Pergunta VI: a religião tem influência positiva ou negativa na política?

RESPOSTA DE JOHN C. WRIGHT

A questão dessa semana é se a religião é boa ou má para a política.

A forma como a questão é colocada é encantadoramente enganosa, semelhante a perguntar se a teoria econômica é boa ou má para a política, sem se preocupar em distinguir entre a teoria econômica do livre mercado – que produziu a revolução industrial – versus a teoria econômica stalinista-marxista – que produziu a fome na Ucrânia, os gulags, e o medo constante e a carnificina da Guerra Fria.

A política é o estudo de como organizar as leis e os costumes do Estado de forma a preservar o bem comum, manter a ordem social, deter o crime e vencer guerras, promover a virtude entre os cidadãos e os temas de debate.

Ao ler a literatura antiga e moderna sobre o tema, um indivíduo logo percebe que todos os escritores, de Platão a Marx e mais além, consideram que o único mecanismo de controle político é a abolição da liberdade, com uma evidente exceção.

Essa exceção é tão óbvia que apenas um intelectual seria capaz de tramar algum modo de ignorá-la.

Somente em reinos e comunidades cristãos o estudo de como organizar o Estado para alcançar o bem comum e promover a virtude pode estar subordinado a como preservar a liberdade. Isso é o que a política verdadeiramente é, e tudo o que pode ser.

Somente em reinos e comunidades cristãos existe uma razão lógica para restringir o poder do rei ou da república através de dispositivos legais, e para editar decretos sobre algumas questões de consciência que estão além do poder secular.

Um indivíduo que não acredita no sobrenatural não pode acreditar em nenhuma lei acima da lei dos homens.

Ele não pode criticar as leis raciais da Alemanha nazista, nem as leis de propriedade da Rússia socialista e tampouco as leis criminais da China maoísta com base em nada além do sentimento pessoal, ou um apelo insípido à utilidade de várias ações humanas para fins não compartilhados por esses tiranos sanguinários.

Ausente a referência à uma autoridade sobrenatural, da qual a autoridade humana adquire qualquer legitimidade que vier a possuir, não existe nenhuma outra forma de discutir política exceto por relações de poder – ou seja, quem faz o quê contra quem e consegue se livrar. Apelos à eficiência são completamente inadequados aqui. Os socialistas da Alemanha, Rússia e China eram deploravelmente eficientes.

Em nenhuma outra visão de mundo existe uma razão lógica para se respeitar um homem que pensa as coisas erradas, chega a conclusões equivocadas, desvia outras pessoas do caminho, pois, em nenhuma outra visão de mundo, a liberdade de consciência é sagrada e sacrossanta mesmo quando se está fazendo o mal. Um cristão temente à Deus, mesmo se pudesse, não removeria a liberdade de um homem por mais que este quisesse se amaldiçoar no inferno, pois seu Deus não removeu tal liberdade, nem mesmo a de Adão.

A questão de se a religião é boa ou má para a política, como colocada no título, não tem sentido. Não existe política propriamente dita fora da cristandade. E a razão para essa surpreendente afirmação é que não existe tal coisa como religião, propriamente dita.

O que existe, então, se não existe religião? É muito simples meramente dividir as questões entre pagãs, cristãs e pós-cristãs. Devemos ter uma visão mais flexível e abrangente:

(1) Existe o paganismo pré-cristão; (2) existe uma cristandade católica, a qual separa o poder espiritual do secular; (3) existe o judaísmo, o qual separa a tribo sacerdotal de Aarão da linhagem real de David; (4) existem várias formas de heresias e distorções do catolicismo que desfazem a separação católica dos poderes espiritual e secular, do anglicanismo inglês ao califado de Mohammed; (5) existe a corrupção chamada laicismo que começa por saudável respeito por todas as denominações, passando pelo comunismo sádico, o masoquismo do misticismo da Nova Era ou neopaganismo, e acaba no niilismo doentio. (6) O niilismo é um estágio final do qual não existe recuperação.

Note que a ‘política’ como um estudo separado da ‘religião’ pode existir somente na condição (2), no catolicismo, em que os poderes espiritual e temporal existem em esferas separadas.

Nenhuma sociedade na face da Terra ou no vasto abismo da história tolerou credos ou rituais diferentes, exceto esta que é ou que foi recentemente cristã.

