Este texto é uma resposta a uma coluna de Luis Fernando Veríssimo de 18/12/2016.
Em sua coluna de ontem, 18/12, Luis Fernando Veríssimo, referindo-se à novelista Ayn Rand, comenta que, nos seus livros, ela “faz a apologia do egoísmo criativo e endeusa empreendedores com mais audácia do que escrúpulos.” Segundo LFV, “Rand (…) tornou-se uma espécie de santa padroeira do neoliberalismo, proporcionando ao capitalismo desenfreado uma absolvição filosófica.” Não por acaso, segundo ele, a maioria dos novos ministros indicados por Trump é fã de Ayn Rand.
De fato, Rand é uma defensora empedernida do modelo capitalista de livre mercado, mas Veríssimo erra de forma bisonha – provavelmente porque nunca a leu – ao descrever os heróis de Rand são empresários inescrupulosos. Nada poderia estar mais longe da verdade. Ao contrário, esses personagens, em sua totalidade, são seres cuja consciência é dotada de amplo sentido moral, além de caráter extremamente íntegro.
Ayn Rand fugiu da Rússia para os Estados Unidos no início dos anos vinte, deixando para trás a coletivização e os horrores do bolchevismo. Apesar de não ter o inglês como língua materna, tornou-se uma conceituada roteirista da indústria cinematográfica de Hollywood, além de uma romancista de fama mundial. Embora seja uma recordista de vendas nos EUA e em outros países, no Brasil sua obra – como de resto a grande maioria dos temas que não é agradável à intelligentsia tupiniquim – ainda é muito pouco divulgada, tendo sido traduzidos e publicados somente algumas de suas obras.
Sua filosofia, o Objetivismo, parte da convicção de que os indivíduos só podem alcançar a verdade de forma objetiva através da razão. Ela acreditava no indivíduo, em sua vontade e no interesse próprio como motores do desenvolvimento. Para ela, o autointeresse não é um pecado, como preconizado por Platão e muitos de seus seguidores, mas uma característica intrínseca do ser humano. Em resumo, “ajudar a nós mesmos é a melhor maneira de cooperar com os demais.”
Em seu mais famoso romance, A revolta de Atlas, Rand faz uma enérgica defesa dos valores morais do livre mercado. O capitalismo, sustenta ela, é o único sistema que, reconhecendo a natureza racional do ser humano e, portanto, a liberdade por ela exigida, fundamenta-se na relação existente entre a razão, a liberdade e a sobrevivência do homem. As sociedades capitalistas só alcançaram altos níveis de prosperidade e bem-estar porque nelas os homens gozam de liberdade para pensar, discernir e criar. Foi esta liberdade que permitiu ao capitalismo superar, com folga, todos os sistemas econômicos anteriores.
Segundo Rand, somente numa sociedade em que todas as relações são voluntárias, e os direitos fundamentais do homem à vida, à liberdade e à propriedade são reconhecidos, é que haverá prosperidade. Para ela, o capitalismo é o único sistema baseado no reconhecimento desses direitos, e longe de ser um mero sistema econômico, é um sistema de organização social e moral, em que o governo tem participação importante, porém restrita, para evitar o uso da força física de uns contra os outros e para dirimir questões oriundas das relações entre os indivíduos.
O principal fundamento moral do capitalismo, para Rand, está no fato de que este é o único modelo que baseia as relações humanas em atos contratuais e voluntários, em intercâmbios de direitos de propriedade, em que os homens são livres para cooperar uns com os outros ou não, de acordo com os ditames de seus próprios interesses e mútuos benefícios.
Assim, não se sustenta no sistema capitalista a ideia, por exemplo, de bem comum, uma grande falácia socialista utilizada amiúde por gente como LFV para justificar a tirania de uma minoria, que impõe aos demais seus próprios interesses, gostos e opiniões, evitando, acima de tudo, que os indivíduos pensem por si mesmos.
Pode-se não concordar com as ideias de Ayn Rand, mas que, pelo menos, as críticas sejam dirigidas à sua obra, e não a espantalhos, como faz Veríssimo.
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Revisado por Matheus Pacini.
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