RESPOSTA E COMENTÁRIOS FINAIS DE JOHN C. WRIGHT
A questão desta última parte do debate entre o católico e o ateísta é a seguinte: a religião tem sido, de forma geral, algo bom ou ruim para a humanidade?
Leitores atentos devem ter percebido nas resenhas anteriores que praticamente todas as questões do debate contêm um pressuposto subliminar, ou inclinação retórica, a qual deveria ser trazida à tona antes mesmo que a questão possa ser respondida. Não causará surpresa ao leitor atento saber que o Sr. Hicks propôs as questões, por isso elas contêm suas hipóteses fundamentais dissimuladas. Mas o justo é o justo, e eu concordei em responder à questão que me foi colocada, da forma como foi colocada.
Todavia, é também meu dever apontar qualquer pressuposto implícito omitido na pergunta ou extrapolação lógica que a resposta possa provocar, assim como é meu dever rebater os falsos pressupostos implícitos que a questão provoca.
A questão tal qual foi proposta é destituída de sentido.
Seria como perguntar se o impulso sexual, o instinto maternal, a paixão pela guerra, o amor pela paz, a busca pela beleza, a necessidade da comédia, o apetite por comida e bebida têm sido, em suma, bons ou ruins para a humanidade. Não há como responder à questão porque esses impulsos, instintos, apetites ou desejos são tão básicos e universais para toda a humanidade que podem ser encontrados em absolutamente todos os homens e instituições, em todos os tempos e lugares. Na verdade, essas coisas definem o que é ser homem.
A religião significa um conjunto dos ritos de prece, ações de graças, pregações e adorações oferecidas em diferentes lugares e de diversas formas para entidades divinas e sobrenaturais, mas ela também envolve instituições formais e informais que tratam de teologia, moralidade, leis e costumes, artes e poesia, relacionadas aos seres divinos ou à relação que o homem entretém com eles.
Bom significa aproximar-se da verdade divina. Significa virtude, beleza e verdade.
Contudo, fazer uma pergunta sobre a bondade como um todo implica um padrão de medida, um objetivo e uma forma de medirmos se a religião está nos aproximando ou afastando desse objetivo. Enquanto o suposto padrão subjetivo do ateísta é “feito pelo homem” e “centrado no homem”, o padrão objetivo e racional do católico é determinado pelo Divino e está centralizado na Igreja. Eu não poderia imaginar como responder apropriadamente a uma questão sobre bondade em um intervalo de tão grandes discrepâncias no que diz respeito aos padrões de medição.
Indo ainda mais diretamente ao ponto, fazer uma pergunta sobre ‘religião’ sem fazer qualquer distinção entre religiões primitivas e avançadas, civilizadas e não civilizadas, sem fazer distinção entre adorar deuses bons e bondosos ou bestas demoníacas é como fazer um questionamento procurando saber se o casamento é melhor que o celibato, sem distinguir entre casar-se com o seu grande amor, com uma bruxa, com uma mulher qualquer, com muitas mulheres, ou casar-se com Deus Vulcão ao ser jogado acorrentado na lava.
Da maneira que foi proposta a questão não quer dizer estritamente nada porque não existe, verdadeiramente, nada fora da religião com o que possamos contrastá-la. O impulso religioso é parte da natureza humana, e mesmo ateístas e agnósticos tratam algumas dessas questões com o mesmo respeito e reverência que os teístas consagram aos deuses. Existem certas coisas que mesmo um ateísta trata como sendo sagradas – seu senso de honra, por exemplo, ou seu amor pela razão – por mais que, em sua visão de mundo, tecnicamente, nada seja sagrado.
Essa questão é o mesmo que perguntar se o ser humano, como um todo, tem sido bom ou ruim para a humanidade.
Agora, devemos reconhecer, a questão poderia estar tentando responder a um questionamento mais profundo que esse. Ela poderia estar tentando responder se o impulso religioso tem sido a causa de mais eventos históricos infelizes e prejudiciais que eventos de benevolência, civilização e progresso.
Não existe uma resposta padrão para essa questão. Se tomarmos a quantidade, frequência e severidade das guerras, concluiremos que existe um número insuficiente de motivos puramente ateístas ou mesmo teístas para as guerras, de forma que possamos fazer qualquer apreciação precisa e definitiva. Da mesma forma, a longevidade de uma sociedade poderia ser uma mensura aproximativa de seu sucesso, assim como justiça e equidade de sua lei, ou quão bem ela trata os mais pobres, no entanto, a mesma espécie de objeção apareceria. Quando um homem faz o mal, como poderia um reles mortal saber qual foi a principal de suas motivações? Em toda guerra, com exceção das Grandes Guerras mundiais e as que vieram posteriormente, a religião foi tão parte da cultura dos beligerantes quanto todos os outros desejos, apetites, impulsos e instintos inseparáveis da condição humana, e isso é válido tanto na guerra quanto na paz.
Porém, novamente, como a palavra ‘religião’ pode se referir tanto ao ministério de Madre Teresa de Calcutá lavando os membros dos corpos dos leprosos quanto aos degraus sangrentos e enfumaçados das pirâmides do México – onde milhares morreram pelas facas de rocha vulcânica dos sacerdotes pintados e vestidos em pele humana esfolada –, essa questão seria, enfatizemos, como perguntar se o impulso sexual conduziu a humanidade a um bem maior sem não obstante fazer distinção entre casamentos felizes e adultérios grotescos.