Da mesma forma, a antropologia não existe fora da visão de mundo cristã, nem o respeito por ancestrais pagãos, e muito menos o desejo de preservar crenças que um indivíduo considera erradas. É típico do Islã dinamitar estátuas budistas, e inevitável para esquerdistas obliterar e reescrever a história, mas não é normal o bispo espanhol Diego de Landa queimar o Popol Vuh. (Realmente, não há outro exemplo similar na história cristã).

A razão para tal é simples: ninguém, exceto um cristão, tem uma razão lógica para respeitar o livre-arbítrio de outros homens, e ninguém mais considera a livre escolha de amar a Deus como sacrossanto, mesmo quando a escolha é recusar tal amor e abraçar o inferno.

Os pagãos acreditam em destino, em forças além mesmo do controle dos deuses, e os pós-cristãos acreditam que os homens não são diferentes dos animais, guiados pelo instinto, ou não diferentes de máquinas feitas de carne, realizando operações naturais sem escolha e dignidade.

Não existe tal coisa chamada “religião”. Existe, de um lado, a fé cristã; do outro, o estado natural da humanidade, o qual se alimenta do medo pagão de um mundo espiritual implacável, todavia excêntrico, e um culto pagão à força que adorna tiranos com honras divinas, de César ao Faraó, do Brâmane da Índia ao imperador da China.

A única coisa na história humana que serve de bastião direto e veemente contra essa veneração temerosa aos tiranos tanto deste, quanto do outro mundo, é a fé de Abraão.

Buda rejeita o mundo como uma ilusão maligna, meramente fonte de sofrimento; Lao Tzu desconsidera a questão como irrespondível; Confúcio, como impraticável. (Estes homens, deve-se notar, são sábios ou filósofos. Eles não são os profetas ou promotores de uma religião, e as práticas de culto que surgiram em seus nomes são, nada mais nada menos, que honras divinas que os pagãos costumam pagar a qualquer grande homem ou grande filósofo. Eles são os irmãos de Platão e Pitágoras, não de Moisés e Elias).

Os gregos pensavam que o mundo tinha surgido do caos; os nórdicos, do vazio profundo do Ginungagape. O ateísta moderno, por sua vez, pensa que o mundo surgiu do Big Bang e do advento inexplicável da vida da não vida, e a vida inteligente da vida não inteligente. Em todas essas visões de mundo, a alma de um homem é um acidente, um subproduto, e os deuses ou não existem, ou são brinquedos malignos de um destino mortal. Ninguém está de fato no comando do universo. Os sábios chineses são muito sábios e lógicos para se preocuparem com as origens do cosmos, dado que questionam, de forma muito sábia, quem poderia estar presente para testemunhar tal coisa? Nisso eles concordam com os filósofos gregos em desconsiderar as crenças do folclore popular. Os hindus, em uma situação mais desesperadora, defendem que todo o sofrimento das incontáveis eras do universo não tem nem início, nem fim: a vida é um purgatório sem um ponto final de purificação (purgação). Existe uma punição cármica para o pecado, mas não perdão. Isto é indistinguível do inferno. A posição budista, em rebelião contra isso, é ainda mais desesperadora, por ela prometer um fim à roda gigante de sofrimento em um tipo de iluminação indistinguível da obliteração.

Considere, por exemplo, o asteca que sacrificou centenas de almas humanas nas pirâmides ensopadas de sangue de forma que o sol não sofresse um eclipse. Viver em um mundo no qual você acredita que suas observâncias rituais são tudo o que impede a terrível obliteração do mundo livre seria tão obscuro e sem esperança como… como… o mundo no qual vive o ativista ambiental comum.

O desespero do Buda é refletido nos escritos dos gnósticos e no pedido de Sócrates, em seu leito de morte, que um pássaro fosse sacrificado a Esculápio, como se morrer significasse ser curado da condição material humana. Muitos pagãos acreditam na reencarnação ou na elevação a um estado desencarnado, ou numa reunificação com a alma mundana. Os cristãos ensinam que o indivíduo sobrevive à morte e será reencarnado em um corpo glorificado no fim da história humana (a qual é o início da história real, quando a diversão realmente começa) em um novo paraíso e uma nova terra, purificada de todos os pecados.

