Qual é o significado de “amor romântico” em Rand e Freud?

“Para dizer ‘eu te amo’, primeiro é preciso saber dizer o ‘eu’”[1]. Essa é uma frase de Howard Roark, personagem do livro A nascente de Ayn Rand. Significa que, somente a partir do amor próprio e da identificação de nossos próprios valores em outra pessoa, é que será possível reconhecer o amor romântico.

Para Ayn Rand, os valores e as virtudes individuais atuam como moeda de troca no amor. Esse amor é realizado por meio do uso da mente, da percepção racional e objetiva da realidade, das escolhas dos valores e virtudes e do egoísmo – e não do altruísmo[2]. Certos indivíduos (ou seja, nem todos o fazem) elegem racionalmente seus valores e buscam no próximo esses mesmos valores e virtudes, acontecendo assim o amor em seu sentido romântico, estritamente egoísta.

O amor romântico é egoísta porque é impossível você amar genuinamente alguém, cujo padrão moral de ação[3] seja totalmente contrário aos seus próprios valores, à sua pessoa. Sobreviventes do holocausto jamais terão apreço, e muito menos amor neste sentido romântico, por qualquer nazista, por exemplo. Assim, o amor é egoísta porque os valores que a outra pessoa carrega em si são identificados e valorados positivamente por você. O “eu” sempre vem em primeiro lugar e, depois, as facetas do “eu” identificadas no “outro”.

Logo, não existe o amor romântico genérico e abstrato. Nesses casos, pode existir qualquer outra emoção ou sentimento, tal como amizade e apreço, mas não o amor egoísta.

“Portanto, o amor romântico é uma emoção egoísta. Ele é a escolha de uma pessoa como um grande valor: você se apaixona pelos valores que você mesmo escolheu incorporados no outro. Esse é o amor romântico” – Ayn Rand[4].

A emoção como a única ferramenta de tomada de decisão amorosa proporciona escolhas superficiais, pois carece da devida profundidade de raciocínio e ignora, ou deixa de levar em consideração, os valores eleitos racionalmente.

“Quando o amor é uma integração consciente da razão e da emoção, da mente e dos valores, então, e somente então, é a maior recompensa na vida de um homem” – Ayn Rand.[5]

O amor genuíno depende do uso da razão na identificação de valores. Só é possível amar aquelas pessoas com as quais existe a identificação de valores dignos de apreciação. Por este motivo não é racionalmente viável o amor universal e genérico.

Já Sigmund Freud em seu texto chamado “O mal estar da civilização”, explica que a máxima “amarás a teu próximo com a ti mesmo”, esse amor universal, sem qualquer critério, é impossível, pois não é produto da reflexão, baseando-se unicamente no sacrifício do eu, do indivíduo.

Freud explica essa lógica da seguinte forma:

“Por que deveremos agir desse modo? Que bem isso nos trará? Acima de tudo, como conseguiremos agir desse modo? Como isso pode ser possível? Meu amor, para mim, é algo de valioso, que eu não devo jogar sem reflexão. A máxima me impõe deveres para cujo cumprimento devo estar preparado e disposto a efetuar sacrifícios. Se amo uma pessoa, ela tem de merecer meu amor de alguma maneira.”[6]

Para Freud, portanto, uma pessoa só merece o amor se refletir os aspectos que são importantes para o próprio indivíduo. Um desses aspectos são justamente os valores. Veja-se:

“Ela merecerá meu amor, se for de tal modo semelhante a mim, em aspectos importantes, que eu me possa amar nela; merecê-lo-á também, se for de tal modo mais perfeita do que eu, que nela eu possa amar meu ideal de meu próprio eu (self). (….) Mas, se essa pessoa for um estranho para mim e não conseguir atrair-me por um de seus próprios valores, ou por qualquer significação que já possa ter adquirido para a minha vida emocional, me será difícil amá-la. Na verdade, eu estaria errado agindo assim, pois meu amor é valorizado por todos os meus como um sinal de minha preferência (….)”[7]

Portanto, existe um ponto em comum entre a filósofa Ayn Rand e o psicanalista Sigmund Freud, no que se refere ao amor. O amor genuíno, amor romântico, exige, para ambos, a identificação de valores comuns entre os indivíduos.

Logo, quando uma mulher e um homem se apaixonam, isso significa que, ao agir egoisticamente, buscaram o reconhecimento de valores que lhes são caros na outra pessoa, contribuindo para o seu próprio bem e atingindo, assim, o maior propósito moral do homem: alcançar a felicidade.

“Juro, por minha vida e por meu amor a ela, que jamais viverei por outro homem, nem pedirei a outro homem que viva por mim.”[8]

John Galt em A Revolta de Atlas.

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Revisado por Matheus Pacini.

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[1] RAND, Ayn. A nascente. Campinas, SP: Vide Editorial, 2019, pág. 493.

[2] Para compreensão inicial do que é o Objetivismo, a filosofia criada por Ayn Rand, sugerimos a leitura dos textos “Quais são os valores supremos e as virtudes principais do objetivismo?” e “O que é objetivismo”, ambos publicados no site “Objetivismo – A filosofia de Ayn Rand” (https://objetivismo.com.br/). Para o objetivismo, os valores supremos que regem a vida humana podem ser sintetizados na razão, propósito e a autoestima, os quais implicam em virtudes que seriam a racionalidadeindependênciaintegridadehonestidadejustiça, produtividade e o orgulho. A conjugação desses valores e virtudes permitem o indivíduo viver uma vida plena, independente, honesta e feliz.

[3] Em entrevista para a Playboy, questionada sobre “Quais são as premissas básicas do Objetivismo? Ayn Rand apresentou a seguinte resposta: “Começa com o axioma de que a existência existe, o que significa que uma realidade objetiva existe independentemente de qualquer observador ou das emoções, sentimentos, desejos, esperanças e medos do perceptor. O Objetivismo sustenta que a razão é a único meio pelo qual o homem percebe a realidade e é seu único guia para a ação. Por razão, quero dizer a faculdade que identifica e integra o material fornecido pelos sentidos” (destaques nossos). Entrevista disponível no site do “Objetivismo Brasil” no seguinte link: https://objetivismo.com.br/artigo/entrevista-de-ayn-rand-a-revista-playboy

[4] Trecho extraído da entrevista de Ayn Rand, legendada e disponível no canal do “Objetivismo Brasil”, no seguinte link:

[5] RAND, Ayn. The Romantic Manifesto.

[6] FREUD, Sigmund. “O mal-estar na civilização”, in Religião e Sociedade, 15/1, 1990, pp. 120-127. Texto acessado em:

https://periodicos.uem.br/ojs/index.php/EspacoAcademico/article/view/53045/751375149863

[7] FREUD, Sigmund. “O mal-estar na civilização”, in Religião e Sociedade, 15/1, 1990, pp. 120-127.

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