A mera comparação entre os casamentos felizes de C.S. Lewis e G.K. Chesterton e a traição de Lancelot, o estupro de Lucrécia e a poligamia de Salomão nada lhe dirá de interessante e definitivo.
Nenhum saldo definitivo poderia ser obtido. Eu seria capaz de aportar tamanha importância a meu próprio casamento feliz que, por mais que toda e qualquer outra expressão de impulso sexual em todas as épocas fosse trágica e vil, em meu julgamento, o saldo ainda seria favorável a que eu fosse uma criatura sexual ao invés de assexual. E como a biologia humana não permite que humanos assexuais existam, a questão é discutível não importando qual julgamento seja utilizado para se obter uma resposta.
Da mesma forma, se um gênio do mal me propusesse que todas as vítimas sacrificiais dos Astecas poderiam ser salvas dos sacrifícios humanos motivados pela religião e por seus malignos adoradores desde que, em troca, um leproso que foi confortado por Madre Teresa fosse ignorado e condenado à morte na sarjeta sem nenhuma afeição e carinho, eu recusaria a oferta com desdém. Da mesma forma, mas indo no sentido oposto, quando um repórter leviano viu Madre Teresa lavando os membros de um leproso na água, ele disse: “eu não faria isso nem por todo o dinheiro do mundo!”.
E ela com um sorriso respondeu que “também não faria isso por todo o dinheiro do mundo”.
Então, não falemos mais de julgamentos buscando contrabalançar se algo que é parte da própria natureza humana seria, como um todo, definitivamente uma coisa boa ou ruim para toda a humanidade.
Todavia, apesar disso, a questão sem sentido poderia ser respondida de maneira significativa, desde que verificássemos qual é seu principal pressuposto subliminar para explorá-lo e respondê-lo convenientemente.
Nós estamos lidando com algo que vale mais que todo o dinheiro do mundo. É disto que a questão deveria tratar. Se a alma humana existe (e o argumento racional e o testemunho da experiência firmemente atestam que existe), então a questão do que é bom para o homem é realmente uma questão do que é bom para a alma.
Pouco podemos saber a respeito desse mistério que denominam alma. No entanto, sabemos que temos uma e que a temos através de uma fonte segura, baseada no argumento racional apontando que as almas devem ser indivisíveis e simples, portanto eternas.
Essa imortalidade tem uma implicação consequente para a questão que tratamos. Ela muda todo o modelo do universo imaginado.
A pessoa menos importante que você encontrar amanhã é mais importante que qualquer república, império e reinado, toda lei e instituição, todo trabalho humano nas artes ou na engenharia, e todo triunfo ou derrota, guerra ou paz presentes em toda história da humanidade.
A pessoa menos importante que você encontrar amanhã é imortal e sobrenatural. Ela estará viva para sempre na felicidade da luz eterna ou gemendo para sempre na apagada escuridão. Todas as outras coisas são temporárias e mortais, passarão e serão esquecidas. Entre o finito e o infinito não existe rateio. O mero mundo mortal e todas suas obras e toda sua pompa e glamour, todas as suas vitórias e derrotas expressas na história, não sofreriam apenas de uma falta de significado, eles teriam, mesmo, uma falta infinita de significado. Desta feita, a alma do mendigo que você ignorar sobreviverá ao passar das estrelas, das galáxias e do próprio cosmos.
Assim diz a visão correta sobre o universo. E como forma de contraste, a visão ateísta defende que ninguém que você eventualmente encontre amanhã viverá mais que um século, e que a raça humana será substituída por super-humanos ou sub-humanos ao passo que a evolução cegamente nos elimina do plano existencial, ou a catástrofe nos oblitera, ou a entropia e a decadência nos consomem até nada mais sobrar. E então toda a vida animal eventualmente morrerá, e o mundo eventualmente perecerá, e nosso sol eventualmente cessará, e então nossa galáxia, e o próprio cluster em que nossa galáxia se encontra, e o super-cluster, e o cosmos.
O pressuposto subliminar à questão, quando o ateísta é quem coloca a questão, é que igrejas e cultos duram mais tempo que as pessoas e, portanto, a história humana deve ser julgada em função do quão pacífica e confortável a religião tornou os mortais (todas as religiões, independentemente de sua forma de culto).
Mas quando o católico coloca a questão, ele sabe que todos os paganismos, cultos, heresias e falsidades não passarão um dia pelo Julgamento Final, mas todos os homens.
O católico sabe que o propósito das religiões pagãs é defender a ordem social tirânica e destruidora de almas em civilizações inumanas, opressoras e cruéis. Os egípcios se curvavam ao Faraó, considerado filho dos deuses, assim como os japoneses ao seu imperador, e os romanos pagãos aos seus imperadores. Os tiranos eram divinos. Os brâmanes, baseados no divino e impiedoso preceito do Carma (ou destino), são superiores a qualquer um dos “intocáveis” na Índia (trabalhadores braçais e figuras consideradas mais subalternas no sistema de castas do hinduísmo). Excentricidades ilegais e brutalidade eram a regra. As crueldades do mundo eram executadas pelos deuses e semideuses que fundaram as cidades arbitrariamente, e devido ao seu próprio destino, do qual não há escapatória.
