Alguns insights da obra – Filosofia: quem precisa dela (Ayn Rand)

Paráfrase baseada em textos da filósofa e romancista Ayn Rand (1905-1982)

A filosofia estuda os aspectos fundamentais da existência e do homem, e a relação do homem com a existência, da qual forma parte. Diferente das ciências, que se ocupam de aspectos particulares, a filosofia lida com os aspectos do universo que pertencem a tudo o que existe.

A filosofia caracteriza um sistema que estabelece as premissas fundamentais nas quais se apoia o pensamento humano.

Ilustrando o papel da filosofia no campo do conhecimento, podemos dizer que as ciências são as árvores, enquanto que a filosofia é o solo que torna a floresta possível.

A filosofia não responde a questões referidas aos particulares, mas estabelece marcos de referência fundamentais que condicionam as possíveis respostas.  O estudo destes grandes interrogantes sobre a natureza como tal constitui a primeira rama da filosofia, chamada metafísica.

  1. Metafísica

Dependendo de que filosofia se trate, teremos diferentes respostas para certos questionamentos. Por exemplo:

  • Estamos em um universo estável, firme, absoluto, regido por leis naturais, cognoscível ou em um caos incompreensível, imprevisível, um reino de milagres inexplicáveis, sendo nossa mente impotente para entendê-lo?
  • As coisas que percebemos são reais ou são apenas ilusões?
  • As coisas existem independentemente de qualquer observador ou são criadas por ele?
  • As coisas são o que são ou podem mudar de acordo com ações de nossa consciência, como vontade, desejo, etc.
  • É possível, para alguma coisa, ser e não ser ao mesmo tempo? É possível contradições no universo que vivemos?

Dependendo de quais alternativas aceitemos, será muito diferente o conteúdo de nossas idéias, pensamentos, sentimentos e ações (e, portanto, de nosso destino).

Além disso, na aceitação de qualquer ideia ou crença, precisamos de uma capacidade fundamental que nos permita distinguir se essa alternativa é verdadeira ou falsa. Qual é a credibilidade das ideias em que acreditamos, e em que se fundamentam? Isto é assunto da segundo ramo da filosofia, chamada epistemologia.

  1. Epistemologia

Quaisquer que sejam as respostas que aceitemos, mesmo com respeito a outros assuntos, teremos necessidade de responder uma pergunta importante: como sabemos qual é a resposta certa? Como sabemos o que é verdadeiro ou falso?

Para tanto, precisamos descobrir o que é conhecimento, como se chega a ele, e provar a validade de nossas conclusões. As perguntas seguintes (e suas respostas) pertencem à teoria do conhecimento, a qual estuda a natureza, origem e validade do conhecimento humano. Este campo se ocupa das alternativas básicas como, por exemplo:

  • O conhecimento é possível ou é tão só mera aparência?
  • O homem adquire conhecimento por um processo de razão ou por súbitas revelações de um poder sobrenatural?
  • A razão é uma faculdade que identifica e integra o material fornecido pelos sentidos ou é alimentada por ideias inatas, implantadas na mente humana antes mesmo dele nascer?
  • A razão é competente para perceber a realidade ou o homem possui outra faculdade cognitiva, superior à razão?
  • O homem pode ter certeza ou está condenado à eterna dúvida?
  • Podemos confiar no material fornecido pelos sentidos ou eles nos enganam?

A extensão de nossa autoconfiança (e de nosso sucesso) será bem diferente, dependendo de quais alternativas aceitemos.

Os ramos da filosofia tratados até aqui são seu fundamento teórico. O terceira ramo (a ética), pode ser considerada sua tecnologia.

  1. Ética

A ética define um código de valores para o homem, que serve para guiar suas escolhas e ações: as escolhas e ações que determinam o propósito e curso de sua vida.

A ética não se aplica a tudo o que existe, somente ao homem.  Mas, se aplica a todos os aspectos da vida humana: caráter, valores, ações, e sua relação com o resto da existência.

As considerações éticas dependem fortemente de nossa posição com respeito às primeiras alternativas básicas.  De acordo com nossas escolhas, responderemos de forma diferente a questionamentos como os seguintes:

  • O homem é livre, tem possibilidade de escolha ou é comandado por alguma força externa poderosa?
  • O homem poder conduzir seu destino ou este já está pré-fixado?
  • O homem é um ser racional, capaz de lidar com a realidade ou é um pobre coitado, necessitado de ajuda?
  • O sucesso e a felicidade são possíveis nesta Terra ou estamos condenados a contínuas falhas, e a mergulhar em recorrentes desastres?

