Libertarianismo x Capitalismo Radical (parte III)

Moralidade e filosofia sempre triunfam sobre a política e a economia no longo prazo

É claro, nem todas as pessoas que se dizem “libertários” querem legalizar a morte de bebês por inanição, o fim da defesa nacional ou a instituição de governo de gangues. Mas nada na ideologia libertária opõe-se a tais posições – pois os princípios que se opõem a elas estão arraigados na moralidade e na filosofia. Para entender o que está errado com tais posições, devemos engajar-nos na filosofia.

Alguns libertários buscam defender a liberdade única e exclusivamente educando as pessoas sobre economia e política – explicando como funcionam os mercados, como emerge a “ordem espontânea” pela liberdade de interação entre indivíduos e empresas, e como um sistema legal que proíbe a força permite que tudo isso ocorra. Essa é a missão de organizações como a FEE, o CATO e o Competitive Enterprise Institute. Certamente, as explicações relativas à viabilidade econômica dos mercados e à ordem política estabelecida pelo estado de direito são importantes para promover e defender a liberdade. Contudo, se isoladas de uma base moral e filosófica subjacente a apoiar os direitos e a liberdade, os argumentos econômicos e políticos em favor da liberdade não servem para nada.

Mesmo as pessoas acreditando que a liberdade é economicamente prática, se ela for, para elas, moralmente inaceitável – o que o fazem quando aceitam utilitarismo, altruísmo, igualitarismo, religião, etc –  serão incapazes de lutar pela liberdade de forma efetiva. Há séculos que economistas e cientistas políticos mostram às pessoas as vantagens do livre mercado e do estado de direito. Ainda assim, poucas pessoas genuinamente apoiam uma sociedade livre. Por quê? Porque, em última instância, os princípios morais e filosóficos sempre triunfam sobre as crenças políticas e econômicas. Como Ayn Rand escreveu em uma carta a Leonard Read antes de ele lançar a FEE (Foundation for Economic Education): “as pessoas não abraçam o coletivismo por aceitaram uma teoria econômica falsa; elas abraçam uma teoria econômica falsa por aceitarem o coletivismo”.

Não se pode reverter causa e efeito. E você não pode destruir a causa lutando contra o efeito. Isso é tão inútil como tentar eliminar os sintomas de uma doença sem atacar os micróbios causadores.

A economia marxista (coletivista) já foi totalmente refutada e descreditada. A economia capitalista (ou individualista) nunca foi refutada. Ainda assim, as pessoas seguem aceitando o marxismo. Se você analisar de forma mais detalhada, verá que a maioria das pessoas sabem, mesmo de forma vaga, que a economia marxista não funciona. Mesmo assim, isso não as impede de defendê-la. Por quê?

A razão é que a economia tem o mesmo lugar em relação à totalidade da vida de uma sociedade que os problemas econômicos ocupam em relação à vida de um só indivíduo. Um homem não existe meramente para receber um salário; ele recebe um salário para existir. Sua profissão é o meio para um fim; o tipo de vida que deseja ter, o tipo de objetivo que deseja cumprir com o dinheiro que ganha determina o trabalho que ele escolhe fazer, e se escolhe mesmo trabalhar. Um homem totalmente sem objetivo (seja ambição, carreira, família ou qualquer coisa) deixa de existir no sentido econômico. Aí é quando se converte em um vagabundo. A atividade econômica em si nunca foi o fim ou a força matriz de ninguém. E não creio que nenhum tipo de lei de autopreservação funcionaria aqui – que um homem produziria simplesmente para poder comer. Não o fará. Para que a autoconservação se reafirme, dever haver alguma razão para que seu ego queira preservar-se. Independentemente do que o homem tenha aceitado, consciente ou inconscientemente, por rotina ou escolha como propósito de sua vida – que determinará sua atividade econômica.

E o mesmo se pode dizer da sociedade e das convicções dos homens sobre os aspectos econômicos apropriados de uma sociedade. O que a sociedade aceita como seu propósito e ideal (ou, para ser exato, o que os homens acham que deveriam aceitar como seu propósito e ideal) determina o tipo de teoria econômica que os homens defenderão e tentarão praticar; afinal, a economia é somente o meio para um fim.