A ordem social da visão pagã de mundo é impotente e desesperadora, pois é parte e parcela de uma ordem cósmica. Os semideuses que fundaram Roma, por exemplo, ou a ninfa que mostrou à Numa as doze tábuas da lei romana, não têm mais arbítrio sobre a inferioridade do escravo e do cidadão comum do que têm sobre a rota das estrelas, ou o crepúsculo dos deuses, ou a rotação do círculo de Kali Yuga presente na cosmologia hinduísta. Todas as coisas são fixas; tudo segue um destino; tudo está predeterminado.
E, da mesma forma, devido à sua superioridade moral e intelectual, a elite autoungida da Rússia Soviética – ou da China Vermelha – é superior aos proletários, escravos e traidores ignorantes do conflito de classes.
E essa mais recente manifestação da crueldade e da antiga desesperança do paganismo, é claro, erigiu o mesmo sistema de coerção, escravidão, e de rituais públicos que eram também presentes em suas antigas contrapartes comparáveis, exceto que sem os mitos dos deuses para lhes conceder algum glamour ou lividez.
O Comunismo são todos os sacrifícios nas chamas da fornalha eterna de Moloch, sem a poesia de Virgílio ou Homero.
Tanto na moderna e antiga melancolia e escuridão do paganismo, a nota que se repete é a da desesperança, e a do sacrifício do indivíduo aos deuses sanguinários que mantêm a ordem.
Todo mal feito, toda mentira contada, todo aperto dos instrumentos de tortura, é feito pela mesma razão: os fins justificam os meios. Julião o Apóstata, o último imperador pagão de Roma, sacrificou uma escrava unicamente para que seus sacerdotes lessem em suas entranhas se suas campanhas na Pérsia seriam exitosas. O nome dessa escrava não foi gravado na história. Na cidade ucraniana de Odessa a Tcheka (polícia secreta bolchevique) reuniu parte dos inimigos do Estado em esconderijos para depois lançá-los em fornalhas ou jogá-los em tanques de água fervente. Nem o verdadeiro número de mortos pela Tcheka, nem os nomes dos sacrificados foram registrados confiavelmente na história. Em ambos os casos, deuses sem remorso do Olimpo ou o materialismo dialético da luta de classes requerem sacrifícios. Piedade e compaixão e outras frágeis virtudes cristãs eram desconhecidas tanto dos antigos, quanto dos novos pagãos.
O propósito da cristandade é subverter essa ordem social sustentada em um mundo profano e mortal através do poder de um reino que não é deste mundo, que não segue as regras de um mundo impiedoso, e não aceita que os fins justificam os meios.
Nós, cristãos, buscamos subverter essa brutalidade forjada no ferro de Roma com uma nova arma que nenhum ateísta, pagão ou homem mundano jamais poderá entender: o excesso exorbitante de amor chamado martírio.
Imagine a cena em que Jesus Cristo, um rebelde, filho de uma raça desprezada e conquistada pelos romanos, espancado e humilhado, torturado e forçado a usar uma coroa em sinal de escárnio, foi levado diante do cínico, educado, poderoso e superior Pôncio Pilatos.
É praticamente impossível mesmo para o mais inteligente dos agnósticos modernos conceber essa cena com olhos estritamente pagãos, porque os agnósticos modernos adotaram de forma tão completa os valores e visão cristã de mundo que você não poderia perceber essa indiferença diante e durante a rebelião contra a religião.
O que o pagão vê é isso: Cristo é um dos três patetas. Ele não é Sancho Pança, o camponês mais simples, astuto e sincero que seu louco mestre. As figuras das castas inferiores nos dramas gregos não estavam lá para inculcar a mensagem cristã subversiva de que todos os homens são igualmente filhos de Deus e juízes de sua obra e de sua própria fé. As figuras de castas inferiores nos dramas antigos estavam lá para mostrar a superioridade dos seus superiores.
Veja, por exemplo, o tratamento de Térsites em Homero. Quando Odisseu bate em Térsites com o bastão dourado que servia de malhete para os reis e chefes reunidos, e que discutiam em um debate público sobre a questão do retorno desta escrava de Agamenon ao seu pai – para lhe remover a maldição –, o poeta não espera que ninguém em sua audiência pagã tenha qualquer simpatia pela desvairada e fofoqueira Térsites. Agamenon é o único personagem que recebe uma descrição visual em todo o épico de Homero, e é absurdo. Ele é comicamente feio. Odisseu era o herói, e o trabalho dos heróis pagãos era derrotar e colocar seus subordinados na linha, proteger a cidade, e queimar com a majestade de uma batalha épica de tal maneira que impressionasse até os deuses, e, por fim, morrer jovem.
Resgatar donzelas em perigo é a profissão do fidalgo cavaleiro cristão, e ele não toma escravas com prêmio para incrementar seu crescente harém de concubinas. Nada disso, ele busca o Santo Graal para trazer de volta a luz à escuridão do mundo e a esperança aos desesperançados.
Deixe os zombadores dizerem o que quiserem sobre o quão bondosos ou doentes eram os estoicos Mirmidões tessálicos ou os devotos cavaleiros Paladinos, se seguiam seus ideais ou os traíam, o importante é que nenhum zombador poderá esconder o fato de que os ideais comparados são muito diferentes, e que os ideais cristãos são mais brilhantes, limpos e finos.
