“Nós” Vs. “Eu”

Na obra Cântico, Ayn Rand reproduz o diário escrito pelo personagem principal, chamado “Igualdade 7–2521”, que vive em uma sociedade fictícia futurística onde reina um estado coletivista e totalitário em sua plenitude. Os avanços tecnológicos existentes até aquele momento regrediram e o coletivismo foi levado às últimas consequências. É justamente essa ausência de individualidade e liberdade que Ayn Rand nos apresenta na obra. Um futuro fictício em que um governo totalitário coordena de forma centralizada a vida de todos, do nascimento até a morte. Apesar de ficção, algumas características dessa sociedade são interessantes para refletirmos sobre as malezas de vivermos em uma sociedade coletivista.


A primeira característica interessante é que, nessa sociedade fictícia, qualquer aspecto de individualismo foi apagado e proibido. As decisões são coletivas, tomadas pelo Conselho Mundial e suas subsidiárias, e sempre buscam um “bem de todos”, desde profissões e lugares de moradia até a rotina dos cidadãos. Os nomes dos indivíduos, por exemplo, são representados através de palavras que remetem aos supostos ideais da cidade, como “Igualdade”, “Coletivo”, “Fraternidade”, “Democracia” ou “Solidariedade”, acrescida de um número identificador. Além do nome, as profissões também eram designadas coletivamente. Igualdade 7-2521, por exemplo, foi designado Varredor de Rua, e assim deveria permanecer até sua morte, sem possibilidade de mudança. É por isso que a ele não era permitido ousar propor qualquer ideia nova, visto que não era sua ocupação ou responsabilidade. E, quando tentou propor, foi punido e perseguido pelo Conselho de Eruditos.


A coletividade é tão suprema nessa sociedade fictícia que a palavra “eu” é desconhecida da população. Por conta disso, na maior parte da obra, o narrador utiliza a primeira pessoa do plural para se referir a si mesmo. Nesse sentido, Rand foi cirúrgica ao demonstrar como o coletivismo, levado a consequências tão extremas como o banimento do “eu”, causa confusão em aspectos mais básicos da comunicação humana, quem dirá, então, no sistema político.


Em síntese, qualquer tipo de pensamentos próprios, livre-arbítrio e iniciativa são proibidos por lei. Cada personagem (que não deve se identificar como um ser individual) deve agir sempre pelo coletivo, em prol do grupo, sem questionar as decisões e sem desenvolver (ou, ao menos, sem dar vazão a) desejos e aspirações individuais. O propósito desse sistema de controle abusivo, claro, é extinguir dos personagens sua individualidade, impossibilitando a ocorrência de rebeliões e conflitos, uma vez que todos são iguais e, desse modo, não detêm poder de escolha.


Vale aqui contextualizar que a obra em questão foi publicada em 1938, um ano antes da II Guerra Mundial, em meio à expansão do coletivismo ao redor do mundo, principalmente na União Soviética comunista, na Alemanha nazista e na Itália fascista. É fato que, desde que a obra foi publicada (há 84 anos), o mundo sofreu drásticas mudanças. A sociedade aprendeu o valor da liberdade e de um ambiente democrático. Mas a ameaça autoritária está sempre à espreita. Dia a dia vemos constantes ameaças à liberdade de pensamento, expressão, associação e oposição. Em nome de causas nobres como o combate ao preconceito e à discriminação, por exemplo, frequentemente exige-se dos indivíduos um grau de conformidade integral com as ideias consideradas “progressistas”, sob pena de julgamentos públicos e cancelamentos virtuais e/ou sanções do Estado. A crítica e/ou o ponto de vista diverso são reprimidos.


Se olharmos para regimes impostos por Raul Castro em Cuba, por Maduro na Venezuela e por Kim Jong-un na Coreia do Norte, por exemplo, podemos identificar diversas similitudes com a ficção de Cântico, com impactos reais no bem-estar coletivo de seus cidadãos. E, assim, parece que os ensinamentos da obra de Ayn Rand são para os dias de hoje.


A grande questão é como combater o coletivismo. Na obra, o personagem Igualdade 7-2521, sentindo-se estranho por pensar determinadas coisas, não se cala. Em certo momento, ao explorar uma floresta nos arredores da cidade, encontra resquícios de uma sociedade antiga, que seria a nossa atual, e ali começa a descobrir uma arma poderosa: o conhecimento. É por isso que estudar e propagar o conhecimento sobre a liberdade e o individualismo é, e sempre será, importante para impedir um homem de tirar a liberdade de outro através de uma ditadura coletivista, em que os valores individuais e próprios de cada ser humano seriam completamente ignorados.


Cântico, portanto, serve para nos lembrar sempre que o “nós” e o coletivismo não devem prevalecer sobre o “eu”.

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Revisado por Matheus Pacini.

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