Quando o objetivo social escolhido é, por sua própria natureza, impossível e inviável (coletivismo), é inútil indicar às pessoas que os meios que escolheram para alcança-lo não são realistas. Não há como fazer os homens abandonarem os meios até que você os tenha persuadido a abandonarem seu objetivo.

Agora, a escolha de um objetivo pessoal ou de um ideal social é uma questão de filosofia e teoria moral. É por isso que, se se quer curar um mundo moribundo, deve-se começar por princípios morais e filosóficos. Não há outra alternativa[1].

Argumentos econômicos sem base moral e filosófica não vão a lugar algum

Argumentos econômicos sem base moral e filosófica dos direitos não vão, e nem podem mudar a menta das pessoas de forma substancial ou duradoura. É por isso que – apesar de todas as instituições dedicadas a educar pessoas sobre economia, e de todos os livros e artigos que explicam exaustivamente o porquê e como o livre mercado leva à prosperidade geral – temos sofrido pelo avanço de um sistema de leis, regulamentações, programas e instituições que violam os direitos: desde leis de defesa da concorrência a escolas públicas, das leis do salário mínimo à Previdência Social, do Bolsa Família ao SUS. Somos controlados por essas políticas estatistas, não porque as pessoas não entendem suficientemente de economia, senão porque seu ponto de vista filosófico e/ou religioso dita que tais políticas / instituições são moralmente necessárias, e que eliminá-las, mesmo que fosse economicamente prudente, seria moralmente abominável.

Se quisermos lutar por uma sociedade livre, não é suficiente dizer que temos “direitos” ou agressão é “ruim” ou que o livre mercado é “bom”. Tampouco é suficiente explicar o porquê e como o livre mercado funciona. Se quisermos defender a liberdade com êxito, temos de entender e ser capazes de explicar a origem, o porquê dos direitos, e como os identificamos. Devemos entender e sermos capazes de articular o significado objetivo dos conceitos de “bem” e “mal” – e como identifica-los. Devemos aprofundar-nos em filosofia.

Depois de ter abordado a questão no espírito de Frédéric Bastiat, isto é, levando em conta o que se vê e o que não se vê nas descrições comuns do libertarianismo, podemos ver que a essência do libertarianismo é a rejeição da necessidade de adotar e discutir a filosofia em defesa da liberdade. Isso é que é inaceitável no libertarianismo.

Enquanto o libertarianismo defende que não devemos discutir filosofia em defesa da liberdade, uma ideologia diferente defende que, sim, devemos discuti-la. O melhor nome para essa ideologia é, parafraseando Ayn Rand, “capitalismo radical[2].”

O capitalismo radical como antídoto ao libertarianismo

Radical significa “ter raízes” ou “recorrer aos fundamentos”. O capitalismo é o sistema social que se baseia no reconhecimento dos direitos individuais, em que o governo tem uma só missão: proteger os direitos mediante à proibição da força física das relações sociais, e mediante o uso da força só em represália e só contra os que iniciam seu uso. A frase “capitalismo radical” inclui ou implica uma série de aspectos essenciais de uma sociedade livre que o libertarianismo escolhe negar ou ignorar.

Considere:

  • Como radical significa “ir à raiz”, o capitalismo radical implica levar em conta a importância dos fundamentos e a necessidade de abordar questões como: o que são direitos? Qual a sua origem? Como os identificamos? Qual é o padrão de bem e mal, certo e errado? Como sabemos disso? Qual é o nosso meio de conhecimento? Como podemos validar nossas ideias e ver se correspondem à realidade?
  • Como o capitalismo é o sistema social em que o governo protege direitos, o capitalismo radical implica e adota a necessidade do governo e, portanto, opõe-se ao anarquismo, a noção absurda de que o governo deveria ser abolido para dar espaço ao conflito de gangues.
  • Como o propósito do governo em uma sociedade capitalista é proteger os direitos dos indivíduos que estão sob sua jurisdição, o capitalismo radical rechaça o pacifismo, chamado “não intervencionismo” e todas as ideias que impeçam o governo de usar a força necessária para eliminar agressores estrangeiros. O governo em uma sociedade capitalista deve usar toda a força necessária para proteger os direitos de seus cidadãos. Além disso, por ser a ameaça de força uma forma de força – um fato desconsiderado pelos que se recusam a discutir filosofia – um governo que protege direitos pode usar a força necessária mesmo contra os que “meramente” ameaçaram usá-la. Ademais, como a filosofia mais profunda esclarece que todas as mortes de guerra – incluindo as geradas pelo Estado retaliante – são de responsabilidade moral do Estado ou regime que iniciou a força, o capitalismo radical defende abertamente o direito moral de uma nação atacada ou ameaçada usar a força contra o agressor, mesmo se inocentes (infelizmente) são mortos no processo.

