Ludwig Von Mises, Ayn Rand e a batalha cultural

Nas palavras do economista, “a menos que possamos convencer as pessoas de que a justiça social é injusta, que a redistribuição de renda é imoral e que a igualdade por meio da lei é contrária à justiça, uma sociedade livre será inviável”.

Ludwig Von Mises (1881-1973) foi o principal economista da Escola Austríaca de Economia (Hayek-Menger-Bohm Bawerk). Discípulos destacados continuaram seu trabalho: Murray Rothbard (pai intelectual do Movimento Libertário dos Estados Unidos), Israel Kirzner (professor emérito da Universidade de Nova York) e Hans Sennholz (economista monetário proeminente e reitor do Departamento de Economia da Universidade de Grove City, nos Estados Unidos).

Entre suas obras mais importantes está Ação humana, um tratado completo de economia; Socialismo, em que demonstra a impossibilidade do cálculo econômico em economias sem propriedade privada e, portanto, sem preços de mercado; Teoria da moeda e do crédito, em que explica a teoria monetária e a origem dos ciclos econômicos, e Liberalismo, em que desenvolve o arcabouço jurídico necessário para que uma economia possa prosperar.

Por outro lado, Ayn Rand (1905-1982) foi uma romancista proeminente e criadora da filosofia do Objetivismo. Entre suas obras estão os romances best-sellers A nascente e A revolta de Atlas, e livros de não ficção A virtude do egoísmo (ética), Capitalismo: o ideal desconhecido (política), Introdução à epistemologia objetivista (epistemologia) e Filosofia: quem precisa dela.

Em minha opinião, ambos são os principais expoentes do pensamento liberal do século XX, embora Milton Friedman (escola de Chicago), Friedrich Hayek (discípulo de Mises) e Murray Rothbard (também discípulo de Mises) disputem um lugar de honra.

Mises e Rand viveram boa parte de suas vidas na cidade de Nova York; um amigo comum, Henry Hazlitt, vendo a estatura intelectual de ambos, foi quem os apresentou e introduziu suas respectivas obras.

Também cabe frisar a presença influente do destacado empresário Leonard Read, fundador da Foundation for Economic Education (FEE), cuja sede ficava próxima à cidade de Nova York. Foi Read quem atraiu Mises para a cidade e o influenciou a ocupar uma cátedra na Universidade de Nova York. Read foi amigo de Henry Hazlitt, que mais tarde escreveria o famoso livro Economia em uma lição e Os erros da nova ciência econômica (crítica detalhada das ideias de Lord Keynes).

Hazlitt, quem era amigo e admirador de Mises e Rand, organizou um jantar e convidou os dois casais, mas não saiu como esperado. Apesar de muitas ideias compartilhadas, discordâncias importantes afloraram naquela noite: Rand atribuiu o desastre nazista do qual Mises fugiu à influência do pensamento de grandes filósofos do pós-modernismo alemão (principalmente Kant, que, por sua vez, deixou-se influenciar por Rousseau), acusando-os de serem irracionais, altruístas e coletivistas. Mises, por sua vez, negou essa responsabilidade, atribuindo a selvageria nazista ao seu nacionalismo exacerbado, seu ódio pelo estrangeiro e seu amor pela guerra, que eles consideravam como uma forma superior de existência humana.

Rand acusou Kant de depreciar nossos sentidos e a realidade que nos rodeia; ele chamava este mundo de “fenomenológico” e de pura “aparência”, embora sustentasse que o mundo verdadeiro era o “numenal”, o qual só poderíamos acessar por meio da “fé” (não com base na lógica ou na razão). A felicidade também não era importante para Kant, mas a obediência ao dever, sim. Rand acusou Kant não apenas de depreciar a utilidade da razão humana, mas de colocar nossos interesses como seres humanos em conflito com os interesses da sociedade.

Rand argumenta que, ao atacar os sentidos (por não transmitirem informações “diáfanas”), Kant defendia que a razão se deixava enganar pelas aparências. Segundo Rand, Kant estava tentando salvar o mundo antigo e as tradições dos ataques do Iluminismo e da modernidade e revalidar a fé como meio de alcançar a verdade. Rand argumentou que a República de Weimar se baseava no irracionalismo, no altruísmo e no coletivismo kantiano.

Por outro lado, Mises argumentou que a responsabilidade de Kant era limitada e que ele era um “defensor da paz entre as nações”; Mises atribuiu a barbárie nazista ao amor dos alemães pela guerra, que consideravam “uma forma superior de existência humana”; também ao ódio aos estrangeiros e, finalmente, às suas ideias mercantilistas e militaristas.

