Será que nos tornaremos a sociedade fictícia de “Cântico”?

Ayn Rand é uma figura altamente influente nos campos da literatura e da filosofia no século XX. Nascida na Rússia em 1905, emigrou para os Estados Unidos na década de 1920, onde desenvolveu sua filosofia notória chamada Objetivismo. Entre as diversas obras que compôs, Cântico, publicado em 1938, destaca-se como uma das mais impactantes. Este romance distópico, situado em um futuro sombrio, aborda questões fundamentais como a supressão da liberdade e da individualidade em uma sociedade coletivista.
Para apreciá-la plenamente, é imperativo compreender o contexto histórico no qual Ayn Rand concebeu a obra. O livro foi escrito durante o período de ascensão do totalitarismo na Europa, com líderes como Adolf Hitler e Joseph Stalin consolidando seu poder. Tais regimes impuseram severas restrições à liberdade individual e promoveram a ideia de que o coletivo prevalece sobre o indivíduo. Rand, tendo vivenciado a Revolução Russa de 1917 e suas consequências, nutria profundas inquietações sobre os perigos do coletivismo, e utilizou a obra para expressar essas preocupações.
A narrativa se desenrola em um futuro distópico no qual a individualidade foi sufocada em prol da coletividade. A sociedade é rigidamente controlada, sendo as pessoas conhecidas apenas por números, sem nomes próprios. De fato, a palavra “Eu” foi abolida, sendo substituída por pronomes coletivos como “Nós” e “Eles,” acentuando o domínio do coletivo. O protagonista, identificado como “Igualdade 7-2521,” desempenha o papel de varredor de rua, apesar de seu profundo anseio por conhecimento e novas experiências individuais, apesar das leis que proíbem tais atividades.
No decorrer da trama, Igualdade 7-2521 comete o delito de realizar pesquisas e descobertas independentes, desvendando o segredo da eletricidade. Contudo, suas descobertas são encaradas como ameaças pelo regime totalitário. Ele se apaixona por uma mulher chamada “Liberdade 5-3000,” e juntos desafiam as normas da sociedade, buscando uma vida caracterizada pela liberdade e individualidade. O casal empreende uma fuga do controle estatal, em busca de um lugar onde possam viver conforme suas próprias vontades.
O cerne da obra gira em torno da supressão da liberdade e da individualidade em uma sociedade que prioriza o coletivo acima de tudo. O Estado exerce controle absoluto sobre todos os aspectos da vida, desde a educação até as escolhas de carreira, com o propósito de eliminar qualquer vestígio de individualidade. As pessoas são desencorajadas a pensar por si mesmas e obrigadas a conformar-se às normas preestabelecidas.
O simbolismo presente na narrativa é uma das facetas geniais da obra de Ayn Rand. A descoberta da eletricidade por Igualdade 7-2521 simboliza a busca pelo conhecimento individual. A ação de nomear a si próprios, em contraposição a aceitar os números atribuídos pelo Estado, representa a reivindicação da própria identidade. A relação entre Igualdade 7-2521 e Liberdade 5-3000 representa poderosamente o desejo humano fundamental de conexão emocional e amor, que não pode ser subjugado pelo Estado.
O desfecho do livro é otimista, demonstrando que a busca pela liberdade individual é intrínseca à natureza humana e não pode ser completamente reprimida. É importante destacar que Ayn Rand argumenta com convicção que a liberdade individual e a busca pelo conhecimento são cruciais para realizar o potencial humano, e que qualquer tentativa de os suprimir resultará em uma sociedade empobrecida e desumana.
Cântico, de Ayn Rand é uma obra poderosa que alerta sobre os perigos do coletivismo extremo e da supressão da liberdade e individualidade. Em um contexto histórico caracterizado por regimes totalitários, Rand oferece uma visão contundente sobre a importância da autonomia e da busca pelo conhecimento. Este livro permanece relevante e provocador, lembrando-nos da necessidade de proteger e preservar os direitos individuais em qualquer sociedade, especialmente em um mundo onde a supressão das liberdades individuais torna-se cada vez mais palpável.
Enquanto lia a obra, uma pergunta persistente rondava minha mente: como foi possível que aquela sociedade totalmente controlada tenha sido construída? Quais foram os passos e métodos utilizados pelo Estado e seus líderes para suprimir completamente os desejos e as liberdades individuais ao longo do tempo, a ponto de fazer com que o passado fosse esquecido? Este questionamento surge à medida que observamos, dia após dia, a lenta erosão de nossas liberdades individuais no Brasil e em todo o mundo. Em uma sociedade onde a falta de liberdade de expressão e o aumento da censura se tornam cada vez mais comuns, será que a história de Cântico está tão distante de nossa própria realidade? Caminharemos rumo a um futuro melhor com mais liberdades ou nos encaminhamos mesmo para uma nova “Idade das Trevas” como sociedade em que as liberdades individuais não existem mais?

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