Ayn Rand sobre Aristóteles

Se existe um Atlas na Filosofia que carrega toda a civilização ocidental em seus ombros, ele é Aristóteles.  Ele foi refutado, mal interpretado, desvirtuado e – como um axioma – utilizado por seus inimigos na própria tentativa de negá-lo. Qualquer progresso intelectual alcançado pela humanidade está embasado em suas realizações.

Aristóteles pode ser considerado o barômetro cultural da história do Ocidente. Toda vez que sua influência dominou a cena, pavimentou o caminho para uma das épocas brilhantes da história; sempre que saiu de cena, a humanidade sofreu. O ressurgimento aristotélico do século XIII levou os homens ao Renascimento. A contrarrevolução intelectual os jogou de volta na caverna de seu oponente: Platão.

Há apenas uma questão fundamental na filosofia: a eficiência cognitiva da mente do homem. O conflito Aristóteles versus Platão equivale ao conflito razão versus misticismo. Foi Platão quem formulou a maioria das questões básicas – e dúvidas – da Filosofia. Foi Aristóteles quem lançou as bases para a maioria das respostas. A partir de então, o histórico desse duelo corresponde à longa luta do homem para negar e se render – ou defender e garantir – a validade de seu tipo particular de consciência.[1]

A filosofia de Aristóteles equivale à Declaração de Independência do intelecto. Aristóteles, o pai da Lógica, deveria receber o título de primeiro intelectual do mundo, no sentido mais puro e nobre da palavra. Independentemente de quaisquer resquícios de platonismo presentes no  sistema de Aristóteles , sua conquista incomparável reside no fato de ele ter definido os princípios básicos de uma visão racional da existência e da consciência do homem: que há somente uma realidade, aquela percebida pelo homem; que ela existe como um absoluto objetivo (isto é, independente da consciência, dos desejos ou dos sentimentos de qualquer observador); que a tarefa da consciência humana é perceber – e não criar – a realidade; que abstrações são o método do homem para integrar seu material sensorial; e que a mente do homem é sua único meio de conhecimento; e que A é A.

Se considerarmos o fato de que até hoje tudo o que nos torna seres civilizados, todo valor racional que possuímos – incluindo o nascimento da ciência, a Revolução Industrial, a fundação dos Estados Unidos, e até mesmo a estrutura de nossa linguagem – é resultado da influência de Aristóteles, na medida em que, explícita ou implicitamente, a sociedade aceitou seus princípios epistemológicos, teríamos que dizer: nunca tantos deveram tanto a um só homem.[2]

Aristóteles é o defensor deste mundo e da natureza contra o supernaturalismo de Platão. Negando o Mundo das Formas de Platão, Aristóteles afirma que existe apenas uma realidade: o mundo dos particulares em que vivemos, onde os homens percebem através de seus sentidos físicos. Os universais, afirma ele, são apenas aspectos de entidades existentes, arquivados no pensamento por um processo de atenção seletiva; eles não têm existência separado dos particulares. A realidade é composta não de abstrações platônicas, mas de entidades concretas e individuais, cada qual com uma natureza definida, obedecendo às leis inerentes à sua natureza. O universo de Aristóteles é o universo da ciência. O mundo físico, em sua visão, não é uma projeção sombria controlada por uma dimensão divina, mas sim um domínio autônomo e autossuficiente. É um reino ordenado, inteligente e natural, aberto à mente do homem.

Em tal universo, o conhecimento não pode ser adquirido através de revelações especiais vindas de outra dimensão; não há espaço para intuições indescritíveis do além. Repudiando os elementos místicos da epistemologia de Platão, Aristóteles é o pai da Lógica e o defensor da razão como o único meio de conhecimento do homem. O conhecimento, sustenta ele, deve ser baseado e derivado dos dados da experiência sensorial; deve ser formulado em termos de conceitos objetivamente definidos; deve ser validado por um processo lógico.[3]

Indicando que os primeiros cientistas haviam descartado Aristóteles em protesto contra seus intérpretes religiosos, o professor Randall indica que suas realizações científicas tinham, de fato, uma base aristotélica não reconhecida, provando as implicações das teorias de Aristóteles. [4]

Vale a pena observar a diferença radical entre a visão aristotélica e visão objetivista dos conceitos, particularmente no que diz respeito a questão das características essenciais.

