O México precisa de Ayn Rand

“É UM PECADO ESCREVER ISTO. É um pecado pensar usando palavras que mais ninguém usa e colocá-las num papel que mais ninguém verá. É sórdido e malévolo. É como se falássemos sozinhos, para nenhum outro ouvido exceto o nosso. E bem sabemos que não existe transgressão mais grave do que fazer ou pensar algo por si sós. Nós violamos leis. As leis dizem que os homens não podem escrever, exceto se o Conselho de Vocações solicitar que o façam. Que sejamos perdoados!”

E é assim que começa Cântico, de Ayn Rand. Um dos romances que, transladado ao presente, apresenta vários aspectos similares aos encontrados em países que começam a viver sob a “Grande Verdade”, isto é, sob o que é chamado (no romance) de “O Grande Renascimento”. Ou melhor, no caso do México, “A Quarta Revolução”[1].

Cântico também reflete uma realidade vivida por muitos: a de buscar ser alguém melhor, de tentar ser o melhor no que faz, de conquistar e pensar em si mesmo e, ainda assim, ser taxado de forma depreciativa — sabe-tudo, arrogante, opressor, exibido, burguês, otário, etc. Dessa forma, os medíocres tentam fazer você se envergonhar por ser diferente deles e ter interesses diferentes do que alguns definem como “moralmente correto”.

 “Este é um pecado muito maior, nascer espertos demais. Não é bom ser diferente de nossos irmãos, mas é maligno ser superior a eles. Os Professores nos diziam isso e franziam as sobrancelhas quando olhavam para nós.”

Pensei: “O que aconteceria se os que acreditam que é errado ser diferente ou ser melhor do que os outros tivessem o poder de punir (os diferentes e/ou bons no que fazem)? O que aconteceria se aqueles que se sentem ofendidos por quem é mais inteligente ou possui um conhecimento mais amplo (ou, pelo menos, o desejo de tê-lo) pudessem por lei proibi-los de desenvolver suas habilidades ou explorá-las ao máximo para atingir seus objetivos?

A resposta pode ser encontrada em regimes totalitários, onde o poder das massas, por mais irracional que seja, pode passar por cima da razão e até mesmo da ética individual, apenas por compor “maioria”. E é assim que Rand nos mostra, através da ficção, o que ocorre quando esses problemas (punir o diferente, rebaixar o excelente ao nível do medíocre) se tornam parte de um discurso de ódio que busca punir e controlar qualquer sinal de desenvolvimento pessoal. Mas é ainda pior quando as massas tem o poder de fazer leis com esse objetivo — o da igualdade — e, por intermédio do Estado e seu monopólio da “violência legítima”, podem punir quem ousar atrapalhar a sua “fórmula secreta do sucesso”.

O personagem Igualdade 7-2521 é a imagem dos “mais ligados” entre nós, ou seja, aqueles que buscam sempre respostas para cada vez mais perguntas e querem dar sequência em suas pesquisas, mas que são desprezados pela sua competitividade intelectual, algo que, para a sociedade não-civilizada, era quase um pecado capital. “Como que você consegue acreditar em si mesmo mais do que os outros?”, “Por que você sempre quer estar certo?”, “Você acha que sabe tudo?”, “Por que você é tão arrogante?” E uma infinidade de rótulos usados para criticar Igualdade.

 “Os Professores eram justos, pois foram designados pelo Conselho, e o Conselho representam a voz de toda a justiça e de todos os homens.”

Aqui me lembro dos muitos professores que tive na vida, aqueles professores dotados de autoridade outorgada pelo poder do Estado, que assume e oferece o serviço mais importante da sociedade: a educação. Essa educação deveria servir para o benefício do conhecimento individual dos que fazem parte do sistema educacional, porém acaba sendo tomada pela doutrinação. Então, como questioná-los? Como questionar seus métodos e suas relações? Como ousar acreditar que podem estar errados já que supostamente não estão lá por capricho ou competição: estão ali pelo maior poder visto anteriormente, pela “bondade e amor”, representados no Conselho dos Eruditos — o conselho dos incorrompíveis, da moralidade correta, dos detentores da única ética verdadeira — e, resumindo, como duvidar da capacidade dos escolhidos pelos líderes responsáveis pelo “Grande Renascimento”?

