Podemos esperar algo positivo da super-utilização do termo “negacionismo”, com toda evidência dada ao termo? A sociedade está preparada para ser objetiva, sendo cem por cento científica?
Em dezembro de 2019, surgiram as primeiras notícias sobre um surto de casos de doenças respiratórias na cidade de Wuhan, província de Hubei, na China. Após mais de um mês, a Organização Mundial de Saúde (OMS) declarava que a COVID-19 um surto, classificando a doença como emergência de saúde global. Em 11 de março de 2020, já a declarava uma pandemia global, algo que não ocorria desde 2009, com a H1N1. A partir daí, todos conhecem a história.
Passado um ano do primeiro caso confirmado, iniciaram-se os primeiros testes de vacinas contra a SARS-CoV-2, sob inúmeras críticas, desconfianças, discussões, ceticismo, pesquisas, expectativas e, por que não, esperança. Em meio a esse turbilhão de sentimentos e apreensão, o termo “negacionista” tomou conta dos debates (ou melhor, bate-bocas).
Mas, qual é a definição de negacionismo? É um sistema que nega o conhecimento técnico e objetivo, fundamentado em evidências, argumentos lógicos e premissas embasadas. Sendo assim, espera-se algo positivo desse debate. Combater os negacionistas levará, naturalmente, a um interesse maior por uma filosofia diametralmente oposta ao negacionismo: o Objetivismo, de Ayn Rand.
Para Rand, o pesquisador deveria estar comprometido com a busca da verdade, armado da razão, da lógica, dos fatos da realidade – os dados brutos colhidos da natureza. Tudo aquilo que as pessoas que gritam “negacionistas” desejam, certo? Talvez. Mas, o que fazer quando “fatos” sociais, que o coletivo diz ser a verdade, contradizem os dados brutos? Ou seja, quando eles contradizem a realidade? Pela lógica dos não negacionistas, os dados sociais deveriam ser revistos, e não os fatos. Porém, é comum “selecionar” fatos da realidade que lhe convém, fora de contexto, gerando contradições nas falas, pensamentos e atitudes. Não seria essa seletividade o mesmo lado da moeda do negacionismo?
Cântico, escrito em 1937 por Rand, ilustra um futuro distópico, dominado por um governo mundial autoritário, em que os aspectos sociais do coletivo sobrepõem o brilhantismo da realidade objetiva, individual. E este é o primeiro problema do coletivismo: tentar moldar a realidade de acordo com as necessidades.
Os fatos devem ser compreendidos ou negados, já que não são mera questão de opinião, não podendo serem simplesmente aceitos ou rejeitados. E este é exatamente o ponto central da discussão. Pois, compreendidas as premissas básicas da metafísica[1], calcada na realidade objetiva, e da epistemologia[2], baseada na razão, qualquer pessoa que adote outra perspectiva ou não esteja sendo racional está negando a razão. Negar a razão é negar a realidade; negar a realidade é negar a existência; negar a existência, por definição, é negacionismo.
Isso não quer dizer que algo não deva ser contestado. Longe disso. O centro da discussão é justamente a busca da verdade através da objetividade dos fatos, e não a opinião de alguém. Afinal, não queremos ter um “Conselho de Eruditos” como no romance, o qual afirma “que não existem mistérios e que eles sabem de todas as coisas”, de tal modo que as coisas que eles não conhecem, não existem.
Assim, além do aumento do foco na ciência, outro benefício do avanço do Objetivismo contra o misticismo do negacionismo seria enfraquecer o coletivismo. Mas, qual é o problema do coletivismo nesse contexto? É o efeito colateral que surge da fusão do “Eu” ao coletivo. Ao abdicar de sua individualidade, fundindo-se a um bloco, os conceitos de personalidade, de ego[3], são extirpados do ser humano, inclusive os meios para pensar como indivíduo.
E isso tem tudo a ver com o negacionismo. No coletivismo, a racionalidade é eliminada da vida das pessoas. Existem processos, mas não questionamentos. Ao cercear por completo o pensamento individual, acaba a liberdade.
Não existe razão coletiva, por isso o perigo do coletivismo. Pessoas racionais devem refletir sobre suas ações. Indo além, devem também refletir sobre a sua “falta de ação”, pois esta também é uma decisão racional. Historicamente, isentar-se de algo, na maioria das vezes, serve de “muleta” para quem tenta se eximir da responsabilidade pelos resultados obtidos. Nestes momentos, como faz falta a palavra “accountability[4]” em nosso vocabulário!
Talvez este seja o ponto-chave do ato de “não fazer nada”, delegando a tomada de decisão para o grupo ou o coletivo: o fato de não agir, por si só, é uma tomada de decisão; não existe transferência de culpa; deixar de agir quando necessário é negacionismo.
Por fim, outro fator crítico do coletivismo negacionista, também muito bem ilustrado na obra de Rand, está em uma de suas premissas básicas: deve haver uma concordância geral. Mas como é impossível para nós sabermos se nossos pensamentos são os mesmos que os dos demais, todos temem falar, pensar, ousar, inovar, criar. Permitem que o erro, que o falso se perpetue.
Assim, o futuro e a prosperidade são condenados, pois criações são resultados das mentes individuais de seus criadores e novas teorias são resultados dos pensamentos individuais de questionadores. Curiosidade e questionamento não podem ser vistos como maldições. O uso indiscriminado do termo “negacionismo” não pode enfraquecer a busca pelo desenvolvimento.
A evolução da sociedade depende de pessoas excepcionais nas mais variadas áreas e da premissa do livre curso da mente. Estes fatores encontram-se apenas em ambientes em que o pensamento e a vontade individual são preservados e incentivados. Este ambiente em que a liberdade impera é fundamental e simples de obter, uma vez que não há nada capaz de tirar a liberdade de uma pessoa, exceto outra. É preciso respeitar e permitir que cada indivíduo tenha seu próprio ego intocado e imaculado.
“Juntaremos nossas forças quando desejarmos, mas andaremos sozinhos quando assim quisermos.[5]”
Mini-bio: Layan Landgraf Gonzalez, graduado em Engenheira de Produção pela UFSCar, pós-graduado em Economia e Finanças Corporativa pela FGV/EESP e com MBA pela University of Virginia Darden School of Business. Especialista em M&A e Estratégia Corporativa, atualmente trabalha em um Fundo de Private Equity.
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Revisado por Roberta Contin e Matheus Pacini.
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[1] A metafísica busca responder “o que existe?” e trabalha com três axiomas básicos (i) a própria existência, (ii) a consciência, que é a compreensão da existência, e (iii) a identidade.
[2] A epistemologia busca responder “como posso saber?”.
Nota: estes são dois dos três pilares da filosofia Objetivista, sendo o terceiro a ética, que busca responder “o que devo fazer?”, baseada no interesse próprio, no egoísmo racional.
[3] Ego no sentido original da palavra do latim, o “eu de cada um”.
[4] O termo engloba um conceito de responsabilidade ética, remetendo à obrigação e transparência com relação às decisões tomadas e, por consequência, os resultados ou impactos diretos e indiretos destas decisões.
[5] RAND, Ayn. Cântico, Vide Editorial, 2a Edição. 2019. p. 119