Cristo, machucado e dilacerado pelo chicote, foi Térsites; e Pilatos, Odisseu. É impensável e surpreendentemente subversivo para um cristão imaginar ou visualizar a cena de forma diferente, como Cristo sendo rei e Pilatos uma figura confusa e patética, machucado e afligido pelas exigências contrárias da tirania romana e pela própria gentalha de Jerusalém, pessoas como Pedro, o pobre pescador. A visão cristã exalta mesmo o mais simples como alguém estando acima dos maiores.
A visão pagã da vida é uma em que a cruz é um instrumento de tortura tão repugnante e tão humilhante que nenhum relato contemporâneo, qualquer que seja, permitiria descrever detalhadamente a maneira como e por que foi usada, ou como tal cena teria se parecido minuciosamente, uma vez que os próprios romanos estavam muito envergonhados para escrever a respeito.
A visão cristã percorre o universo em sua perplexidade, e o crucifixo é transformando em um sinal de glória em que os demônios do inferno gritam e tremem, e os brutais e caprichosos deuses do Olimpo, com todas as suas fornicações e parricídios, são reduzidos a imagens infantis de cartões do dia dos namorados.
O ateísta moderno não pode argumentar sobre o bem e o mal que teria sido causado pela religião, pois ele não sabe o que é religião.
Não existe uma explicação ateísta da religião, ou, ao invés disso, todas as tentativas de explicação reduzem-se a zombarias e tiradas agressivas, carentes da precisão da ciência e da claridade objetiva da filosofia.
Qual tipo de explicação ateísta sobre religião seria possível? Dado que a religião deve ter evoluído em todos os homens de forma equivalente, e que os animais não têm nada de semelhante, e que não existe nenhum Deus soprando o espírito santo em um animal para torná-lo homem, como os ateístas conceberiam uma explicação? Isto não é algo que pode evoluir naturalmente, pois não existe nenhum propósito natural, uma vez que a espiritualidade não fornece alimento, não afasta predadores e, pelo contrário, desencoraja a fecundidade de animais que poderiam copular sem ter que seguir ritos matrimoniais.
O argumento que a religião teria evoluído como um mecanismo social é contraditório, dado que os costumes e tradições sociais são deliberados, não instintivas, e, de qualquer forma, a evidência objetiva é que os costumes de uma sociedade são a resposta ao impulso religioso, e não ao contrário. Para que esse argumento seja verdadeiro, teríamos que constatar evidência de uma ordem social religiosa e de uma ordem social não religiosa, verificando o fracasso da não religiosa devido a uma desvantagem intrínseca no ateísmo e na ordem social, e confirmar que a religiosa espalhou-se e tomou o mundo. O que a antropologia nos mostra é que os primeiros e mais primitivos homens, séculos e milênios antes de um Moisés da Idade da Pedra escrever sua primeira lei ou do Thomas Jefferson das cavernas redigir sua primeira Constituição, todos tinham ritos e rituais de sepultamento. A religião é anterior à sociedade e, portanto, não pode ser um subproduto desta. Não existe uma simples cultura controlando todos os homens neolíticos de polo a polo com uma ordem religiosa unificada.
Os ateístas, de tempos em tempos, oferecem outras teorias levianas sobre como a religião surgiu e o que ela significa, mas aleijados pela insensatez desde o ponto de partida, não podem explicar a razão pela qual os homens antigos prestavam culto a demônios, já que os ateístas não acreditam na existência de demônios. Seria como pedir a um insano conselheiro de casais que pensa que vossa esposa é imaginária para que explique vosso amor por ela, ou perguntar a um policial louco que pensa que todos os crimes são imaginários por que o dono da loja resolveu pagar por ‘proteção’. Tudo o que podem concluir é que as religiões são irracionais, e isso pela mesma razão que o conselho de casamento insano e o policial louco não podem fornecer nenhum bom conselho sobre crime ou casamento: eles não acham que o objeto da discussão efetivamente existe.
Além disso, graças à educação moderna, por um lado, e graças à ignorância deliberada, por outro, a habilidade de julgamento do bem e do mal que estariam presentes na história foi irreversivelmente pervertida. O ateísta sequer consegue expressar o que ele está verdadeiramente procurando.
E quando um indivíduo analisa a Cristandade, e preocupa-se apenas com as coisas que os cristãos já fizeram ou com as coisas que inspiraram pagãos seguindo os passos de Cristo a fazer, o julgamento da história é impressionante.
Tudo o que chamamos de civilização, desde o império da lei até a igualdade das mulheres, a exploração do globo, a escalada do Evereste, a Revolução Industrial, a Revolução Científica, a assinatura da Magna Carta, a Revolução Americana e o hasteamento da bandeira americana na lua, todas essas coisas foram feitas por cristãos, para cristãos e no contexto da cristandade.
Ninguém escreveu um romance de ficção científica fora da cristandade, ou antes, de o autor ter tido contato com a civilização cristã.
As contribuições de judeus como Karl Marx, Ayn Rand, Maimônides e Espinoza, por exemplo, foram possíveis somente graças à sociedade cristã que estava em seu entorno, e foram possíveis somente dentro da perspectiva metafisica, moral e filosófica cristã. A imensa falta de qualquer registro de judeus vivendo sob o regime muçulmano, ou ainda mais distante, e fazendo tais descobertas inovadoras e surpreendentes já é suficiente para despertar suspeição de que sua cultura sem a nossa é insuficiente para alcançar uma civilização crescente, moderna, industrial e democrática.