Dependendo das respostas, podemos nos adentrar mais ainda no campo ético:

  • O que é bom ou ruim para o ser humano e por quê?
  • Qual deveria ser o interesse primário do homem: a conquista da felicidade ou o afastamento da dor?
  • O objetivo da vida humana devia ser sua autossatisfação ou talvez sua autodestruição?
  • O homem deveria perseguir seus próprios valores, sua própria felicidade ou o autossacrifício e o interesse dos outros deveria estar em primeiro lugar?

As respostas éticas determinam como o homem deve tratar os outros homens, e isto, por sua vez, determina o quarto ramo da filosofia: a política.

  1. Política

Esta parte da filosofia define os princípios do sistema social, incluindo as funções apropriadas do governo.

A política se apóia na ética: é uma aplicação da ética às questões sociais. Por sua vez, a ética é baseada na metafísica e na epistemologia. Por isso, a política não é um sistema primário (isto é, válido para qualquer sistema político: as diferenças entre os sistemas propostos decorrem de divergências anteriores na sua base filosófica).

A pergunta chave nessa matéria é: qual tipo de sociedade está de acordo com os princípios de moralidade, ou avançando mais um pouco ainda: qual tipo de sociedade está de acordo com os requerimentos da vida humana?

O quinto ramo da filosofia, que se refere ao campo da arte, é a chamada estética.

  1. Estética

A estética é o estudo da arte, sendo esta uma necessidade da consciência humana. Da mesma forma que a política, não é um sistema primário; está apoiada na metafísica, na epistemologia e na ética.  A estética tem maior abrangência do que a política, por estar originada e relacionada diretamente com a metafísica.

A estética pergunta: o que é a arte? Qual é seu papel na vida humana? Há critérios para julgar uma obra de arte? Se sim, quais são eles?

Para que serve a filosofia?

Alguns podem dizer (e muitos dizem): “Muito bem, nunca penso em termos tão abstratos como esses. Apenas estou interessado nos problemas da vida, particulares e concretos. De que me serve a filosofia?”

A resposta mais simples e direta é a seguinte: serve para ser capaz de lidar com os problemas – particulares e concretos – da vida, para ser capaz de viver na Terra!

Alguns podem dizer (e muitos dizem): “a filosofia não tem, e nunca teve, a menor influência sobre mim”.

Convido o leitor a verificar a validade dessa alegação.

Alguma vez você pensou ou disse algo como:

  1. “Não esteja tão certo, ninguém pode estar certo de nada”. Você pegou esta noção de David Hume (e muitos outros), mesmo que nunca tenha nem ouvido falar dele.
  2. “Isto pode ser bom em teoria, mas não funciona na prática”. Você pegou isso de Platão.
  3. “Isso foi ruim de se fazer, mas, é apenas humano, ninguém é perfeito neste mundo”.  Você pegou isso de Agostino.
  4. “Isso pode ser verdadeiro para você, mas não para mim”. Você pegou isso de William James.
  5. “Não posso evitá-lo. Ninguém pode evitar fazer algumas coisas”.  Você pegou isso de Hegel.
  6. “Não posso prova-lo, mas sinto que isso é verdadeiro”.  Você pegou isso de Kant.
  7. “É lógico, mas a lógica não tem nada a ver com a realidade”.  Você pegou isso de Kant.
  8. “É mau, porque é egoísta”.  Você pegou isso de Kant.
  9.  Aja primeiro, pense depois”. Você pegou isso de John Dewey.
  10. “Sim, disse algumas dessas coisas, porém, isso não significa que acredito nelas o tempo todo. Pode ter sido verdade ontem, mas, não é mais hoje”.  Você pegou isso de Hegel.
  11. “Consistência é o anjo da guarda das mentes pequenas”. Você pegou isto da mente pequena de Emerson.
  12. “Mas, a gente pode adotar idéias de diferentes filosofias, conforme a necessidade do momento”.  Você pegou isso de Richard Nixon (quem, por sua vez, pegou a idéia de William James).

Pergunte-se sinceramente: se não estou nem um pouco interessado em filosofia, nem em ideias abstratas, porque estou usando-as?

Ideias abstratas são integrações conceituais, incluindo um grande número de concretos. Sem ideias abstratas, não seríamos capazes de lidar com os problemas concretos da vida.  Estaríamos na situação de um bebê, para quem cada objeto é um fenômeno sem precedentes. A diferença entre o estado mental do bebê e do adulto expressa-se no número de integrações mentais que a mente do adulto realiza.