Somente nos escritos de Moises o mundo é exposto claramente como obra de um criador beneficente, e o mundo material, como claramente bom. O paganismo é surpreendentemente severo e incorrigível. E, num mundo sem esperança, onde nada é claramente bom, não há razão para reconhecer a liberdade de homens tolos como sacrossanta, direito que nem mesmo o rei tinha coragem de contestar. Os deuses pagãos são venerados porque são mais poderosos que os homens, não moralmente superiores. Júpiter é um parricida e estuprador, e Brahma destrói o universo em um ato de genocídio cósmico a cada volta da grande roda do tempo ao abrir seus olhos, iniciando e terminando o sonho sem sentido da existência. O comportamento dos deuses dos astecas é muito vil para ser exposto em público.

A moderna rejeição ao Cristianismo é meramente um retorno ao desespero pagão e ao culto do poder, ao mesmo tempo em que retêm as noções cristãs de igualdade entre os homens, e a compaixão pelos pobres.

Infelizmente, ausente a figura de Deus, não existe razão lógica para acreditar na igualdade do homem ou na compaixão pelos pobres. E, certamente, quando o moderno ateísta adquire poder secular, a história mostra que a lógica do ateísmo é a mesma do paganismo.

A adoração de cadáveres e imagens de líderes comunistas na Rússia ou no Extremo Oriente difere da adoração de semideuses e heróis fundadores de impérios pagãos somente em uma sutileza metafísica que rejeita o supernaturalismo. Existem deuses naturalistas e seculares. A crença marxista na evolução inelutável da história em direção a uma utopia socialista difere da crença budista no alcance do nirvana somente em suas armadilhas metafísicas. Uma envolve a evolução; a outra, a metempsicose.

Existem, sem dúvida, não cristãos e pagãos que falam da dignidade do homem e da natureza sagrada do livre-arbítrio. Basta apenas verificar os autos da história para ver que seus discursos não merecem credibilidade. Eles são semelhantes à garantia da livre prática da religião encontrada nas constituições escritas de estados socialistas na Ásia ou estados semisocialistas na Europa.

Em primeiro momento, no paganismo (estado pagão), o César ou Faraó ou ‘Filho de Deus’ é tanto o objeto próprio de culto quanto uma fonte de ordem social divinamente ordenada. Os escravos estão na base da pirâmide social, pois essa é a vontade destes deuses, e os governantes são os Bramas e os filhos dos semideuses e heróis da cultura que são menos pecadores que seus inferiores. Ajudar os pobres intocáveis é blasfêmia, pois os deuses haviam ordenado sua pobreza. Eles não são a imagem e a semelhança do Deus, tampouco qualquer Cristo caminha entre eles. Os sábios e sacerdotes pagãos são encontrados em palácios, não manjedouras, e certamente não em cruzes.

Da mesma forma, certo estudo da política somente é possível, ao menos por um tempo, na primeira e saudável fase do estágio final de corrupção, no qual o poder secular é proibido de interferir na autoridade espiritual de várias denominações vivendo em um estado cultural (mas não legalmente) cristão. Isso é basicamente como aportar no vazio, ou seja, viver com os axiomas morais de uma visão de mundo cristã sem qualquer forma lógica para articular por que tais axiomas são verdadeiros ou por que deveriam ser seguidos.

No quarto estado, a Igreja Estabelecida é um órgão do poder estatal, com os resultados vistos durante o reinado de Henrique VIII, a Rainha Elizabeth, Bloody Mary e assim por diante. Meu ponto aqui é que em todos os estados fora da cristandade, o estudo da política é o estudo da religião, pois o legislador é também o bispo, e o chefe do estado também é o chefe da Igreja.

No quinto estado, o estado laico, o estado poderia em primeiro momento permitir ou mesmo encorajar uma forma não confessional de Cristandade, ou uma forma de deísmo judaico-cristão vagamente honrando o Ser Supremo.

Mas é a natureza do poder expandir-se. Onde não existe o universal, isto é, a Igreja Católica e internacional para contrabalançar o poder nacional e imperial, esse poder se expande. Mesmo em comunidades iluminadas como Inglaterra ou Estados Unidos, os membros de denominações impopulares terão direito ao culto que preferirem enquanto as premissas de consenso da sociedade como um todo forem cristãs, e por isso o respeito com louvor ao poder terrível do livre-arbítrio para escolher livremente amar Cristo ou odiá-lo.

