É como estar em casa. Essa é a sensação de acompanhar a troca dos trilhos de ponte ferroviária centenária, na Serra do Mar (Paraná, Brasil). Dagny Taggart sentia o mesmo ao ver os trilhos de metal Rearden fixados cuidadosamente em dormentes, dando forma ao que viria se tornar a linha ferroviária John Galt (Colorado, EUA).
Por inúmeras vezes, enquanto lia o livro de Ayn Rand, não era o rosto de Dagny que vinha em minha cabeça, mas o meu próprio. Dez anos trabalhando em meio a trens e ainda me impressiono com cada um deles. Por mais formidável que seja transportar por vagões, o simples fato de ir e vir, a escolha pelo modo que se deseja fazer isso, ainda é uma escolha feita por um grupo específico, que se reconhece superior para tal. Onde estão os trens de passageiros no Brasil? Como são transportados a maior parte de nossos produtos? Por que estamos entre os 10 países com maior número de mortes causadas por acidentes rodoviários do mundo? “Quem é John Galt?”.
A revolta de Atlas, lançado nos Estados Unidos, em 1957, e muito conhecido por seu título em inglês “Atlas Shrugged”, só chegou ao Brasil em 1987, inicialmente como Quem é John Galt?, e posteriormente, em 2010, adotando o título atual. Sua autora, Ayn Rand, nasceu em 1905, em São Petersburgo, Rússia. Mudou-se para os Estados Unidos aos 21 anos, tornando-se uma das escritoras mais influentes da América. Diante de uma literatura consagrada, a escritora criou sua própria linha filosófica, denominada “Objetivismo”, na qual o uso da razão é o meio para a busca da felicidade individual.
Embora A revolta de Atlas tenha me arrebatado, logo de início, com o enredo e a ferrovia, os verdadeiros motivos que o tornaram um livro tão famoso vão muito além da ficção. Quer mais motivos para embarcar em suas 1216 páginas? Comece se perguntando quais são os seus valores, qual o seu objetivo como morador deste mundo, quais são os preços nos quais você negocia a sua vida, e quanto estaria disposto a pagar pela sua felicidade. Se, ao respondê-las, ainda estiver em dúvida, ou não encontrar as respostas, acredite – “não existem contradições. Se você discorda disso, então verifique suas premissas. Uma delas está errada”, e esse livro pode te provar isso.
Para reconhecer valores, é necessário refletir sobre os principais meios nos quais eles são questionados. Dagny Taggart, personagem destaque da obra, cresceu em meio à empresa da família, a Taggart Transcontinental, uma grande malha ferroviária que ligava diferentes regiões nos Estados Unidos. Tendo buscado, durante toda a sua vida, mostrar-se digna de assumir a direção da ferrovia, quando adulta, Dagny conseguiu se tornar vice-presidente operacional, ao lado de seu irmão, o presidente da empresa, James Taggart.
Foram pelas diferentes atitudes dos irmãos Taggart que Ayn Rand conseguiu expor os contextos nos quais os valores são questionados. Enquanto Dagny tentava bravamente manter sua empresa de pé, superando o medo, as burocracias, colocando seu foco em “fazer a coisa certa”, em prol de solucionar os problemas criados pela má gestão de seu irmão, ele culpava a concorrência.
James se dizia justo, preocupado com a desigualdade de oportunidades, sempre em busca de ações que contribuíssem primeiro com o “coletivo”. Ele não trabalhava com vagões e locomotivas: todo o seu tempo era direcionado para firmar parcerias com instituições e representantes do governo, que poderiam, por meio de leis e decretos, eliminar outras empresas, deixando os usuários dos trens condenados à ferrovia de James, uma malha beirando à sucata.
Dagny, buscando reerguer a empresa, decidiu construir uma linha férrea totalmente nova, a qual teria trilhos feitos de um metal nunca antes utilizado, fabricado nas indústrias de Hank Rearden. Rearden representava o típico capitalista, nascera em um ambiente muito pobre e se tornou muito bem sucedido por meio, apenas, do seu árduo trabalho. O metal criado por Rearden era, comprovadamente, o metal mais barato, leve e resistente que já havia sido criado, porém as instituições do país se negavam a aceitar sua utilização.