Você não tem escolha sobre a necessidade de integrar observações, experiência, e conhecimento sob a forma de ideias abstratas, ou seja, em princípios. A única escolha consiste em adotar princípios verdadeiros ou falsos – que podem representar convicções racionais e conscientes ou ser um apanhado de noções selecionadas ao acaso, cujas fontes, validade e consequências são desconhecidas (com frequência, são noções que, se você conhecesse seu significado e implicações, destacaria automaticamente).

Além disso, os princípios adotados não podem ser contraditórios: eles precisam ser integrados.  O que é que integra esses princípios? A filosofia.

Um sistema filosófico é uma visão integrada da existência. Os seres humanos não têm escolha sobre a necessidade da filosofia. Todo o mundo “tem” uma filosofia. A única diferença (a única escolha), consiste em definir nossa filosofia através de um processo de pensamento consciente, racional, disciplinado, seguindo regras lógicas ou deixar rolar um processo comandado difusamente pelos outros e pelas nossas emoções, semiconsciente, com a razão fraca ou ausente, e chegar a conclusões sem garantia, falsas generalizações, contradições indefinidas, slogans não digeridos, desejos não identificados, dúvidas e medos, tudo aglomerado sem nexo, de forma  incoerente.

A consciência é como um computador que integra nossas ideias, e é comandado por nós mesmos. O programador último é a filosofia.

As emoções

As emoções, longe de serem um fato primário, como muitos consideram, são resultado de nossa visão fundamental da vida, a qual determina quais valores e emoções teremos como consequência. Muito menos ainda são elas um instrumento cognitivo (apesar de serem utilizadas como se assim fossem, por muita gente).

De acordo com uma visão amplamente difundida, os elementos emocionais da natureza humana não permitem que o ser humano norteie sua vida por considerações racionais e lógicas. A razão é considerada impotente para penetrar no mistério dos sentimentos e emoções, segundo os emocionalistas.

Ser conduzido pelas emoções é como programar um computador sem conhecer sua saída. Não se sabe se o programa é correto ou não, se leva ao sucesso ou à destruição, se serve aos objetivos desejados, ou não. Há sérias limitações no contato com o mundo externo (apreensão da realidade), e também no mundo interno (conhecimento das próprias motivações), acompanhadas por um crônico terror de ambos.

O homem menos interessado em filosofia, é quem mais precisa dela.

Ele está à mercê da filosofia dominante, da atmosfera cultural em que vive, da televisão, dos jornais, das revistas, das escolas, das universidades, das igrejas, dos formadores de opinião, dos jornalistas, dos políticos, etc.  Quem estabelece o “tom” de uma cultura é uma pequena minoria de filósofos. Outros seguem sua liderança, muitas vezes sem saber, às vezes por convicção, às vezes por omissão.

Durante mais de 200 anos, sobre a influência de Immanuel Kant, a tendência dominante na filosofia têm sido direcionada a um simples objetivo: a destruição da mente humana, de sua confiança no poder da razão. Hoje assistimos ao clímax dessa tendência.

Quando o homem abandona a razão, descobre não só que as emoções não servem como guia, senão, que uma emoção passa a ter um papel dominante: o terror.

A grande difusão do consumo de drogas é um forte indicador do estado mental de muitas pessoas, com seus meios de cognição seriamente afetados, que procuram fugir da realidade e do terror gerado pela sua impotência para lidar com ela.

Muitos jovens têm medo de sua própria individualidade, da sua independência, haja vista a desesperada necessidade de “pertencer” a algum grupo ou “tribo”. Eles nunca deram a mínima para filosofia, mas, sentem a necessidade de respostas fundamentais para perguntas que não sabem fazer, e tem a esperança de que a tribo lhes ensine como viver. Eles estão prontos para serem cooptados por qualquer religião, guru ou ditador de turno.

Uma das coisas mais perigosas que um homem pode fazer é entregar sua autonomia moral aos outros.

Estudar filosofia

Agora você pode perguntar: se a filosofia pode ser tão danosa, por que e para que estudá-la?

A resposta é: para a defesa da verdade, da justiça, da liberdade, de qualquer coisa que represente valor para você, ou seja; como autodefesa.

Nem todas as filosofias são danosas (mas, as filosofias hoje dominantes, são).

Por outro lado, na base de cada realização de nossa civilização, na raiz de cada valor que usufruímos hoje, tal como as ciências, a tecnologia, o progresso, a liberdade, acharemos as contribuições de um homem que viveu 2500 anos atrás: Aristóteles.

Se você sente tédio ao tentar estudar as virtualmente ininteligíveis teorias de alguns filósofos, você tem minha simpatia. Mas, se você disser: “para que vou estudar essa coisa, se eu sei que não faz sentido?” Neste caso, você está errado.  A coisa é sem sentido mesmo, mas você não “sabe” ainda.  Especialmente quando você aceitou muitas de suas conclusões sem saber sua origem e, sobretudo, se você for incapaz de refutá-las.

