POR QUE HOWARD ROARK SE RECUSA A SUSTENTAR O MUNDO EM SEUS OMBROS?

RESUMO

Este ensaio tem a finalidade de discutir sobre A nascente, suas representações de independência versus conformidade, como podemos destacar na idealização de Howard Roark e Peter Keating a discussão acerca do senso-comum de que “a vida requer concessões” e como ele está originalmente equivocado.

PALAVRAS-CHAVE: Independência. Rand. A nascente. Roark. Keating. Idealização. Liberdade.

1 INTRODUÇÃO

Pode-se considerar todo romance de Ayn Rand como uma explicação do homem ideal da filosofia objetivista, no entanto, é em A nascente que pela primeira vez esse ideal é transformado por completo na representação de um herói. A idealização de Howard Roark, representada em cada diálogo desafia o leitor ao questionamento pessoal sobre as causas e razões presentes na trama, a essência dos personagens, valores e ideais que englobam toda a filosofia objetivista. Só então, poderemos entender como Roark é a idealização da liberdade, independência e de um espírito racional, enquanto seus coadjuvantes como Peter Keating com sua conformidade e dependência e o antagonista Ellsworth M. Toohey com seu altruísmo, que juntos representam a antítese do homem ideal da Rand.

Segundo Rand, independência é “– a aceitação da responsabilidade de formar seus próprios julgamentos e de viver pelo trabalho de sua própria mente”. A independência é, portanto, uma bússola sobre à realidade que requer julgamentos racionais para se buscar sua felicidade baseada em seus valores, visão e trabalho. É por meio do seu independente herói, Howard Roark, que Rand oferece um retrato da independência sobre a dependência dos outros personagens na obra. Em contrapartida, a dependência e conformidade é o ato de viver não por julgamentos baseados em seus próprios valores e ideias, mas pela função de viver dos outros, sua necessidade básica é a visão do indivíduo como servo dos homens que dê mais importância aos outros que a si próprio, suas escolhas, seu trabalho e sua forma de agir são reféns da vontade dos seus irmãos. É por meio da conformidade, de Peter Keating, que Rand oferece uma visão da dependência e concessões que tornam o homem como meio para fins alheios. Essa diferença é demonstrada em uma das falas de Roark durante seu julgamento no tribunal – “O criador vive em função do seu trabalho. Ele não precisa de ninguém. Seu objetivo principal está dentro de si mesmo. O parasita vive em função dos outros. Ele precisa dos outros. Os outros são a sua motivação principal.”

Para contextualizar esse conflito de independência versus conformidade, podemos vislumbrar como a trama relaciona-se com os personagens e história, esse conflito é apresentado nas primeiras páginas da obra, quando Howard Roark acabava por ser expulso do curso de arquitetura no Instituto de Tecnologia de Stanton, é importante destacar que em A nascente, obter um diploma ou relaciona-se com pessoas renomadas é o primeiro passo para uma carreira de sucesso. Esse sucesso é representado pela conformidade dos fatos, seja pela conquista de um bom emprego, de recomendações ou pressões privadas e sociais baseadas no prestígio: é o que caracterizará Keating durante a trama. Entretanto, Howard não foi expulso por violar alguma lei do Instituto ou por qualquer desconformidade das regras da Escola de Arquitetura, mas pelo contrário, ele estava sendo expulso por desenhar construções que não seguiam o padrão tradicional, pela sua independência e seu ego contrário aos cultos daquela sociedade; esse embate é extraído de forma brilhante por Rand no diálogo entre Roark e o diretor do Instituto, ao mesmo tempo que sua expulsão era falsificada e desenhada por questões morais e acadêmicas, a verdadeira motivação era demonstrada pela falta de apreço do Howard em relação aos costumes da sua sociedade. No diálogo – o diretor tenta, ainda que brevemente, alertar ao jovem Roark dos perigos e armadilhas da sua liberdade, ele é alertado pela possibilidade de não conseguir empregos ou seguir na área da arquitetura e a importância de se herdar aquela tradição; enquanto Roark, o adverte com convicção “– Mas veja – disse Roark calmamente –, eu tenho, talvez, mais sessenta anos de vida. Vou passar a maior parte desse tempo trabalhando. Eu escolhi o trabalho que quero fazer. Se ele não me der nenhuma alegria, estarei me condenando a sessenta anos de tortura. E eu só posso encontrar alegria em meu trabalho se o fizer da melhor forma possível. Mas o melhor é uma questão de padrões, e eu estabeleço meus próprios padrões. Não herdo nada. Não sou seguidor de nenhuma tradição. Talvez eu seja o início de uma.” Roark, o homem ideal do objetivismo cujo o padrão mais alto de sua vida é a busca da felicidade e da possibilidade de criação em um mundo maleável – esperando ser moldado por suas mãos e ideias em novos edifícios – um homem que valoriza sua própria vida acima de qualquer coisa, ele vive para agir, criar e buscar sua felicidade sem perder tempo com o que os outros pensam sobre ele – sua valorização é encontrada em elementos como; vida, felicidade, criatividade e trabalho. Pouco depois o diretor, de maneira relutante, questiona Roark. sobre quem permitirá que ele construa suas arquiteturas modernas e originais, ao mesmo tempo em que Roark responde: “quem me impedirá?” e é aqui que nós podemos ter uma prova dos valores e independência de um homem livre. Por sua vez, a medida em que a trama avança, Roark é desacreditado pela sua expulsão, goza de pouquíssimo prestígio e aprovação dos seus empregadores, amigos e clientes enquanto tenta construir sua carreira de arquiteto e mesmo quando, posteriormente, Roark inaugura seu próprio escritório de arquitetura, recebendo pouquíssimas demandas de edificações, ele ainda é capaz de recusa-las seja por pedidos arquitetônicos que estão ligados à tradição ou motivos psicológicos de conformidade e dependência que Roark tem a incrível habilidade de constatação. Por outro lado, o fato de Roark rejeitar-se a participar ou construir, obras arquitetônicas que envolva modelos tradicionais, expõe toda a sua oposição ao coletivismo. Não pelo motivo da existência de algum erro arquitetônico, mas por sua essência, originalidade e sua própria visão, suas edificações são extensões de si e não um objeto inanimado que está à mercê dos desejos alheios. O discurso no tribunal de Roark sobre independência e liberdade de um homem individualista é uma definição perfeita da relação entre os homens e suas criações “– Em todos os relacionamentos dignos de respeito – ninguém se sacrifica por ninguém. Um arquiteto precisa de clientes, mas não subordina seu trabalho aos desejos deles. E eles precisam de um arquiteto, mas não encomendam uma casa só para lhe dar trabalho.”