As instituições públicas norte-americanas, acreditando que a empresa de Hank poderia “quebrar” demais fornecedores de metais do país, limitaram as vendas da empresa metalúrgica. Para evitar o surgimento de qualquer outro “monopólio”, o Estado lançou uma lei, denominada de “Lei de Igualdade de Oportunidades”, que limitava para uma a quantidade de empresas que um indivíduo poderia ter. Não bastasse a criação dessa lei, outras diretivas foram lançadas pelo governo, como limites para a velocidade dos trens, quantidade máxima de vagões por composição, e, até mesmo, a proibição de as empresas saírem de seu Estado para outras regiões.
Diante de tantos limitantes, as mentes criativas do país, aqueles que produziam, que impulsionavam o mundo e a humanidade, melhorando a experiência de vida das pessoas, como os empresários, cientistas, professores, médicos e artistas, começaram a desaparecer. Atendendo a um chamado irresistível, os “Atlas” da sociedade moderna formaram uma espécie de comunidade secreta, na qual tudo o que era produzido era revertido para os próprios produtores, não existiam perdas geradas pela corrupção, propina e impostos abusivos, muito menos, um governo impositor.
Já o restante do mundo passou a viver em estado de caos, o Estado havia tomado as empresas dos desaparecidos capitalistas, porém não conseguiam manter a lucratividade, não conseguiam suprir as necessidades da população, uma nação inteira foi sacrificada em prol de um suposto bem comum. O Brasil, por exemplo, possui inúmeras empresas sob sua administração, e ainda que muitas delas não paguem os impostos criados pelo próprio governo, e pagos pelas demais empresas privadas semelhantes, ainda assim, elas não conseguem lucrar, porém, continuam sendo mantidas pelo Estado. “Quem é John Galt?”.
Não precisamos ir muito longe para encontrarmos os empresários, investidores e cientistas desaparecidos, eles estavam aqui, no Brasil, mas hoje estão em outros países pelo mundo, tentando produzir e se sentirem orgulhosos e recompensados por isso. Eles não querem se sacrificar em nome de todos, em nome de sua nação, como fizeram os comunistas e fascistas, não muito longe de nós. Eles querem prosperidade, abundância, justiça, honestidade e responsabilidade individual.
Esses grandes criadores querem fazer dinheiro, querem trocar seus esforços pelos esforços dos demais. Eles buscam a paixão naquilo que fazem, e, ainda que precisem fazer algo que não amem, fazem bem feito. Não se sentem culpados pelo sucesso, sabem quem são, quais são seus valores, onde estão e onde querem chegar e, jamais, aceitam uma culpa imerecida. Eles não mentem, pois sabem que se tornarão escravos dessa mentira pelo resto de suas vidas.
É esse o indivíduo que busca a sua própria felicidade, não teme por começar algo, e se “só tem em mãos seu orgulho e sua visão, então, tem tudo o que precisa para começar a crescer”. Ele não nega a razão, aquilo que o diferencia dos outros animais, ele a utiliza o tempo todo, com um olhar questionador. “A sua mente é o seu instrumento básico de sobrevivência”, e ele a utiliza para pensar e o seu corpo para agir, nunca procrastinando, sendo responsável por resolver aquilo que precisa ser resolvido.
A sua vida não pertence a ninguém a não ser a ele próprio, e o bem consiste em vivê-la. “Ele não se sacrifica por ninguém, e muito menos espera que alguém se sacrifique por ele”. Ele valoriza a vida e não ignora as consequências que suas escolhas possam surtir. Para esse indivíduo criador e produtivo, a maior depravação do ser humano é não ter um objetivo em que focar, e fazer pelo outro antes de fazer por si próprio.
O trem que avança sobre os trilhos de metal Rearden, tendo como condutor o Estado, é o mesmo trem que conduz o mundo ao fracasso. Ele é cheio de espoliadores, de leis que desviam valor de quem produz para quem nada cria, vagões que transbordam aproveitadores e “inocentes” que acreditam que os grandes vilões da humanidade são empresários e empresas. Do lado de fora do trem estão todos aqueles que acordam de manhã motivados a irem atrás do que querem, que não aceitam esmolas e acreditam que a única forma de serem felizes é pelo próprio esforço. Como poderíamos parar esse trem desgovernado? “Quem é John Galt?” Talvez Dagny nos aconselhe a “não fazer perguntas que ninguém possa responder”.