O caso em prol da contribuição de matemáticos e doutores hispano-muçulmanos é ainda mais desigual e óbvia. O Oriente Médio ficou para trás em relação ao Ocidente Cristão na ciência, na arte, mesmo na lei e liberdade, na riqueza e poder, porque e somente porque sua cópia herege da religião cristã não manteve os elementos essencialmente cristãos da visão de mundo que torna tal progresso possível.
Por mais que os muçulmanos mantivessem quaisquer elementos da unidade e da igualdade cristã dos homens – por exemplo, todos os muçulmanos de todas as hierarquias em uma mesquita rezam da mesma forma e ao mesmo tempo e, como outro exemplo, a caridade aos pobres ainda é um dos cinco pilares do Islã –, de forma geral, aliás, como todas as heresias eventualmente fazem, o Islã tornou-se nada mais do que parte de um sistema mundano de poder, parte da ordem social contra a qual Cristo se opõe, tornou-se um mecanismo de manutenção de sultões e shas em seus tronos, ou algo buscando elevar os imanes aos seus divãs do poder.
Tão distante quando o Oriente Médio, a ordem social da Índia e da China antes da chegada do ocidente pode falar por si própria, e os índios mesoamericanos e seus sacrifícios humanos em massa estiveram muito perto da coisa mais próxima que tivemos de um inferno na Terra, e isto apenas até que os socialistas na Alemanha, da Rússia e da China não excluíssem ou subvertessem a religião em prol de seus programas de execuções em massa, expropriações em massa, extermínios em massa, assassinatos em massa e escravidão em massa.
A questão do impacto do cristianismo na história é muito óbvia para merecer debate. A civilização ocidental é o Cristianismo. O Cristianismo é a civilização ocidental.
Todas as tentativas desesperadas de afirmar que as conquistas, digamos, dos irmãos Wright ou dos astronautas da Apollo não tiveram maior valor do que a dos homens da Ilha de Páscoa desnudando sua ilha das árvores para a construção de grandes bonecos Tiki – o que acabou impedindo que as gerações seguintes pudessem deixar a ilha ou desenvolver suas habilidades de navegação para cruzar oceanos –, é uma comparação tão absurda que não há palavras para descrever.
A civilização não se constrói sem retrocessos pontuais, e certamente existem muitas coisas boas na vida primitiva que o homem civilizado perdeu, e muitos vícios inerentes que civilização não somente permite, mas inventa: o pensamento moderno simplesmente equaciona a civilização e sua ausência: com efeito, o pensamento moderno pode dizer que zero é igual a 1 com base na constatação de que 0 e 1 são, ambos, dígitos.
Sem essa moderna relutância de notar as estonteantes conquistas do Ocidente, a questão de se a civilização ocidental tem sido boa para a civilização seria uma questão muito óbvia para ser questionada.
As conquistas do Oriente são no mais grosseiro dos casos comparáveis aquelas do mundo clássico, e foram ultrapassadas sem dificuldades durante a chamada Idade das Trevas, que foi um dos períodos de mais rápido progresso científico e cultural da história, algo nunca visto até os anos da década 1950. Seria cansativo para mim simplesmente listar todas as invenções e avanços, do estribo de arreios até as fábricas e moinhos passando pela abolição da escravidão, desenvolvimento do método científico, sujeição dos reis ao poder parlamentar e, no final de tudo isto, o chamado período negro, a invenção da impressora.
As conquistas, tais como são, dos estudiosos do Oriente Médio foram todas tomadas do Império Romano cristão, que eles conquistaram e destruíram, enquanto caiam entre si em conflitos e guerras infindáveis. A única conquista verdadeiramente nativa foi a criação dos Haréns e da Dança do Ventre, o minarete e os gemidos das chamadas para prece, e a poesia de Omar Khayyam, em toda a sua sagacidade hedonista, cinismo e desespero.
Desespero é o que é achado fora da Cristandade.
Da melancolia de Omar Khayyan ao cínico pragmatismo de Confúcio, passando pelo misticismo infame de Lao Tzu e do Buda, não existe nenhum raio de esperança, e nenhuma certeza de felicidade humana. Os muçulmanos fervorosos do Jihad moderno estão amarrando bombas em seus próprios filhos, na esperança de explodir garotas judias que estão simplesmente brincando. Esses são atos de terrível desespero.
E o ateísta tem ainda menos que aqueles hereges, pagãos, e cultistas sanguinários. Ele nem mesmo tem um demônio a quem venerar. Ele se acha um animal sábio que, por acidente, aprendeu a falar e pensar, ou uma máquina feita de carne.
De tudo isso nós podemos ver a resposta á questão, tanto daquela que foi perguntada como daquela que estava implicitamente subentendida.
Se a religião como um todo tem sido boa para a humanidade é uma questão sem sentido, porque a religião é a parte principal do que significa ser humano, ergo é como perguntar se ser humano é bom para a humanidade.
A questão real é se a religião cristã tem sido boa para a civilização. A resposta é tão óbvia que poderia ser respondida por qualquer um que tenha mais que uma centelha mínima de aprendizado honesto sobre todas as misérias e desesperança da história.
Todas as outras civilizações fora da Cristandade são estagnadas por planejamento. A China Antiga, o Egito Antigo, a Índia Antiga, por definição, nunca mudariam. Mesmo a república de Roma mudou somente pelo crescimento de conquista, e este chegou ao fim depois que o governo tornou-se um império. Depois que os imperadores surgiram e tornaram-se divinos, as legiões foram usadas meramente para combater guerras e tumultos civis interiores. As leis de Roma proibiam que os filhos tivessem profissões distintas da dos seus pais, e nisso seguiram um caminho estagnante como o da Índia e seu sistema de castas, o Egito com sua teocracia engessada e a China com sua burocracia mandarim.