Se aquele padrão for, em algum momento, derrubado, os resultados serão ou lentos e terríveis, ou rápidos e terríveis. Um exemplo rápido é o Terror na França, ou os grandes e longos terrores na Rússia e China depois que suas revoluções laicas tentaram eliminar a Cristandade por completo. Um exemplo do terror mais lento e mais insidioso é a geração atual na Europa e nos Estados Unidos, em que certos pensamentos e ideias podem ser decretados por vozes anônimas como sendo inapropriados, além do pálido, desagradável ou politicamente incorreto. A pressão social está atualmente sendo direcionada contra o livre exercício da religião nesta geração pós-cristã e pós-nacional, mas os sinais de intolerância e ódio por todas as denominações cristãs, mais especificamente pelos católicos, são claros o bastante para quem quiser ver.

Quase não vale a pena discutir o impacto do Cristianismo na política com aqueles que se recusam a ler a história e admitir as relações causais nela existentes. É praticamente desconhecido àqueles educados nas escolas públicas modernas que a escravidão foi banida da Europa durante a chamada Idade Média, assim chamada pelos escritores protestantes que desejam difamar seus avós católicos, esperando, por alguma razão, atribuir todo o progresso e iluminação a eles mesmos, e não às gerações anteriores que fizeram todo trabalho de progresso e iluminação.

A noção de Estado de Direito não é encontrada em nenhum lugar fora da Cristandade e, tampouco, faz sentido fora da Cristandade. A particular visão cristã defende que todos os homens são pecadores, mesmo o mais importante e nobre rei, o mais sábio pensador e filósofo, ou o herói mais corajoso. A visão cristã original defende que todo homem é merecedor da salvação, até mesmo o escravo. Não pode nunca haver uma casta de intocáveis em uma comunidade cristã, tampouco pode haver uma classe de pessoas, como os kulaks ou os capitalistas, condenados à exterminação.

Nenhum sultão do Oriente, nenhum imperador do Oriente ou do Novo Mundo jamais caminhou descalço na neve em penitência por haver injustamente destruído uma cidade. Nenhum pós-cristão pode imaginar o adorado líder político do seu partido sequer sendo criticado pela imprensa, muito menos caminhando para Canossa, como o santo imperador romano Henrique IV o fez. A ideia do poder imperial sendo, ele mesmo, submisso ao poder espiritual independentemente do seu cetro é inimaginável fora da Cristandade.

Não existe abolição da escravidão fora da Cristandade, nem mesmo qualquer discussão de tal noção, exceto entre aqueles que a derivam de raízes cristãs. E onde existem cristãos, existem sempre abolicionistas, mesmo nos tempos de São João Crisóstomo, que viveu e ensinou no século IV. A escravidão teve sua grande renascença na Europa da Espanha Muçulmana, que viciou os espanhóis naquela prática, e outros grandes poderes durante a Idade da Descoberta que a copiaram.

Não existe nenhum conflito em prol dos direitos civis, exceto nas mãos de homens da estirpe de Martin Luther King. Quando agnósticos e ateístas tomam a frente do movimento, ele se torna um mecanismo meramente voltado ao aumento do poder estatal para viciar os pobres incautos em um estado de bem-estar infinitamente expansivo.

E assim por diante. Fora da visão cristã de mundo, não existe algo como a política, já que não existe política se não existe religião. Fora da visão cristã de mundo, os poderes secular e espiritual são, e sempre têm sido, uma única coisa, pois não existe razão lógica imaginável dentro de uma filosofia não cristã que as separe. Não existe razão lógica imaginável dentro de uma filosofia não cristã para respeitar a estupidez, as escolhas erradas, os hereges, os pobres e mesmo os desamparados. Somente se o homem for sagrado é que sua livre escolha será sacrossanta. Somente se o desejo do homem é sacrossanto, a liberdade de consciência vai além mesmo do poder de um rei ou imperador terreno.

O ateísta não pode nem argumentar em prol da liberdade de escolha, nem chamar nada de sacrossanto.

RESPOSTA DE STEPHEN HICKS

Vivemos em bons tempos para a religião e a política. A grande maioria de nós é livre para praticar ou não a religião, da forma que bem entender. Isso é raro na história humana, já que muitos políticos têm o costume de utilizar a religião como ferramenta política; e os líderes religiosos, por sua vez, têm sempre tentado empregar a política para propósitos religiosos.  

Minha suposição neste artigo é que algum tipo de republicanismo-liberal-democrático é a melhor política. Então, nossa questão é: a religião promove ou prejudica tal sistema?