Nesse ponto, cheguei até a me confundir um pouco. Não sabia se estava escrevendo sobre o romance ou sobre o que no México chamamos de “A Quarta Revolução”. A cultura no México tem sido autoritária, vertical. Não me surpreende, portanto, as atitudes de Andrés Manuel López Obrador e seu governo que impuseram suas decisões, ou seja, sua “Grande Verdade” via humilhação e enfraquecimento dos outros poderes constitucionais. Mas outro tipo de autoritarismo está chegando, previsto em Cântico, que é o autoritarismo do desperdício e  arrogância, da imposição cega e antieconômica, da corrupção em suposto benefício dos desprovidos e do populismo arrogante e doutrinário que multiplica a pobreza.

Parece mentira pensar que a esquerda, o estatismo, a centralização e seus agentes ficaram anos difundindo no México a ideia de uma Verdade Única, e que o possuidor desse grande segredo social é Andrés Manuel López Obrador. Mas é verdade. E hoje sofremos as consequências. Para eles, López Obrador abençoa, perdoa e representa para o povo aquela equipe de sábios, sem interesses maiores do que o bem-estar social e sem qualquer chance de corrupção. Esses trocam a coerência e a razão individual pelas maravilhas e a magia do coletivismo.

Isso é realidade no México? Sim, é tão real quanto os que me dizem “não faça”, “não estude”, “não viaje”, “não pesquise”, “não questione”. Mas por quê? Não sei, mas parece “lógico” que não se deve fazer essas coisas. Assim, a tributação estatal e a tirania personalista seguem firmes no México. A punição aos ricos para “beneficiar” os pobres também é algo real. Minha pergunta é: o que esperar disso? O que esperar senão uma rebelião desenfreada contra o desejo de ser livre? Não se surpreenda com o que pode acontecer.

“Enquanto estou aqui, diante da porta da glória, olho para trás pela última vez. Olho para a história do homem que aprendi com os livros e fico imaginando. Foi uma história longa e o espírito que a moveu foi o espírito da liberdade humana. O que é liberdade? Liberdade de quê? Não há nada capaz de tirar a liberdade de um homem exceto outro homem. Para ser livre um homem deve ser livre de seus irmãos. Isso é liberdade. Isso e nada mais.”

Não consigo descrever o arrepio que sinto as ler essas palavras. Percebo que quero defender minha liberdade, quero viver para ser livre. Não quero essa “Grande Verdade”, não quero um “Grande Renascimento” muito menos uma “Quarta Revolução”. Quero apenas poder dizer que sou livre, quero fazer meus próprios planos de vida na busca de meu aperfeiçoamento individual. Quero somente dar, de uma maneira pessoal, individual, sentido à minha felicidade.

Apenas:

“Aqui, nesta montanha – meus filhos e eu, os amigos que escolhi – construiremos uma nova terra e nosso Forte. Ele será como o coração da terra, primeiro perdido e escondido, mas batendo, batendo mais alto a cada dia. Cada palavra dele ressoará em cada canto da terra. Os caminhos da terra serão como veias que carregarão o que há de melhor no sangue do mundo até a aqui. Todos os meus irmãos e os Conselhos dos meus irmãos ouvirão sobre isso, mas serão impotentes contra mim. Chegará o dia em que eu romperei com todos os grilhões da terra e farei desaparecer as cidades daqueles que estão escravizados. Minha casa se tornará a capital do mundo, onde todos os homens serão livres para existir para si próprios. Para que esse dia chegue eu lutarei e também meus filhos e amigos escolhidos. Pela liberdade do Homem. Pelos seus direitos. Pela sua vida. Pela sua honra.”

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Publicado originalmente em Disidencia.

Traduzido por Gabriel Poersch.

Revisado por Matheus Pacini.

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[1] Andrés Manuel López Obrador, atual presidente do México, chegou ao poder sob a promessa de uma “Quarta Revolução”. A promessa é recheada de políticas intervencionistas com o objetivo de aumentar a “igualdade” no país.

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