A ideia de progresso e mudança para melhor, a ideia de evolução para coisas elevadas e cada vez melhores, é uma ideia que não é encontrada fora da visão de mundo cristã.
A história fora da Cristandade é meramente uma sucessão de coisas amaldiçoadas, um fluxo de eventos desconexos, uma tragédia atrás da outra. A história dentro da Cristandade é uma estória, é uma marcha de progresso da escuridão pagã à lei e igualdade, á felicidade, e ao desenvolvimento técnico.
Contudo, uma resposta muito melhor à questão buscando saber se, em suma, a Cristandade é boa ou não para o homem pode ser encontrada no comentário logo abaixo, que apresentarei para fechar essa coluna e este debate:
O Venerável Beda (673-735 D.C.) registrou a história do Rei Eduíno da Nortúmbria (primeiro rei cristão da Nortúmbria) através de recitos tirados das mãos do próprio Bispo missionário Paulino de Iorque. O Rei Eduíno teria organizado na época da chegada do missionário romano Paulino de Iorque uma reunião de seu Conselho de Anciãos, que incluía seu grande sacerdote pagão Coifi, para debater sobre a sabedoria da conversão para essa nova fé.
Ao apresentar o Evangelho ao Bispo Paulino, um dos seus principais conselheiros responderam com a seguinte observação:
“Vossa Majestade, comparar a presente vida do homem na terra com aquela vida sobre a qual não temos conhecimento, seria a mesma coisa que comparar seus conselheiros e aristocratas das Thegns com a brusca mudança de direção no vôo de um falcão dentro deste salão de banquete onde Vossa Majestade está sentada para este jantar em um dia de inverno.
No centro existe uma fogueira aconchegante para aquecer o salão; do lado de fora, tempestades de chuva e ou neve estão ocorrendo. Esse falcão entra por uma dessas portas e sai rapidamente por outra. Enquanto está dentro, ele está seguro das tempestades; mas após um momento de conforto, ele desaparece da vista e volta para a tempestade de onde veio.
“Da mesma forma, o homem aparece na terra por algum tempo; mas o que ocorreu antes em sua vida, ou o que se seguirá, nós não sabemos. Portanto, se esse novo ensinamento lhe trouxer algum tipo de conhecimento certo, parece apenas incontestável que deveríamos segui-lo”.
RESPOSTA E COMENTÁRIOS FINAIS DE STEPHEN HICKS
Para avaliar o histórico da religião, é necessário especificar qual é o nosso referencial, e identificar se estamos avaliando a religião genericamente ou uma religião em particular.
Uma religião é um conjunto de crenças e práticas, e o meu principal referencial é o seguinte: ela promove ou impede uma vida saudável e feliz no mundo natural?
Todas as milhares de religiões são falsas, mas elas não são todas falsas da mesma forma ou no mesmo nível – de forma que os efeitos destrutivos de sua falsidade também variam.
Tópico 1: religiões amigas e inimigas da natureza
De forma imediata, temos que dividir as religiões entre aquelas que aceitam aquele referencial e aquelas que o rejeitam. Algumas pessoas religiosas acreditam essencialmente na bondade da vida humana no mundo, mas cometem um erro intelectual ao acreditar que o sobrenatural é causa e consequência disso. Outras essencialmente menosprezam a si mesmas e ao mundo, e a religião é utilizada para racionalizar tal posição.
É a diferença – para citar um exemplo – entre aqueles que acreditam, como o fez Benjamin Franklin, que a cerveja é a prova que Deus nos ama e que deseja que sejamos felizes – e aqueles que acreditam que o álcool é uma ferramenta demoníaca do Satã.
O primeiro celebra o mundo natural e seus prazeres, e acredita em um deus benevolente como causa – enquanto o segundo afasta-se do mundo natural por fraqueza e culpa, inventando um deus para reforçar sua negatividade. Ambos erroneamente declaram que um deus existe, mas os efeitos destrutivos das religiões mais pessimistas são muito maiores.
Tópico 2: o debate filosófico tripartite.
Mas nós também podemos falar de religião em geral, contrastando-a com sistemas de crença não religiosas em geral.
A religião é um tipo de filosofia, uma de três tipos básicos – naturalista, supranaturalista e niilista. Ambos oferecem respostas às grandes questões: qual é a natureza da realidade? O que é conhecimento? Qual é a natureza humana? O que é uma vida boa, do ponto de vista individual e/ou social?
Em linhas gerais, as três filosofias respondem da seguinte maneira:
O naturalista diz: o sentido da vida pode ser encontrado no mundo natural. O niilista diz: o mundo natural é vazio de significado. O religioso diz: o sentido da vida será encontrado no além-túmulo.
O naturalista diz: os seres humanos são animais racionais. O niilista diz: os seres humanos são meramente carne em movimento. O religioso diz: os seres humanos são carne com alma.
O naturalista diz: a ética diz respeito aos requisitos objetivos da vida natural. O niilista diz: a ética trata meramente de fantasias subjetivas. O religioso diz: a ética trata da obediência às fantasias subjetivas dos deuses.
