animação e pelos jogos da franquia, denominados: “Enter the Matrix” (2003), “The Matrix Online” (2005) e “The Matrix: Path of Neo” (2005). As filmagens do quarto filme da franquia iniciaram em 2020, com previsão de lançamento em 2021.
[2] Em 2003, o filósofo Nick Bostrom publicou artigo denominado “Are you living in a computer simulation?”, conhecido como “simulation argument”. Em tradução livre, “hipótese da realidade simulada”. No artigo, Bostrom observa o progresso da tecnologia das simulações de computador, formatando três possíveis cenários: a) as civilizações se extinguem antes de serem capazes de desenvolver simulações idênticas à realidade; b) as civilizações que se tornaram capazes de desenvolver simulações idênticas à realidade e optam por não fazerem e, por fim, c) as civilizações se tornam capazes de desenvolver simulações idênticas à realidade e optam por fazerem. O “simulation argument” está baseado estritamente nesse último cenário. O astrofísico Neil deGrasse Tyson e visionário Ellon Musk são alguns dos inúmeros adeptos dessa hipótese. Artigo original disponível em: https://www.simulation-argument.com/simulation.pdf
[3] O episódio “Matriculated” de Animatrix se inicia com uma cientista, que fazia parte da resistência que havia restado da humanidade após o fim da guerra, armando uma emboscada para uma máquina que acaba por ser aprisionada. Então, os cientistas se auto conectam em uma realidade virtual conjuntamente com essa máquina. Em dado momento dentro dessa realidade virtual, os humanos e a máquinas assumiam formas virtuais praticamente idênticas, criando um “vínculo” a partir da semelhança física. O objetivo desse experimento é de realizar a conversão da máquina para o lado dos homens, mediante a manipulação da consciência e da criação de vínculos de afinidade, sentimento e propósito comuns entre homens e máquinas. Para que a conversão seja efetiva era necessária ser proveniente de um ato voluntário de escolha pela máquina, e não por imposição pelos humanos via reprogramação. Diante desse contexto, os humanos foram os responsáveis pela criação do protótipo da simulação de realidade que, no futuro, seria utilizado pelas máquinas para a criação e aprimoramento da Matrix contra os próprios humanos.
[4] RAND, Ayn. A nascente. São Paulo: Vide Editorial, 2019, p. 843.
[5] RAND, Ayn. A nascente. São Paulo: Vide Editorial, 2019, p. 843-844.
[6] RAND, Ayn. A nascente. São Paulo: Vide Editorial, 2019, p. 844.
[7] RAND, Ayn. A nascente. São Paulo: Vide Editorial, 2019, p. 844.
[8] RAND, Ayn. A nascente. São Paulo: Vide Editorial, 2019, p. 844 e 846-848.
[9] Para compreensão inicial do que é o objetivismo, a filosofia criada por Ayn Rand, sugerimos a leitura do artigo “Um Breve Ensaio sobre o Objetivismo de Ayn Rand” de autoria de Roberto Rachewsky, publicado no livro “Ayn Rand e os Desvaneios do Coletivismo” de Dennys Garcia Xavier. Além dos textos “Quais são os valores supremos e as virtudes principais do objetivismo?” e “O que é objetivismo”, ambos publicados no site “Objetivismo – A filosofia de Ayn Rand” (https://objetivismo.com.br/). Para o objetivismo, os valores supremos que regem a vida humana podem ser sintetizados na razão, propósito e a autoestima, os quais implicam em virtudes que seriam a racionalidade, independência, integridade, honestidade, justiça, produtividade e o orgulho. A conjugação desses valores e virtudes permitem o indíviduo viver uma vida plena, independentes, honesta e feliz.