A batalha dos filósofos é uma batalha pela mente humana: ao não entender as suas teorias, você fica vulnerável a pior delas. A melhor forma de estudar filosofia é encarar a tarefa como uma história policial: siga cada pista para descobrir quem é o assassino.

O critério de detecção consiste em duas questões: Como e por quê?

Se alguma coisa parece verdadeira: por quê? Ou mesmo se parecer falsa.

Nada é concedido ao homem automaticamente, nem conhecimento, nem autoconfiança, nem serenidade, nem o correto uso de sua mente.

O treino filosófico oferece ao homem a postura intelectual adequada, o controle orgulhoso de sua mente.

No mundo de hoje, dominado pela filosofia pós-kantiana, é de fundamental importância entender a natureza do inimigo. Após os eventos de 11 de setembro, é muito comum ouvir a pergunta: onde foi que erramos?

Os ataques não se devem aos nossos erros, senão às nossas virtudes. Não é nossa fraqueza que foi atacada, senão nossa força e competência.  A motivação principal é o ódio: ódio a tudo que a civilização ocidental representa: razão, respeito pelos direitos individuais, liberdade, realização, submissão das religiões ao estado, direitos iguais para as mulheres, livre mercado, tolerância religiosa, ciências, tecnologia, felicidade, amor, vida. São coisas como estas que eles não toleram.

Em termos filosóficos, os Estados Unidos representa a refutação viva de um universo kantiano.  As declaradas preocupações pelos necessitados, pelos famintos, pelos fracos, pelos que sofrem, é uma cobertura do ódio kantiano pelos que são fortes, capazes, bem sucedidos, virtuosos, confiantes, felizes.

Uma filosofia orientada para a destruição é necessariamente uma filosofia de ódio pelo homem, pela vida, e pelos valores humanos. Ódio pelo que é bom, porque é bom.

Uma batalha deste porte requer armas adequadas.  Só a filosofia pode fornecê-las.

Identificação filosófica

Dissemos acima que a melhor forma de estudar filosofia é encarar a tarefa como uma história policial. Um detetive policial deve descobrir a verdade sobre um determinado crime. Um detetive filosófico deve descobrir a verdade ou falsidade de um sistema abstrato. Dessa forma, teremos condições de avaliar seus méritos. Um detetive deve saber o que está procurando, deve saber que o conhecimento humano tem uma estrutura hierárquica, e deve aprender a distinguir o que é fundamental, do que é derivativo.

Na pesquisa de qualquer sistema, o que importa, sobretudo, é o fundamental.  Se a base não se sustenta, o resto segue o mesmo caminho.

Em filosofia, os fundamentos são a metafísica e a epistemologia. Na base de um universo cognoscível, usando a faculdade racional para entendê-lo, é possível definir propriamente a ética, a política e a estética. E mesmo no caso de ter cometido algum erro, temos o marco de referência necessário para corrigi-lo.

  • O que aconteceria se fossemos a favor da honestidade na ética, enquanto sustentamos que não existe tal coisa como verdade, fato ou realidade?
  • Ou ser a favor da liberdade política, na base de que você sente que isso é bom, se por acaso você encontra alguém que sente diferente?
  • O erro mais comum com referência à filosofia é a tendência a aceitar consequências, enquanto se ignoram as causas; considerar uma longa sequência de pensamentos como se fosse um dado autoevidente, irredutível e primário, enquanto se negam suas precondições.

Temos muitos exemplos disso, especialmente, na política.  Há liberais que são a favor da liberdade individual, enquanto negam sua fonte: os direitos individuais. Há religiosos conservadores que são a favor do capitalismo, enquanto negam sua fonte: a razão. Há libertários que são a favor da teoria objetivista da política, enquanto rejeitam a metafísica, a epistemologia e a ética na qual se baseia.

O detetive filosófico deve lembrar que o único autoevidente é o material fornecido pelos sentidos, e que um primário irredutível é um fato que não pode ser analisado, separado em partes nem, muito menos, derivado de fatos antecedentes.

Ao estudar qualquer ideia, devemos verificar se se refere a um fato primário ou não; caso não, cabe a pergunta: de que outros fatos ela depende? Se, nesse processo, uma ideia contradiz um primário, então é falsa.

Exercícios

Qualquer pessoa que tentasse traduzir suas noções de senso comum diria que o mundo que ele percebe é real (a existência existe); que as coisas são o que são (lei da identidade); que a razão é o único meio de obter conhecimento; e que a lógica é o método para usar a razão.