É Aristóteles quem primeiro formulou os princípios da definição correta. É Aristóteles quem identificou o fato de que apenas concretos existem. No entanto, Aristóteles sustentou que definições se referem a essências metafísicas, que existem em concretos como um elemento especial ou poder formativo, garantindo que o processo de formação de conceito depende de um tipo de intuição direta que permite à mente humana compreender essas essências e formar conceitos.

Aristóteles considerou a origem da “essência” como metafísica; o Objetivismo a considera epistemológica.[5]

Para Aristóteles, a vida plena é a vida de realização pessoal. O homem deve apreciar os valores desse universo. Utilizando sua mente ao máximo, cada homem deve trabalhar para atingir sua própria felicidade aqui na Terra.  E no processo, deve estar consciente de seu próprio valor. Orgulho, escreve Aristóteles – um orgulho racional de si próprio e de seu caráter moral – quando conquistado equivale à “rainha de todas as virtudes”.

Um homem orgulhoso não nega sua própria identidade. Ele não se anula de maneira altruísta na comunidade.  Ele não é um bom súdito para o estado platônico.

Apesar dos escritos de Aristóteles incluírem críticas às caraterísticas mais extremas do coletivismo de Platão, Aristóteles não é um defensor consistente do individualismo político. Sua política pessoal é uma mistura de elementos pró e contra o estado. Mas o significado primordial de Aristóteles, ou de qualquer filósofo, não está em sua Política. Reside, sim, nos fundamentos de seu sistema, sua metafisica e epistemologia. [6]

Ao longo da história, a influência da filosofia de Aristóteles (particularmente de sua epistemologia) levou na direção da liberdade individual, da libertação do homem do poder do Estado… Aristóteles (via John Locke) foi o pai filosófico da Constituição dos Estados Unidos e, portanto, do capitalismo… são Platão e Hegel, e não Aristóteles, os ancestrais filosóficos de todos os estados totalitários e assistencialistas, sejam estes de Bismarck, de Lênin ou de Hitler. [7]

Não há futuro para o mundo, exceto através do renascimento da abordagem aristotélica da Filosofia. Isso exigiria uma afirmação aristotélica da realidade da existência, da soberania da razão, da vida na Terra- e do esplendor do homem.

Aristóteles e Ayn Rand concordam em fundamentos e, consequentemente, também neste último ponto. Ambos sustentam que o homem pode lidar com a realidade, atingir valores e viver de maneira não trágica. Nenhum dos dois acredita na tese de um homem-parasita ou homem-monstro, cada um defende o homem como pensador e, portanto, como herói. Aristóteles o chama de “o homem de alma grande.” Ayn Rand o chama de Howard Roark, ou de John Galt.[8]

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Publicado em Ayn Rand Lexicon.

Traduzido por Carmen U.

Revisado por Matheus Pacini.

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[1] RAND, Ayn. “Review of J. H. Randall’s Aristotle,” The Objectivist Newsletter, Maio 1963, p. 18.

[2] RAND, Ayn. “For the New Intellectual,” For the New Intellectual, p. 22.

[3] PEIKOFF, Leonard. The Ominous Parallels, p. 29.

[4] RAND, Ayn. “Review of J. H. Randall’s Aristotle,” The Objectivist Newsletter, Maio 1963, p. 18.

[5] RAND, Ayn. Introduction to Objectivist Epistemology. p. 52.

[6] PEIKOFF, Leonard. The Ominous Parallels, p. 30.

[7] RAND, Ayn. “Review of J. H. Randall’s Aristotle,” The Objectivist Newsletter, Maio 1963, p. 20.

[8] PEIKOFF, Leonard. The Ominous Parallels, p. 311.

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