O naturalista diz: o conhecimento é adquirido pela evidência e razão. O niilista diz: nós somos todos irracionais. O religioso diz: a razão é limitada ou sem sentido, de forma que deveríamos buscar revelações místicas ou acreditar na fé.
Essas três caracterizações definem os extremos, e muitas pessoas zelosas tentam mesclar suas crenças em formatos mais moderados. Se isso pode ser feito com êxito já é um tema para outro debate.
Mas um ponto central é que é sempre um erro polarizar o debate – por exemplo, como o meu colega Sr. Wright faz ao regularmente pedir-nos para escolher somente entre um modelo religioso-supranaturalista que acredita em algo e um modelo ateísta-niilista que não acredita em nada. Essa falsa dicotomia exclui totalmente um modelo ateísta-naturalista.
Em minha opinião, é mais proveitoso do ponto de vista intelectual colocar os naturalistas de um lado, e ambos os niilistas e as religiões supranaturalistas do outro.
O niilismo e a religião supranaturalista são intimamente ligadas. Ambas focam no mundo natural e veem degradação, conflito e vazio. A pessoa religiosa hesita neste ponto – mas deseja acreditar em algo positivo – e então se convence a acreditar no sobrenatural como refúgio e corretivo. Já que o niilista não pode se forçar a acreditar em contos de fadas religiosos – ele aceita, assim, a negatividade e a ausência de significado.
Note que ambos se opõem fundamentalmente aos naturalistas que afirmam o valor positivo do mundo e buscam entender e aprofundar o tema em seus próprios termos.
Tópico 3 – o papel da religião no desenvolvimento cognitivo do ser humano
A religião merece crédito por ajudar no desenvolvimento cognitivo do ser humano.
Nos estágios mais primitivos da vida humana, nós vivíamos o momento, em meio à selvageria. No entanto, desenvolvemos uma poderosa capacidade de ser guiados por princípios e visão de longo prazo em nosso pensamento e ação, e muitas religiões foram as primeiras tentativas de fazê-lo.
O desenvolvimento da medicina é um exemplo. Em tempos remotos, os humanos ficavam doentes, mas não entendiam o porquê e tampouco tentavam fazê-lo. Eles sofreriam e morreriam tal qual um animal sofre e morre.
Alguns humanos então tentaram entender. Eles descobriram a diferença entre saúde e doença. Eles passaram a acreditar que a saúde e a doença são efeitos de causas. Eles entenderam que os efeitos podem ser modificados ao influenciar as causas. Sim, eles frequentemente encontrariam a causa-chave no domínio do sobrenatural – a vontade dos deuses, supostamente influenciada por sacrifícios e orações – e embora fosse um erro, as teorias médico-religiosas são um avanço em comparação com o primitivismo, já que tentam entender o mundo de forma conceitual e em termos de princípios causais.
Mas assim como o progresso humano contínuo requeria a rejeição de teorias médico-religiosas primitivas, ele requer o desenvolvimento contínuo de teorias naturalistas em outras áreas de investigação – psicologia, ética, cosmologia, história, entre outras. A religião é um ponto intermediário entre o primitivismo e um padrão intelectual pleno necessário para uma vida humana plena.
Tópico 4 – a melhor religião de todos os tempos
A civilização contemporânea já alcançou muito no que diz respeito à realização daquele padrão intelectual. Nossa ciência e tecnologia são impressionantes, assim como nossa política, economia e filosofia (genuinamente) liberais.
Se as primeiras filosofias foram religiosas – ao mesmo o que parece ter acontecido na história humana – então a religião que mais colaborou para o desenvolvimento das filosofias naturalistas merece crédito por tê-lo feito.
A maior religião que já existiu, da mesma forma, foi a antiga religião grega, a qual abriu espaço cognitivo para a filosofia e ciência naturais. Por que – de milhares de culturas ao redor do mundo e dezenas de milhares de anos de vida humana – a filosofia começou e floresceu nas cidades-estado gregas ao redor de 600 a.C.?
Parte da história envolve a religião mundana grega, com seus muitos deuses e deusas com suas forças e fraquezas, objetivos e paixões mundanas. Os poderes dos deuses tornaram inteligível a ordem causal do mundo natural. Suas limitações tornaram possível para mortais questioná-los, evitando um culto acrítico. A sabedoria, a força e a beleza dos deuses deram aos humanos algo realista a que aspirar. Muito mais pode ser dito, mas a religião que de fato permitiu a existência da filosofia e da ciência merece muito crédito.
Muitas outras religiões, em contraste, merecem a culpa por colocar deuses que são misteriosos e incognoscíveis que demandam somente medo e covardia – e por suprimir consistentemente o questionamento e adicionar doses de culpa não merecida à psique humana.
Algumas palavras sobre a Cristandade são relevantes aqui, já que foi em uma Europa Ocidental que era, em sua maioria, cristã onde nasceu a civilização moderna. Uma das duas principais posições históricas argumenta que, ao contrário de todas as outras religiões, o cristianismo contém alguns elementos que podem apoiar uma cultura livre do ponto de vista científico e artístico, e que esses elementos culminaram na Renascença e na modernidade.
Uma segunda posição argumenta que o papel do cristianismo, em grande parte, foi de retardar a reintrodução das ideias greco-romanas. Os líderes da Cristandade tentaram muitas vezes esmagar o humanismo em seu início, mas o humanismo sucedeu em obter um lugar na cultura ocidental. Uma vez estabelecido, o humanismo domesticou os cristãos, que têm lutado uma batalha de retaguarda desde então, engajando-se em discussões a posteriori sobre a cultura humanística.