Assim sendo, podemos fazer um exercício para ilustrar como poderia atuar o nosso detetive:

“Pode ser verdadeiro para você, mas não para mim”.

Qual é o significado do conceito “verdade”? Verdade é o reconhecimento dos fatos, o reconhecimento do que é. A mesma coisa não pode ser verdadeira e falsa ao mesmo tempo e ao mesmo respeito.

Tal racionalização, por conseguinte, quer dizer:

  1. Que a lei de Identidade é falsa,
  2. Que não existe tal coisa como “realidade”, ou
  3. Que o debatedor está em outro universo (nesse caso, o diálogo é impossível).

O propósito dessa racionalização é a destruição da objetividade.

“Não esteja tão certo, ninguém pode estar certo de nada”.

(Para começar, essa racionalização também se aplica a quem a emitiu, portanto, ele mesmo não está certo do que disse). Vemos que ela é falsa por ser autocontraditória, ao declarar com certeza que ninguém pode estar certo. Esta racionalização afirma conhecer que o conhecimento é impossível para o ser humano! 

Uma grave consequência dessa racionalização consiste em que, se ninguém pode estar certo de nada, qualquer um pode estar certo do que quiser (já que ninguém pode refutá-lo), sendo esse um dos propósitos dessa nefasta racionalização.

O marco de referência da realidade foi eliminado: está pavimentado o caminho para qualquer tipo de violência.

“Isto pode ser bom em teoria, mas não funciona na prática”.

O que é uma teoria? É um conjunto de princípios abstratos que tem o propósito de descrever a realidade, ou estabelecer padrões ou linhas de atuação para o ser humano.  Correspondência com a realidade é o padrão de julgamento para avaliar uma teoria. Se uma teoria não se aplica à realidade, quais seriam os padrões de julgamento para considerá-la “boa”?

Se tal racionalização for aceita, isso pode significar:

  1. Que a atividade da mente humana não está relacionada com a realidade, ou
  2. Que o propósito do pensamento não é adquirir conhecimento, nem servir de guia para nossas ações.

O propósito dessa racionalização é invalidar a capacidade conceitual do ser humano.

“É lógico, mas a lógica não tem nada a ver com a realidade”.

Lógica é a arte de identificar sem contradições. A lógica se apóia na lei de Identidade e seus corolários. Se a lógica não tiver nada a ver com a realidade, significa que a lei de Identidade é inaplicável. Desta forma temos as seguintes possibilidades:

  1. As coisas não são o que são,
  2. As coisas podem ser e não ser ao mesmo tempo, e ao mesmo respeito (a realidade aceita contradições).

Assim sendo: através de que meios podemos descobrir as coisas?  Por meios ilógicos.

O verdadeiro significado dessa racionalização é que quem a pronuncia declara que ele mesmo não quer saber nada de lógica (ou da realidade).

A maioria das pessoas que pronuncia essas racionalizações geralmente tem apenas uma vaga idéia do que está dizendo, e desconhece seu alcance e suas implicações. De modo geral, são usadas com referência a algum caso particular, e a pessoa não tem a menor consciência de que está fazendo uma devastadora declaração metafísica.

Quando dizem: “pode ser verdadeiro para você, mas não para mim”, na verdade querem dizer coisas como: “você pode gostar, mas eu não gosto”.  O que está na raiz deste tipo de confusão é a ideia não questionada de que as emoções e valores pessoais são elementos primários.

Quando as pessoas ouvem a racionalização “pode ter sido verdadeiro ontem, mas não é verdadeiro hoje”, fazem referência à moda, costumes, ou coisas do tipo. Contudo, os que não descobriram ainda a diferença entre o metafísico e o feito pelo homem são incapazes de refutar conclusões como: “a liberdade foi um valor ontem, mas não é mais hoje”; ou “o trabalho foi uma necessidade humana ontem, mas não é mais hoje”; ou “a razão foi um valor ontem, mas não é mais hoje”.

Respeito pelos conceitos usados

Observe o método usado nestes exemplos: é preciso definir de forma clara e inequívoca o significado das palavras usadas (conceitos!). Essa é uma precondição, sem a qual nem pensamento crítico nem de nenhuma espécie é possível. Todas as armadilhas filosóficas contam com você para aceitar o uso das palavras como vagas aproximações. Você não deve tomar qualquer frase como uma vaga aproximação. Deve tomá-la ao pé da letra. Não a “traduza”. Não a glamourize. Não cometa o erro (como muitos fazem) de pensar; “Oh, ninguém pode ter dito uma coisa dessas.  Não é isso o que ele quis dizer”.

