O falsificador federal

Suponha que você queira administrar uma empresa da forma correta (sabemos que isso é uma ficção, mas tenha paciência). Sua empresa possui um equipamento de US$ 1 milhão que tem de ser substituído após dez anos. Você precisa poupar US$ 100 mil por ano para ter US$ 1 milhão em dez anos e substituí-lo. Existe uma palavra já não mais usada que descreve essa conta. Da Wikipédia:

“Um custo irrecuperável (do inglês sunk cost) é um fundo estabelecido por uma empresa que reserva parte da receita por um determinado período para financiar uma despesa de capital futura ou pagar uma dívida de longo prazo.”

Não importa se você pediu dinheiro emprestado ou investiu capital próprio para adquirir o equipamento: o princípio é o mesmo. A menos que seu negócio esteja falido, é fundamental substituir seus ativos quando eles se desgastam.

O dinheiro para adquirir um equipamento, substituindo o antigo, não cai do céu: deve ser acumulado ao longo de sua vida útil.

Note que, mesmo que você tenha financiado o equipamento através de um empréstimo, você ainda precisa separar US$ 100 mil/ano + valor de juros e principal, e isso só para pagar o empréstimo.

O Federal Reserve não é apenas um falsificador, mas também promove os falsificadores. As empresas acumulam dívidas, o que significa que, em vez de pagar empréstimos quando seus ativos estão se esgotando, precisam fazer empréstimos adicionais. Dois ingredientes são necessários para que elas possam fazer isso, ambos são fornecidos pelo FED.

O primeiro é a redução da taxa de juros. Com uma taxa mais baixa, uma empresa pode pagar mais dívidas – não estamos falando de pagar o principal, apenas os juros. Se ela cair o suficiente, a empresa poderá pagar a dívida para financiar os ativos desgastados, como também o empréstimo para financiar a substituição dos equipamentos, tudo pelo mesmo pagamento mensal. Se ela estiver caindo no ritmo certo, é possível que os tomadores de empréstimos continuem acumulando dívidas, constantemente.

O segundo é a tolerância dos credores. Normalmente, os credores não querem emprestar para empresas que não conseguem pagar suas dívidas e se endividam cada vez mais. Mas o regime do Federal Reserve coage os credores. Submete-os a retornos decrescentes (por exemplo, queda na taxa de juros). E pior, remove sua escolha de emprestar ou não. Manter um saldo em dólar é ser um credor, e as únicas escolhas que restam são a duração e o risco de crédito. E, com a queda da taxa de juros, os credores são pressionados a aceitar mais risco e duração. Os credores assumem esse risco não porque seu “apetite” por dinheiro está aumentando, mas porque essa é a única forma de obterem retornos à taxa mínima de retorno exigida.

Veja a obscenidade conhecida como PIK – título de pagamento em espécie.

Um PIK repudia explicitamente o princípio dos custos irrecuperáveis. O tomador de empréstimo não se compromete a alocar dinheiro para pagar o principal, mas se endivida ainda mais cada vez que paga os juros! Um PIK antecipa ao credor que a dívida não será amortizada. Não é a forma correta de administrar uma empresa, mas a principal vítima aqui é o credor.

Muitos respondem: “mas ninguém obriga um credor a fazer nada. Se não quisesse, não precisaria comprar o título.” Isso é verdade, na medida em que uma escolha feita em um mercado controlado pelo governo ainda é uma escolha. E, sem dúvida, os credores consideram isso conveniente. Podem receber juros sobre o valor do principal até o vencimento (e ainda ter juros sob juros) e, se desejarem, rolar tudo para um próximo PIK.

Em nome dessa comodidade, os credores se tornam parte voluntária de uma fraude. Ou seja, o tomador não tem os meios ou a intenção de quitar a sua dúvida, o que torna isso crédito falsificado. São quatro os elementos de um crédito adequado: (1) o credor sabe que está emprestando; (2) o credor está disposto a emprestar; (3) o tomador tem os meios para quitar sua dívida e (4) o tomador tem a intenção de pagar. Um tomador que não separa o dinheiro para seus custos irrecuperáveis tende a violar os princípios 3 e 4.

Os credores deveriam se preocupar mais com a solidez das empresas para quem emprestam, e menos com outros fatores (por exemplo, a facilidade de cálculo do modelo de portfólio). O principal do fundo irrecuperável, isto é, o pagamento do valor total de um ativo ao longo de sua vida útil, está sempre presente, independentemente do tipo de empresa. O princípio de se afundar em dívidas, isto é, consumir capital, também é o mesmo, independentemente do tamanho da empresa.

O processo de consumo de capital tem um limite. Quando o capital acaba, quando todas as sementes de milho são consumidas, tudo acaba e a fraude não pode mais ser mantida. Por óbvio, os acionistas perdem tudo. E os credores também sofrem perdas terríveis.

Agora, liguemos isso à questão do dinheiro irremediável. Além de limitar os poupadores, o dinheiro irrecuperável tem outra propriedade. Ele remove o extinguidor da dívida (por exemplo, ouro). Sem ele, não há forma de quitar a dívida. Sim, um devedor individual pode se livrar de suas dívidas. O que não é possível é que os devedores no agregado reduzam suas dívidas, e menos ainda eliminá-las.

Em outras palavras, os devedores estão impedidos de quitar suas dívidas, podendo adicionar mais dívida pelo mesmo custo. Enquanto isso, os poupadores são jogados nos braços dos devedores. Eles são privados de qualquer escolha real e, além disso, esse tipo de dívida é terrivelmente conveniente.

Investir em ouro fortalece o credor. Isso ocorre porque o ouro oferece ao credor uma escolha que não é possível com o dinheiro irremediável. Essa é sempre uma opção – e uma opção muito boa – simplesmente guardar o ouro. É melhor ter o ouro debaixo do colchão do que emprestar ouro para uma empresa entregue a uma orgia de consumo de capital.

Muitas pessoas pensam na ideia do padrão-ouro em termos de quantidade. É verdade que a quantidade de crédito irrecuperável é ilimitada, enquanto a de ouro físico não é. Entretanto, apresentamos um contraste entre esses dois sistemas à luz dos custos irrecuperáveis com o objetivo de mostrar que a diferença não é quantidade, mas honestidade.

O regime de dinheiro irrecuperável é inerentemente desonesto.

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Publicado originalmente em Monetary Metals.

Traduzido por João Rodrigues.

Revisado por Matheus Pacini.

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