Por sua vez, Peter Keating é o total oposto de Roark, Peter é a representação da dependência, ele deriva seu senso de valor da sua visão de como os outros o veem, ele não tem desejos particulares e toda ação que faz é intencionada para obter status. A seguinte citação pode descrever esse personagem perfeitamente: “Ouça o que é pregado hoje em dia. Olhe para todos ao nosso redor. Você se perguntou por que eles sofrem, por que buscam a felicidade e nunca a encontram. Se qualquer homem parasse e se perguntasse se alguma vez ele teve um desejo verdadeiramente pessoal, ele encontraria a resposta. Veria que todos os seus desejos, Deus esforços, seus senhos, suas ambições são motivados por outras pessoas. Ele não está realmente lutando nem mesmo pela riqueza material, mas pela ilusão daquele que vive à custa dos outros: o prestígio. Um carimbo de aprovação, mas não dado por ele mesmo. Ele não consegue encontrar nenhuma alegria na luta e nenhuma alegria quando é bem-sucedido. Ele não pode dizer, com relação a única coisa: ‘foi isso o que eu quis porque fui eu quem quis, não porque fez com o que meus vizinhos olhassem boquiabertos para mim.’ Então ele se pergunta por que é infeliz.” E apesar de ser o número um da sua classe na Escola de Arquitetura, ele considera seu trabalho apenas como um meio aos desejos dos outros, ele segue seus pares, não tem preferências próprias, vive como um refém da conformidade dos outros, isso pode ser percebido, claramente na obra, já que o sonho de Keating era ser pintor, mas seu conformismo fez com que escolhesse arquitetura pelos anseios da sua mãe que também escolhe seu casamento. Keating torna-se um alpinista social, desejando sucesso e prestígio acima de tudo, ele é capaz de sacrificar tudo que quer para agradar os outros, suas crenças são desenvolvidas por outras pessoas com o objetivo de obter aprovação ao ponto de sempre usar Roark para salvar seus projetos de arquitetura, um homem sem princípios, sem valores, capaz de tudo, independente de quem tenha que usar ou destruir. Um verdadeiro homem de segunda mão.

Portanto, A nascente é capaz de demonstrar que que a vida não é feita de concessões e sua resposta está na imagem de Roark. Entretanto, é importante destacar que “concessões” na obra de Rand equivalente ao subjetivismo ético, da traição dos princípios do indivíduo – rendição perante a qualquer desejo irracional – de que todo homem tem direito a todo desejo que queira fazer valer; é a ideia que todo desejo humano tem a mesma validade moral e que todo indivíduo deve submeter-se aos valores dos outros. Para tanto, isso não significa que os homens não possam firmar acordos e pactos de benefícios mútuos, um princípio mútuo – tal como – o comércio que é representado pela aquisição e construção das arquiteturas do Roark e seus clientes, esse pacto não envolve sacrificar seu julgamento em prol dos outros, sua independência permanece intacta. Nesse sentido, Howard ao recusa-se a submeter sua criação e seu trabalho ao pensamento coletivista está, intencionalmente, removendo suas conformidades, restrições e a natureza insidiosa do altruísmo. Sua rejeição demostra os valores do individualismo, Roark não encontra-se triste em frente aos seus obstáculos, pelo contrário, ele está rindo logo depois da sua expulsão da Escola de Arquitetura, ele procede apenas pelo seu próprio julgamento racional – ele representa uma vitória do indivíduo perante o coletivismo maculado pelo desejo serve somente aos seus interesses em controlar e quebrar cada parte do espírito humano. Roark é motivado pelo desejo de realizar, por seus valores e a busca da sua felicidade, ele não é moldado pelo status quo em que o coletivismo do seu país tenta impor. Vemos um indivíduo racional, vencendo sobre toda opressão imposta sobre ele, vivendo por suas próprias ideias, independência e felicidade, em frente de um homem que vive sem objetivos próprios, condicionado pelos padrões da sociedade – Cada indivíduo possui um valor incomensurável e independente. Consequentemente, existe um significado em cada cena exposta explicitamente por Rand que poderá demonstrar o motivo da vida não ser, necessariamente, requerer concessões, mas é na resposta de Roark ao diretor que Rand é capaz de externalizar essa explicação: “Não pretendo ter clientes para poder construir. Pretendo ter clientes para poder construir.” Quando Roark faz essa afirmação, ele está negando qualquer concessão futura ao seu trabalho, julgamento, valores ou felicidade.

REFERÊNCIAS

RAND, Ayn. A nascente. São Paulo: Arqueiro, 1º edição, 2013. p. 800.

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