Você não deve se preocupar com o que ele “quis dizer”:  deve entender a frase pelo que ela diz (e fazer a mesma coisa com todas as frases que chegam até você).

A linguagem é um tesouro que recebemos do passado, e que está submetido a contínuos ataques.  Temos uma enorme responsabilidade de evitar sua destruição.

Em lugar de “descartar” a frase, aceite-a (mesmo de forma transitória). Diga a si mesmo: “se aceitar isso, o que se segue?” esta é a melhor maneira de desmascarar as fraudes.  A honestidade intelectual consiste em levar a sério às ideias. Isto significa que você tentará viver de acordo com elas, praticá-las. A filosofia provê uma abrangente visão da vida. Para avaliar propriamente qualquer teoria, temos que nos perguntar o que ela faria a nós mesmos, se fosse aplicada.

Muita gente acha que o pensamento abstrato é, por definição, “impessoal”, significando que, para pensar corretamente, as ideias não devem ter significado, valor ou importância para o pensador. Esta noção descansa na premissa de que um interesse “pessoal” é um agente de distorção.  Mas, “pessoal” não significa “subjetivo”: isso depende do tipo de pessoa que você é.  Se o pensamento for determinado pelas emoções, você não será capaz de julgar nada. Mas, se você for o tipo de pessoa amiga da realidade, que sabe que a verdade e o conhecimento são de importância crucial e pessoal, quanto mais paixão pelo pensamento, mais claro e verdadeiro ele será.

Você teria vontade e seria capaz de atuar, diariamente, de forma consistente, mantendo a crença de que a realidade é uma ilusão? Que as coisas que você vê ao seu redor não existem? Que não faz diferença dirigir o carro em uma estrada normal, ou a beira de um abismo?

É importante aplicar este tipo de teste para qualquer teoria. Você seria capaz de agir na crença de que o altruísmo é um ideal moral?  Que você deve sacrificar tudo – tudo o que você preza, ama, procura (incluindo sua vida), pelo benefício de qualquer estranho?

Não fuja, não diga “Sim, o altruísmo é um ideal, mas, eu não sou bom o suficiente para praticá-lo”. Essa é mais uma armadilha colocada pelos mesmos filósofos que estamos tentando avaliar.  Eles concentraram muitos esforços para você assumir uma culpa imerecida.

Uma vez que você assume a culpa, está se pronunciando incompetente para julgar, renuncia à moralidade, integridade e pensamento, e se autocondena ao reino do aproximado, do incerto, do cinza. Desta forma muitos homens arrastam suas vidas (propósito dessa armadilha). 

A aceitação da culpa imerecida é a maior causa de passividade filosófica.

Mas, há outras classes de culpa (e, desta vez, merecida).  A maior é a falha de instrospecção. Especificamente, a falha em identificar a natureza e causa das emoções.

Uma emoção por si só, nada nos diz ao respeito da realidade, além do fato de que alguma causa nos fez sentir de alguma forma.

Sem um comprometimento honesto consigo mesmo, visando à identificação do estado interior, não haverá avanço para saber o que despertou a emoção, se ela é apropriada ou não, ou uma ilusão produto de anos de autoengano.

Se não houver instrospecção, a pessoa considera seus estados internos como fatos primários, que não requerem explicação, e deixa que suas emoções conduzam sua vida. Isto significa que resolveu agir sem conhecer o contexto (realidade), as causas (motivos), e as consequências (objetivos) de suas ações.

Como vimos antes, a extrospecção está baseada em duas questões básicas: “o que eu sei?” e “como sei disso?”  

Na instrospecção, as questões são: “o que eu sinto?” e “por quê?”.

A maioria das pessoas é capaz de fornecer somente respostas superficiais para essas perguntas. Passam suas vidas convivendo com incompreensíveis conflitos internos, alternando sua conduta entre opostos: reprimindo suas emoções e sendo indulgente com elas; tendo paciência e perdendo-a; rebelando-se contra o mistério do caos interior e desistindo; decidindo não sentir nada, às vezes. Tudo isso sob pressão crescente do medo, da culpa e da incerteza, o qual torna mais difícil ainda achar respostas.

Racionalização

Quando a emoção é considerada um fato primário, sendo que, na verdade, é um resultado da ação, isso leva o homem a utilizar frequentemente um mecanismo conhecido como racionalização.

Racionalização é um método de disfarce, uma tentativa de dar falsa identidade as nossas emoções, de modo a ocultar a verdade e as reais motivações (perante a nós mesmos, em primeiro lugar). Racionalização é o processo oposto à percepção da realidade: é a fuga dela, a vã tentativa de acomodar a realidade aos nossos desejos.