É comum em debates deste tipo que os ateístas citem a longa história de fanatismo, tortura e guerra como subprodutos da religião, enquanto que os teístas respondem que tais males são aberrações e que as religiões por eles proferidas, se corretamente interpretadas, são inocentes dessas acusações.

Então: a má política é produto da religião?

Pessoas livres têm duas necessidades básicas. Uma delas é cognitiva: precisam ser racionais, independentes, e seguras de seu pensamento para serem capazes de administrar suas próprias vidas de forma responsável. A outra é existencial: precisam ser capazes de agir por seu próprio julgamento, sendo responsáveis, para o bem ou para o mal, pelos resultados de suas ações.

Em contrapartida, a injunção fundamental das principais religiões ocidentais é “tema a Deus e obedeça aos seus mandamentos”, como dita em Eclesiástico 12:13. Ambos o Judaísmo, o Cristianismo e o Islamismo trabalham sob essa premissa. Na sua própria fundação, portanto, essas religiões são calcadas em mandamentos de uma autoridade superior, bem como na obediência baseada no medo na psicologia de seus crentes.

O grande perigo da política é o seu recurso à coerção. O grande perigo da religião é sua racionalização da coerção. Qualquer sistema de crença que premia primeiro a obediência a mandamentos está perfeitamente de acordo com a política de coerção.

É claro, muitos pensadores políticos, religiosos ou não, argumentarão que as pessoas são muito estúpidas ou muito depravadas para viver livremente, de forma que necessitam ser controladas. Ainda assim, outros princípios das principais religiões ocidentais são estranhos a uma sociedade livre.

Do ponto de vista cognitivo, as principais religiões colocam a revelação mística e a acima da investigação empírica e pensamento lógico. A pretensão de revelação divina e fé demanda-nos que subordinemos nosso julgamento independente àquele dos outros – a saber, aqueles que afirmam ter recebido tais revelações e que demandam nossa fé. Ao longo da história, regimes autoritários constataram que pessoas com inclinação religiosa são politicamente maleáveis.

Do ponto de vista moral, as principais religiões minam o sentido individual de autoestima ao asseverar sua pecaminosidade, fraqueza e depravação. Aqueles que duvidam de seu próprio valor provavelmente não defenderão seus direitos e, muito menos, lutarão pelos seus próprios interesses e felicidade.

Ademais, as principais religiões enfatizam um mundo sobrenatural além deste, e desvalorizam o mundo natural. Na sua forma mais pura, elas pregam o sacrifício e a renúncia – pobreza, celibato e autoflagelo. Textos e sermões religiosos demandam regularmente que uma pessoa “não ame o mundo material”, que se sinta culpada pelo sexo antes do casamento, que veja o amor pelo dinheiro como algo mau, e que sentir qualquer coisa além de humildade abjeta é egoísmo satânico.

Tal metafísica do outro mundo combinada com antinaturalismo ético têm implicações políticas: os crentes não demandarão a liberdade para buscar a felicidade nesta vida. Ao minar a impetuosidade das pessoas no seu comprometimento com a boa vida nesse mundo, as religiões novamente tornam as pessoas mais facilmente controláveis do ponto de vista político.

Adicionalmente, o coletivismo de grande parte da religião tradicional milita ativamente contra o individualismo da democracia liberal. Note que a doutrina do Pecado Original é completamente coletivista – todos nós somos responsáveis pelos pecados da humanidade. Outros elementos do coletivismo são proeminentes: todos nós somos chamados a adorar a Deus precisamente da mesma forma. E, em muitas versões, não chegamos a Deus de forma individual, mas a Ele nos uniremos somente como parte da humanidade ou como um grupo seleto escolhido por suas virtudes. Portanto, o seu pecado torna-se uma ameaça à minha salvação – o seu desvio de conduta torna-se uma ameaça – e a sua afirmação de individualidade reduz nossa salvação coletiva. Consequentemente, nós nos sentimos não somente autorizados, mas moralmente impelidos a interferir em seu estilo de vida. A tolerância é estranha a tal mentalidade religiosa.

Não existe forma de se obter liberalismo político de mentes religiosas baseadas na obediência, submissão, misticismo, fé, pecado, coletivismo, e outras coisas de outro mundo. Ao invés disso, o produto delas é exatamente o que tem ocorrido na história em tempos e lugares nos quais tais doutrinas dominaram – várias combinações de ditaduras e comunalismos.