 

Existem benefícios adicionais no uso do termo “capitalismo radical” para denotar a ideologia ancorada nas funções moral e filosófica da liberdade, mas os pontos supracitados nos dão uma indicação de como a ideia contrasta com o libertarianismo.

Capitalismo radical e libertarianismo não são só diferentes. Eles são essencialmente diferentes. Eles são radicalmente diferentes. Um defende uma sociedade livre pela identificação e defesa das bases moral-filosóficas que as fundamenta; o outro tenta defender uma sociedade livre ao ignorar ou negar essas ideias (ou a necessidade de discuti-las). Um sustenta suas conclusões políticas com uma estrutura sólida de princípios integrados enraizados na realidade perceptual; o outro defende suas posições políticas e usa conceitos como “liberdade”, “direitos”, “bem” e “mal” enquanto ignora ou nega as ideias mais fundamentais das quais tais esses conceitos logicamente dependem. Um é um exemplo da natureza hierarquia do conhecimento conceptual; o outro é um exemplo da falácia do “conceito roubado”, que consiste em usar uma ideia ou conceito enquanto ignora ou nega ideias das quais ele logicamente depende[3].”

À luz dessa enorme e fundamental diferença, o fato de que tanto o capitalismo radical como o libertarianismo pretendam ser “pela liberdade” é trivial. Essas ideologias são superficialmente similares e, sem dúvida, essencialmente diferentes. E por serem essencialmente diferentes, necessitamos expressões diferentes para descrevê-las.

Ideias essencialmente diferentes necessitam conceitos diferentes para descrevê-las

Embora alguns libertários insistam em chamar qualquer pessoa que defende a liberdade de “libertário”, ele estão objetivamente errados em fazê-lo. Uma classificação apropriada responde aos requisitos da cognição humana. O propósito da classificação é identificar essencialmente coisas similares e diferenciá-las de coisas essencialmente diferentes, de forma que, quando pensamos e falamos, saibamos o que pensamos e do que estamos falando. Nós precisamos distinguir a ideologia que reconhece e defende os fundamentos da liberdade daquela que os ignora ou nega. Empacotar conceitualmente essas duas coisas juntas, tratando-as como se fossem essencialmente as mesmas, quando, na verdade, são essencialmente diferentes, é cometer a falácia do “pacotão”, que consiste em misturar mentalmente o que logicamente não se pode misturar.[4] O pacotão conceptual resultante dele dizima as distinções cruciais, estrangula o pensamento racional e gera prejuízos aos esforços na defesa da liberdade.

Por exemplo, dizima a diferença entre quem é partidário de limitar o governo à proteção dos direitos, e quem advoga a eliminação do governo; isso leva as pessoas a acreditar que o movimento libertário busca, em última instância, chegar à anarquia, a qual, por sua vez, faz com que as pessoas se afastem da causa. Dizima a diferença ente quem advoga uma política externa racional, e quem defende uma política exterior de passividade suicida, o qual leva as pessoas a acreditar que o movimento em favor da liberdade preferiria permitir que regimes inimigos nos matassem a nós e as nossos filhos, em vez de obrigar o nosso governo a acabar com esses regimes, mesmo que isso culmine na morte de inocentes. E, por fim, dizima a diferença entre quem reconhece a necessidade de ter princípios morais e filosóficos objetivos que validem a liberdade, e aqueles que negam tal necessidade; isso leva muitas pessoas a acreditar que o movimento em prol da liberdade seja anti-intelectual e que, de alguma forma, não reconhece o fato de que a liberdade é incompatível com moralidades e filosofias amplamente aceitas atualmente. Tudo isso prejudica a causa da liberdade.

Se quisermos defender a liberdade, precisamos distinguir as ideologias, os indivíduos e as organizações que defendem as fundações da liberdade daquelas que não o fazem. Classificar por meio de elementos essenciais é nossa forma de fazê-lo.