Minha visão é que a segunda posição é mais próxima da verdade, mas que existem elementos da primeira posição que são defensáveis. Uma característica destacada de algumas versões da teoria cristã, por exemplo, é o valor único e infinito de cada alma individual. Então, poder-se-ia argumentar que a raiz do individualismo eventualmente brotou no início na Renascença e floresceu no mundo moderno como o respeito pela individualidade.
Ao mesmo tempo, a crença no valor infinito do indivíduo imortal também apoia a influente doutrina agostiniana da tortura benevolente. Se a salvação eterna do indivíduo depende de se acreditar verdadeiramente, então qual é o problema de alguns dias de sofrimento corporal se ser torturado pode fazer com que descrentes abracem a verdade? O uso consistente da tortura oficialmente sancionada ao longo dos séculos é também parte do legado da Cristandade – e que absolutamente milita contra o respeito ao individualismo adotado pela Renascença e pela modernidade.
So the best reading of history — with many sub-arguments yet needing to be addressed — is that Christianity did let the cat out of the bag, so to speak, but from its perspective that was unfortunate and the development of modern civilization was an unintended consequence.
Então, a melhor leitura da história – com muitos tópicos que ainda têm que ser tratados – é que a Cristandade deixou a desejar, por assim dizer, apesar de que o desenvolvimento da civilização moderna tenha sido uma consequência não intencional dela.
Tópico 5 – o histórico do ateísmo
Enquanto o histórico da religião é misto, talvez seja, no geral, melhor que as alternativas. Meu colega de debate, Sr. Wright, caracteriza assim a questão: “As únicas sociedades abertamente ateístas na história eram socialistas ou nacional-socialistas, geridas por Lenin, Hitler, Stalin, Mao e Pol Pot e outros monstros atrozes na história”.
Definitivamente, eles foram monstros. Mas para ambas as variedades de socialismo, nacional e internacional, a história e a filosofia são mais complicadas.
Embora os comunistas fossem ateístas, os nazistas eram pró-Cristandade. Uma afirmação de cristandade genérica está na plataforma da fundação do Partido Nacional Socialista (veja o ponto 24). Goebbels identificou a Bíblia e o martírio de Jesus dentre as suas principais influências morais. Hitler frequentemente dizia que ele estava fazendo o trabalho do Senhor.
Ainda assim, ao tentar explicar os assassinatos em massa por parte de comunistas e nazistas, um ponto importante a destacar: para se fazer política de maneira correta, muitos princípios e práticas devem ser corretamente aplicados. Acreditar em deuses ou não é somente um aspecto do todo. Acreditar que humanos são, por natureza, bons ou maus é outra questão-chave. Acreditar que as pessoas são basicamente racionais ou irracionais é outra ainda. E acreditar que os humanos são primariamente indivíduos ou membros de coletivos é mais uma.
Os nazistas e os comunistas foram assassinos, mas não, em princípio, por razões religiosas ou não religiosas. Eles foram assassinos porque foram coletivistas, e o coletivismo pode ou não ser religioso. O coletivismo político traz consigo a disposição de usar e sacrificar indivíduos pelo bem do grupo. E se um indivíduo acredita que o coletivo está consubstanciado no Estado, então o Estado torna-se um objeto de culto e merecedor de sacrifícios.
As religiões coletivistas mataram muitos ao longo da história, enquanto muitas religiões coletivistas têm sido mais suscetíveis à adoção de políticas de tolerância ‘viva e deixe viver’. O mesmo se aplica aos sistemas não religiosos de crença.
Tópico 6: perspectivas para o futuro
O histórico de perseguição a artistas, cientistas e outros pensadores livres das áreas da economia, política e filosofia por parte de muitas religiões é terrível. Todas as religiões têm grandes manchas de imoralidade, e a decência humana requer que seus apologistas as reconheçam.
Contudo, mesmo hoje, no século XXI: na luta contra a AIDS, o papa cristão fala aos africanos para não usarem preservativos. Islamistas destroem artefatos históricos. Religiosos continuam a matar mulheres por crimes de bruxaria. Sem dúvida, ainda temos muito trabalho humanista a fazer.
Enquanto isso, os defensores de muitas religiões continuam a insistir que seus conflitosos textos sagrados são verdadeiros e que sua liderança é a melhor forma de autoridade.
Mas se realmente existe um Deus, ele poderia simplesmente aparecer e dizer: pessoal, aqui estou. Isto é o que eu quis dizer, e por isso que esta é a melhor política. Ele poderia até mesmo utilizar as mídias sociais para nos manter atualizados.
O silêncio dos deuses significa que a religião trata realmente de nossas esperanças e medos e da projeção de um sistema de crenças que lhe dê sustentação. O silencia também significa que estamos sozinhos – e é hora de assumirmos total responsabilidade, felizmente, pelo nosso destino. Sem muletas.
Eu digo felizmente, pois se não existem deuses, então isso significa que nós saímos das cavernas. As conquistas da civilização – nas artes e ciências, na tecnologia e filosofia – foram obras dos próprios seres humanos, e que, por conseguinte, merecemos o crédito.
Nós podemos ser muito bons, temos muito ainda a fazer, e temos um futuro aberto à exploração e criação.
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Publicado originalmente em Every Joe
Traduzido por Matheus Pacini
Revisado por Matheus Bernardino
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