  • “Ninguém pode estar certo de nada” – é uma racionalização da inveja e do ódio por aqueles que estão certos.
  • “Pode ser verdadeiro para você, mas não para mim” – é uma racionalização da falta de vontade ou incapacidade para provar as próprias ideias.
  • “Ninguém é perfeito neste mundo” – é uma racionalização do desejo de ser indulgente com os próprios defeitos, o desejo de fugir do julgamento moral.
  • “Ninguém pode evitar fazer qualquer coisa” – é uma racionalização da fuga da responsabilidade do julgamento moral.
  • “Pode ter sido verdadeiro ontem, mas não o é hoje” – é uma racionalização da negação das contradições.
  • “Lógica não tem nada a ver com a realidade” – é uma racionalização do desejo de submeter à realidade aos próprios desejos.
  • “Não posso provar isso, mas sinto que é verdadeiro” – é uma síntese das racionalizações: este indivíduo não julga a verdade de uma declaração pela sua correspondência com a realidade: ele julga a realidade pela correspondência com seus sentimentos.

Se, em algum momento o leitor concluir: “como é possível tamanha falta de bom senso?”, ele estará começando a descobrir que as filosofias equivocadas são sistemas de racionalização.

A falta de senso não é acidental. As estruturas elaboradas nas quais se apresentam nunca são sem propósito. Você pode verificar o poder da realidade, pelo fato de que, até o mais virulento irracionalista, sente a natureza derivativa das emoções, e tenta justificá-las como respostas.  Se a realidade o contradiz, inventará outra “realidade” que sirva aos seus objetivos.

Kant, o destruidor

Na história moderna, a filosofia de Immanuel Kant é uma racionalização sistemática dos maiores vícios psicológicos.

  • A inferioridade metafísica do universo (um universo “fenomenal”, de mera “aparência”), é uma racionalização do ódio da realidade.
  • A noção de que a razão é incapaz de perceber a realidade como ela é, senão apenas como “mera aparência”, é uma racionalização do ódio da razão.
  • A superioridade metafísica do universo “noumenal” é uma racionalização do desejo de dar a supremacia às emoções (o poder de conhecer o “incognoscível” de alguma maneira misteriosa).
  • A insatisfação acerca da limitação do homem de perceber as coisas só através de sua própria consciência é uma racionalização do desejo de controlar a mente dos outros.
  • O desejo de perceber as coisas automaticamente, sem passar por nenhum processo, é uma racionalização do desejo de escapar do esforço e responsabilidade da cognição, por meio da omniciência automática atribuída as emoções.
  • O imperativo moral de fazer sacrifícios sem beneficiários é uma racionalização grotesca do sadismo.

Observe que a história da filosofia reproduz em câmera lenta as ideias evoluindo na mente do homem.  Um homem que aceita falsas premissas é livre para rejeitá-las, mas, a menos que faça isso, elas crescem sem sua participação e chegam às suas últimas conclusões lógicas. Um processo similar tem lugar na cultura: se as falsas premissas de um filósofo não são questionadas, gerações de seguidores as levarão até as últimas consequências.

A partir da substituição kantiana do objetivo pelo coletivo, na forma de “categorias”, e a criação do mundo “noumenal”, o próximo passo foi à filosofia de Hegel, que é uma racionalização do subjetivismo.

O passo seguinte foi o Pragmatismo, que é uma racionalização da mentalidade anticonceitual, imediatista, que visa estar além de princípios, de passado e de futuro.

Hoje, temos a Análise Lingüística, que é uma racionalização de homens que são capazes de focalizar palavras simples, mas são incapazes de integrá-las em orações, parágrafos, ou sistemas filosóficos, mas, mesmo assim, pretendem ser filósofos.

Também temos a filosofia do Existencialismo, a qual descarta a política de racionalizar, e toma Kant ao pé da letra, proclamando a supremacia das emoções em um inexplicável não mundo, incompreensível e desagradável.

Altruísmo

Apesar das diferenças indicadas acima (entre muitas outras), essas filosofias têm um comum dominador ético: o altruísmo. Uma moralidade que não pode ser praticada é o campo propício e inevitável da desonestidade, da mentira, e da maior fonte de racionalizações. 

Altruísmo é o recurso usado para racionalizar os motivos dos massacres na ex-URSS; do roubo legalizado nos estados beneficientes; do insaciável desejo de poder dos políticos que declaram servir ao “bem comum”; da inveja, ódio, maldade e brutalidade perpetradas pelos defensores das causas coletivistas; do sacrifício interminável de mais e mais vítimas.  Quando uma teoria chega a resultados opostos aos que diz estar orientada, e, mesmo assim seus defensores permanecem incólumes, você pode estar certo de que não é um ‘ideal’, senão uma racionalização.