Defender a liberdade com base em fundamentos moral-filosóficos

O libertarianismo, propriamente definido, é a ideologia que tenta defender a liberdade enquanto ignora ou nega as fundações morais e filosóficas das quais a liberdade depende. Esse não tinha porque ser o significado da palavra, pero é, de fato, o significado da palavra devido às ideias e às ações de quem moldou tal filosofia ao longo de décadas. O capitalismo radical, pelo contrário, é a ideologia que pretende defender a liberdade mediante à identificação e à defesa dos fundamentos moral-filosóficos dos quais ela depende. Se quisermos defender a liberdade, devemos chamar as coisas pelo seu nome, e devemos respeitosamente indica-las aos que reconhecem e mantêm as bases filosóficas objetivas da liberdade, conquanto insistem em ser chamados “libertários”, que estão equivocados e prejudicando-se ao fazê-lo[5].

É uma coisa reconhecer a necessidade de uma fundação filosófica objetiva em defesa da liberdade, ainda que inseguro ou mesmo não concordando nos detalhes de tal fundação; outra coisa é negar a necessidade de tal fundação. Se os defensores da liberdade reconhecem a necessidade, mas discordam quanto á natureza da fundação, vamos dialogar! É exatamente esse o diálogo que devemos ter. Evitemos, todavia, misturar aqueles que reconhecem tal fato com os que não o fazem. O capitalismo radical é uma coisa; o libertarianismo, outra, totalmente diferente.

Nada disso implica dizer que capitalistas radicais e libertários nunca deveriam trabalhar juntos. Pode ser perfeitamente uma questão de princípio a de que os capitalistas radicais trabalhem com os libertários, sempre que ao fazê-lo não esquecem as diferenças entre essas ideologias. Se o objetivo de uma concessão é moralmente legítimo – digamos, educar libertários para a necessidade da filosofia em defesa da liberdade, ou encorajar pessoas a pedir a seus representantes políticos que apoiem a revogação de quais leis que afetem os direitos – e se os capitalistas radicais não fizerem nenhuma concessão ao fato de que a filosofia é necessária à defesa da liberdade, unir-se aos libertários pode ser muito bom. (Falei duas vezes em convenções do SFL, em que discuti a defesa moral e filosófica da liberdade. Continuarei o diálogo com os libertários que estiverem dispostos a ouvir.).

Estamos em meio a um conflito crucial pela liberdade – liberdade para viver nossas próprias vidas e perseguir nossa própria felicidade de acordo ao nosso próprio julgamento. Nossos inimigos – com suas filosofias ardentes – tem como objetivo acabar com a liberdade. Alguns querem, na prática, acabar conosco. Mas essa não é uma batalha para pessoas que se negam a discutir a filosofia. É uma batalha para quem insiste falar nela.

Adote e discuta filosofia. Seja uma capitalista radical!

__________________________________________

Tradução e revisão por Matheus Pacini

Publicado originalmente em The Objective Standard.

Curta a nossa página no Facebook.

Inscreva-se em nosso canal no YouTube.

__________________________________________


[1] HERBERT, Auberon, The Right and Wrong of Compulsion by the State, and Other Essays, Indianapolis: Liberty Classics, 1978, p. 383–84.

[2] RAND, Ayn. Letters of Ayn Rand, edited by Michael S. Berliner. New York: Dutton, 1995. p. 257–58.

[3] Rand se denominava uma “radical pelo capitalismo”. A expressão “capitalismo radical” é, de certa forma, redundante, mas é uma redundância proveitosa, pois enfatiza a necessidade de defender a liberdade pela referência aos fundamentos filosóficos. Entre outras redundâncias, incluem “egoísmo racional”, “direitos individuais” e “capitalismo laissez-faire”.

[4] Essa falácia foi primeiro identificada por Ayn Rand. Veja Rand, “Philosophical Detection,” in Philosophy: Who Needs It. New York: Signet, 1984. p. 22.

[5] Essa falácia foi primeiro identificada por Ayn Rand. Veja Rand. “How to Read (and Not to Write),” in The Ayn Rand Letter, vol. 1, no. 26, set 25, 1972.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Inscreva-se na nossa Newsletter