Aqui, a análise histórica de meu companheiro de debate, John Wright, é patentemente errada. No primeiro milênio de sua existência, a Cristandade praticou dois modelos básicos de política. Uma era patentemente autoritária – a liderança cristã funcionou com césares, reis e várias hierarquias feudais em que todo mundo supostamente deveria saber seu lugar. As minorias religiosas foram suprimidas, e os hereges foram perseguidos.

Também durante aquele milênio, muitos cristãos abandonariam a sociedade em geral e criariam suas próprias comunidades dedicadas a viver puramente de acordo com os seus preceitos – monastérios, conventos e assim por diante. Invariavelmente, eles se organizaram em pequenas sociedades comunais: não existia propriedade privada, todos trabalhavam, comiam, rezavam e, muitas vezes, dormiam em locais comuns – tudo isso obedecendo a uma autoridade superior manifestada na Igreja. O comunalismo autoritário é praticamente o exato oposto da democracia liberal.

Em um milênio de história, o Cristianismo tinha dominação praticamente completa sobre a vida intelectual e cultural da Europa.

Ainda assim, no início da era moderna, ocorreu uma transformação na política europeia. Algumas repúblicas e democracias emergiram, e houve a reintrodução do individualismo liberal. Para dar crédito ao Cristianismo por tal fenômeno, eu teria que supor que sua liderança repentinamente admitiu a si própria: creio que temos interpretado o cristianismo de forma equivocada por mais de um milênio. Ou poderíamos dizer, de forma mais precisa, que a redescoberta de modelos políticos greco-romanos (e talvez germânicos) clássicos convenceu os pensadores humanistas da Renascença, que começaram a reexperimentar as ideias políticas e econômicas liberais.

Contra a ascensão do humanismo, as principais vozes cristãs lutaram uma batalha de retaguarda. A Igreja Católica era uma instituição reacionária do conservantismo, lutando para manter seu status. Os principais reformadores protestantes tais como Martin Luther e John Calvin eram politicamente autoritários.

O moderno republicanismo-liberal-democrático finalmente emergiu vitorioso das batalhas centenárias desde a Renascença, mas tal fato pouco se explica por fatores internos à religião. A selvageria faccionária da Reforma e da Contrarreforma – católicos contra protestantes, protestantes contra protestantes, todos contra judeus – levou à morte e à miséria generalizadas.

O que acabou com a tortura e a carnificina não foi uma posição religiosa de princípios. Em vez disso, foi uma realização prudente de que o fanatismo era insustentável. O princípio da tolerância foi provido pelos humanistas da Renascença e do Iluminismo que argumentaram que a vida e a alma de cada indivíduo eram de sua responsabilidade, cabendo a outrem respeitar o julgamento individual sobre como melhor exercê-las. Este princípio foi relutantemente aceito por religiosos fervorosos e, se não o fosse, ter-lhe-ia sido imposto pelo princípio humanistamente inspirado pela separação entre religião e política.

Uma vez que aqueles modernos princípios humanistas de direitos individuais à vida, liberdade, propriedade, tolerância, e busca da felicidade entraram em vigor, foram estendidos à eliminação da escravidão e do status subordinado das mulheres. (Até onde sei, não existe uma única passagem nas Escrituras em oposição clara à escravidão, ou contra o tratamento subalterno das mulheres na sociedade ou como algum tipo de propriedade).

O ponto é que os princípios fundamentais e mais estimados das grandes religiões ocidentais têm consistente e precisamente sido usados por líderes religiosos para propósitos políticos autoritários. E têm sido usados por políticos, religiosos ou não, que os têm considerado ferramentas úteis para assegurar o controle autoritário.

A obediência a Deus é facilmente transformada em obediência aos representantes de Deus na Terra. Incentivos de uma vida após a morte são úteis em fazer as pessoas aceitarem sua situação na vida – ou em fazê-las sacrificarem-se para obter as recompensas sobrenaturais. Acusações de pecado ou demandas de humildade são úteis por tornarem-nas defensivas e submissas.

O sobrenatural do outro mundo, a fé mística, a culpa coletiva, e o culto ao autossacrifício são o centro e os princípios-chave das principais religiões do Ocidente. Renuncie a tais princípios, e você pode ter uma sociedade moderna livre. Ao renunciá-los, todavia, você terá também renunciado à religião.

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Publicado originalmente em Every Joe

Traduzido por Matheus Pacini

Revisado por Matheus Bernardino

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