Outro ponto de desacordo foi a recusa de Mises em aceitar a existência de uma moralidade/ética objetiva. Rand respondia que apenas a existência de uma moralidade objetiva permitiria justificar a validade dos direitos individuais (vida, propriedade e liberdade para a busca da felicidade); também argumentava que, sem uma ética objetiva, era impossível demonstrar a perversidade da exigência nazista de sacrifício individual em benefício do “bem comum” ou da raça ariana; enquanto, para Rand, o mundo conceitual e a ética eram fundamentais, para Mises, o problema era a falta de compreensão dos benefícios do comércio e da cooperação social no seio do povo alemão. Segundo Mises, o problema alemão baseava-se na crença errônea de que para sobreviver era preciso ser forte e se expandir (tomando recursos e territórios estrangeiros), crença generalizada dos intelectuais da época. Para Mises, as ideias filosóficas não eram básicas; a vida econômica, sim. Rand insistia que o problema estava em uma filosofia ruim. Mises, em uma economia ruim.

Uma discussão semelhante havia acontecido alguns meses antes entre Rand e Read. Leonard Read foi o criador da FEE, o primeiro instituto libertário dos Estados Unidos. Read inspirou Alberto Benegas Lynch (pai) e Manuel Ayau a fundar, respectivamente, o Centro de Estudios sobre la Libertad, em Buenos Aires, e a Universidade Francisco Marroquín, na Guatemala.

Read pediu a Rand o que ele achava da ideia de fundar um Instituto de Educação Econômica, mas ela não foi favorável:

“As pessoas não abraçam ideias coletivistas porque têm ideias econômicas ruins; as pessoas aceitam as ideias econômicas ruins porque já abraçaram as ideias coletivistas; causa e efeito não podem ser invertidos; não é possível destruir a causa combatendo o efeito; não se pode eliminar os sintomas de uma doença sem atacar os germes que a causaram. A economia marxista já foi exaustivamente refutada e desacreditada; a economia capitalista nunca foi refutada. No entanto, as pessoas continuam aceitando as ideias marxistas; as pessoas sabem que a economia marxista é pura estupidez e que não funciona. Os exemplos abundam, mas isso não os impede de continuar escolhendo políticas de esquerda e populistas. Por quê? Porque o que determina o tipo de economia que uma sociedade terá depende do que as pessoas aceitam como o ideal moral de sua sociedade. Se os ideais morais das pessoas forem coletivistas (redistribuição de renda, igualdade forçada, justiça social), será impossível para as pessoas aceitarem uma economia que respeite a propriedade privada, o livre comércio e o capitalismo. A menos que possamos convencer as pessoas de que a justiça social é injusta, que a redistribuição de renda é imoral e que a igualdade por meio da lei é contrária à justiça, uma sociedade livre será inviável. Uma vez compreendido que a batalha intelectual é de ordem moral (a economia é um complemento), virá a segunda parte da batalha: identificar o egoísmo, o interesse próprio racional como a moral adequada para combater o coletivismo”.

No final do século XIX, o liberalismo travou uma última batalha contra o coletivismo triunfante que estava se aproximando do século XX. Os responsáveis ​​por comandar a batalha foram John Mill, John Stuart Mill (seu filho), Herbert Spencer e Francis Bacon. Mas a bateria de argumentos que usaram era majoritariamente utilitária (“o maior bem para o maior número”). Sem saber validar a razão e o mundo conceitual, de um lado, e os fundamentos éticos dos direitos individuais, de outro, acabaram fracassando, e o resultado foi a volta do coletivismo.
As ideias morais que ainda são ensinadas nas principais universidades ocidentais vêm do pós-modernismo alemão e francês. O Objetivismo, a filosofia de Ayn Rand, oferece uma defesa radical do capitalismo repleta de argumentos imbatíveis de caráter epistemológico e ético. Uma defesa efetiva da modernidade exigirá o abandono do subjetivismo e do ceticismo na epistemologia e do relativismo na ética. É hora de voltar à experiência e à razão como fontes de conhecimento, a uma visão otimista da natureza humana e de suas potencialidades, e a uma visão individualista e contratual da existência humana que valida a busca da própria felicidade como meta desejável e viável. Liberdade, livre mercado, ciência, descobertas, criatividade, empreendedorismo e estética romântica andam juntos. Mentalidade tribal, ódio e medo do progresso, evasão e retorno aos instintos e à mentalidade anti-individualista, não aceitação da existência de princípios morais objetivos caminham juntos e unidos na tentativa de nos manter presos às tradições obscurantistas.

Depois de ler A revolta de Atlas, Mises enviou uma carta a Rand parabenizando-a, chamando-a de o “homem” mais corajoso da América.

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Publicado originalmente em Infobae.

Traduzido por Priscila Vargas.

Revisado por Matheus Pacini.

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