As racionalizações filosóficas não são sempre fáceis de ser detectadas. Algumas delas são tão complexas, que as pessoas comuns podem se sentir paralisadas pela confusão intelectual. No primeiro encontro com as filosofias modernas, muitas pessoas podem cometer o erro de desistir na hora, e fugir do assunto: “eu sei que esta coisa é falsa, mas, não sei provar. Não quero perder meu tempo e esforço nesta tarefa inglória.”

Em que consiste o dano desta política? Você pode esquecer tudo sobre as “categorias” de Kant, e seu mundo “noumenal”, mas… Algum dia, enfrentando uma escolha difícil, se sentindo tentado a evadir a responsabilidade, ou a tomar uma decisão desonesta, você poderá ser surpreendido por um pensamento assim: “como saber o que é verdadeiro? Ninguém pode estar certo de nada.”

Isto é o que Kant quer de você.

Um pensador como Kant não pretende que você concorde com ele; tudo o que ele quer é o benefício da dúvida. A subconsciência do leitor fará o resto. Por isso, o que importa é a mente consciente; uma vez que você entende o significado de suas teorias, elas perdem o poder de afetá-lo, como máscaras de Halloween expostas à luz do dia.

Outra sugestão: na tarefa de investigação filosófica, esteja alerta à racionalização (muito comum), “mantenha a mente aberta”.  Este é um termo muito ambíguo; um anticonceito.  De modo geral, se pretende afirmar uma objetiva, não tendenciosa aproximação às ideias; mas é usado também como uma rejeição explícita ao conhecimento, como um perpétuo chamado ao ceticismo.

Uma “mente fechada” pretende normalmente descrever uma atitude impermeável aos fatos, argumentos e lógica – faz as pessoas manterem ideias, premissas falsas e pré-conceitos só porque estão de moda, com regência das emoções. Mas, isto não é uma “mente fechada”; é uma mente passiva; uma mente que dispensou ou nunca adotou a prática de pensar e julgar, e se sente ameaçada por qualquer requerimento de considerar qualquer coisa.

A objetividade e o estudo da filosofia não requerem uma “mente aberta”, senão uma “mente ativa”, uma mente capaz não só de examinar idéias, senão de examiná-las criticamente. Uma mente ativa não atribui o mesmo status ao verdadeiro e ao falso; não permanece eternamente flutuando em um vazio de neutralidade e incerteza; assume a responsabilidade do julgamento; chega a conclusões firmes, e as mantêm.

Como é capaz de provar suas conclusões, uma mente ativa consegue firmeza para enfrentar os assaltos perpetrados pelos pregadores da incerteza, da fé, das aproximações, evasões e medos.

Se você mantiver a mente ativa, verificará que os ataques com frequência contribuirão para fortalecer suas convicções; que a rejeição racional das falsas teorias o ajudará a ampliar e clarificar as verdadeiras; que seus inimigos ideológicos o farão invulnerável, através de incontáveis manifestações de sua própria impotência.

Então, você não precisará perder mais tempo examinando a próxima variante de falsidades há muito tempo conhecida.  Você descobrirá que os ataques principais se referem aos fundamentos do pensamento, e que o destino do homem está ligado diretamente ao resultado desta batalha pela sua destruição ou manutenção.

Você aprenderá a reconhecer uma teoria só dando uma olhada, verificando se respeita ou não esses fundamentos. Se isto não acontecer, não precisará ir muito mais adiante, porque você saberá, e será capaz de provar precisamente, as contradições e conceitos roubados usados neste ataque.

A falácia do conceito roubado consiste no uso de um conceito, enquanto se nega a validade de suas raízes genéticas, das quais ele depende e se origina.

Identificar o uso impróprio dos conceitos tem uma enorme importância, porque nos ataques à mente humana, quase sempre eles são as primeiras vítimas da agressão.

A filosofia é uma necessidade para um ser racional porque é a peça básica que provê a organização da mente, a integração do conhecimento, a fundação da ciência, a seleção dos valores, a programação do subconsciente.

A seguir, os fundamentos da filosofia objetivista, que não devem ser aceitos com base em nenhum tipo de “fé”, nem como aproximações ou abstrações flutuantes.

Os fundamentos são:

  1. Em metafísica: a lei de identidade;
  2. Em epistemologia: a supremacia da razão;
  3. Em ética: o egoísmo racional;
  4. Em política: os direitos individuais;
  5. Em estética: os valores metafísicos 

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Revisado por Matheus Pacini

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