Resenha de “A nascente”

A nascente foi escrita em 1943, pela autora russo-americana Ayn Rand, mas não há nenhuma evidência que pudesse desmentir que a obra foi escrita no século XXI, tamanha sua compatibilidade com os dias atuais. No romance filosófico, Rand explora o antagonismo entre o egoísmo e altruísmo, à luz da filosofia do objetivismo, por meio dos valores – ou a falta deles – muito bem definidos na caracterização dos personagens.

Logo no início, somos impactados pela apresentação de Howard Roark e Peter Keating, dois alunos do curso de arquitetura da universidade de Stanton, em posições muito diferentes. O primeiro, sendo expulso e impedido de se formar, sob a alegação de que suas ideias e entregas eram demasiadamente autênticas e consideradas ultrajantes pelos docentes da instituição. Mesmo com a tentativa do Reitor para que Roark mudasse sua postura e assim pudesse ser reintegrado, continuou fiel a seus ideais e valores e decidiu seguir seu caminho fora da academia. O segundo, sendo graduado com louvor, recebeu o prêmio de melhor aluno de sua turma e o convite para trabalhar no maior escritório de arquitetura de Nova York e, mesmo com todas as oportunidades, o que mais lhe orgulhava era ter vencido a competição velada que mantinha com Roark.

Os caminhos de suas carreiras seguiram rumos diferentes, mesmo tendo se cruzado por um breve momento em que Roark foi convidado por Keating para um trabalho como projetista na Francon & Heating, que não durou mais que alguns meses.

O primeiro passo de Roark foi começar um trabalho mal pago no escritório de Cameron, um arquiteto que experimentava a decadência após uma breve ascensão, pelo mesmo motivo que levara Roark a procurá-lo como empregador: seu estilo modernista e não apreciado pelos defensores da arquitetura clássica. A dedicação e lealdade de Roark acompanharam Cameron mesmo após o fechamento do escritório, até a sua morte.

Roark chegou a trabalhar em uma pedreira em condições degradantes, mas não cedeu ao mercado e suas exigências para que renunciasse àquilo que, para ele, era inegociável: sua convicção pelas suas criações. Nessa fase, conheceu e se apaixonou por Dominique, filha de Guy Francon, proprietário da pedreira e do escritório que Howard e Peter haviam trabalhado juntos.

Keating, por sua vez, não mediu esforços para uma ascensão rápida em sua carreira, manipulando e trapaceando seus colegas de trabalho sempre que necessário, chegando à sociedade no escritório que sempre trabalhou. Claramente não tinha segurança sobre o seu potencial e talento, e dependia dos reconhecimentos de outras pessoas para se sentir realizado profissionalmente. Muitas vezes recorria à genialidade de Roark para que o ajudasse em seus projetos quando não era capaz de produzir algo impressionante.

Dominique, escritora de um jornal de imprensa marrom e de integridade duvidosa, tem uma personalidade forte e idealista, não suporta o óbvio e se entendia com a mediocridade das rodas de arquitetos que frequenta. Se reencontra com Howard tempos depois, mas decide abrir mão de seu amor e casar-se com Peter, se enterrando nesse relacionamento frio e enfadonho, para punir-se. Acredita que o mundo não merece a genialidade de Howard e, por isso, o ataca frequentemente em sua coluna, a ponto de se aliar a seu pior inimigo, Ellsworth Toohey, para destruir a carreira do arquiteto.

O personagem de Toohey é a exposição de todo o mal. Usa de sua influência como crítico de arquitetura respeitado, utilizando o preceito de altruísmo e coletivismo para manipular toda a sociedade, exaltando e levando à fama todos os mais medíocres indivíduos de cada profissão relevante, como cineastas, diretores de teatro e arquitetos, encontrando Peter Keating como seu alvo perfeito. Em contrapartida, quer destruir todos os gênios, como Roark.

Em um de seus planos, confabula para que Roark seja o arquiteto de um templo encomendado por um magnata, e com a ajuda de sua coluna, influencia a todos para que o templo seja atacado como a pior obra arquitetônica de Nova York. O desfecho é trágico, pois Roark é processado e se recusa a contratar um advogado, baseando sua defesa apenas nas fotos de sua obra. É condenado a pagar as custas de uma reforma no templo e fica muitos anos sem um novo projeto, devido à repercussão do caso.

Em troca da construção de um prédio imponente, Keating concorda em se separar de Dominique para que ela se case com Gail Wynand, dono do jornal The Banner, mais uma vez agindo por meios inescrupulosos em troca do reconhecimento.

Na passagem mais emblemática do livro, Keating propõe a Roark que ele faça um projeto e o deixe levar os créditos, e Roark aceita, pela realização de colocar de pé um projeto antigo, mas com uma condição: que nada fosse alterado. Em sua visita após a conclusão da obra, vê inúmeras modificações que defiguraram o edifício, fazendo com que todo o sentido fosse perdido. Diante disso, tramou um plano com a ajuda de Domique e explodiu a construção. Foi a julgamento e absolvido, após um discurso que pode ser considerado como uma cartilha do objetivismo acerca dos indivíduos egoístas e os sujeitos de segunda mão.

Por fim, Dominique e Howard vivem seu aguardado romance, com o triunfo na carreira de Roark e a decadência de Keating como pano de fundo, mostrando que a felicidade é intrínseca ao indivíduo independente, racional e que aquele que precisa da chancela dos outros indivíduos para validação de sua vida está fadado ao insucesso e à infelicidade.

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