Um paralelo sobre a coerção dos governos na ficcção e na realidade, diante do cenário da pandemia do Covid-19

CONTÉM SPOILERS DE “A REVOLTA DE ATLAS”

Em 1905, em uma família judia de classe média que vivia na Rússia, nascia Ayn Rand. Testemunha da Revolução de 1917 e do nascimento da União Soviética, assistiu a sua família empobrecer em consequência das imposições de um governo que viria a se tornar o primeiro país socialista do mundo. Por isso, aos 20 anos de idade, decidiu fugir. A visita que faria a alguns parentes que moravam nos Estados Unidos era o pretexto perfeito. Foi para nunca mais voltar.

Inspirada por Aristóteles, Ayn Rand desenvolveu o Objetivismo, a filosofia que define o homem como um ser heroico, cujo propósito moral de vida a própria felicidade e que utiliza a razão como guia absoluto. Para a autora, Aristóteles foi defensor, apoiador e promotor da razão, fundador da Lógica e responsável pelos progressos intelectuais da humanidade, embasados em suas realizações[1].

Em “A revolta de Atlas”, livro que teve sua primeira versão lançada nos Estados Unidos em 1957, Rand contextualiza os princípios da filosofia que desenvolveu, o Objetivismo, em um misto de romance, ficção e mistério, em defesa do individualismo, capitalismo, e com fortes críticas à intervenção governamental em nossas vidas.

A história conta a trajetória de personagens que, desde muito cedo, têm o desejo de aumentar o império de suas famílias, inovar, produzir, e todo o caminho trilhado até a realização dessas conquistas, versus o desinteresse de outros, a acomodação e o contentamento com aquilo que já foi herdado, fruto do trabalho de outros.

Julgados pela sede de trabalhar, realizar sempre mais e desfrutar dos resultados por seus méritos, os empresários, industriais, artistas e cientistas de sucesso se deparam com a intervenção do Estado que chega para minar a iniciativa privada com o “acordo” da Resolução Anticompetição Desenfreadae a Lei da Igualdade de Oportunidades, que proibiam tanto a livre concorrência como a propriedade de mais uma de linha de negócio por qualquer pessoa ou corporação. Tais medidas aplicadas em função do “interesse público” beneficiavam, na verdade, unicamente alguns grupos ligados ao próprio governo, enquanto inviabilizava o lucro e a sobrevivência dos produtores no mercado.

Inconformados com a devastação de suas empresas, poucos ainda tinham esperança e acreditavam que poderiam sobreviver às condições impostas pelo governo.

“- Você devia ter nascido uns 100 anos antes, menina. Talvez então você tivesse uma chance.

– Chance coisa nenhuma. Eu quero criar a minha própria chance.”, disse Dagny Taggart, personagem principal do enredo em um de seus diálogos enquanto ainda insistia em resistir, mesmo sabendo que a cidade estava sumindo e as principais personalidades da sociedade abandonavam seus negócios e fortunas, desaparecendo sem deixar rastros.

Por consequência, os colaboradores mais fiéis e qualificados destas empresas também jogaram a toalha, pois não suportavam permanecer ali frente às circunstâncias impostas. Foi quando o governo criou mais uma medida, o Decreto 10.289, que chegou para esvair a liberdade econômica e inviabilizar a cadeia de suprimentos. Além de passar o controle total da economia para burocratas e grupos de interesse que brincavam com o congelamento de preços, lucros e salários, e sobretaxavam aqueles que esses julgavam receber um lucro mais do que necessário, o decreto também proibia que trabalhadores trocassem de emprego, que empresas falissem, e que todas as patentes fossem “voluntariamente” cedidas ao governo, sob pena de prisão a quem desobedecesse. A solução era fugir. Casas e vilas também foram abandonadas. O fluxo de carros ou pessoas caiu drasticamente.

Foi então que as consequências do “genial” decreto começaram a surgir. Com a falta de mão de obra, as vagas passaram a ser preenchidas sem critério algum pelo primeiro que aparecesse. Dessa forma, os novos ocupantes delas não tinham expertise para tais funções, não tomavam decisões assertivas, e não faziam ideia do que priorizar para manter o fluxo e qualidade da produção: cancelavam orçamentos essenciais para a compra de matéria-prima de qualidade, enquanto pagavam propinas para representantes do governo que prometiam cargos, estabilidade e grandes negociatas.

Por fim, veio a escassez. O desaparecimento do principal fornecedor de aço e uma misteriosa explosão em sua mina fez com que essa matéria-prima se tornasse rara no mercado e, quando encontrada, era de qualidade inferior. O aço, indispensável para tantas outras produções, inviabilizou a fabricação de trilhos para as ferrovias e sua manutenção. Consequentemente, os acidentes cresciam e as locomotivas pararam de funcionar. Sem o serviço ferroviário, já não era possível transportar materiais para as indústrias, nem alimentos e outros itens para o comércio. Resultado? Falência generalizada.

A revolta continua no Brasil

As medidas impostas pelo governo na história são intervencionistas e autoritárias, e é por isso que esse livro segue atual. Enquanto na obra de Ayn Rand as irrefutáveis ações impostas por um Estado tirânico valorizam mais supostos acordos e alianças do que a real competência para produzir, gerando um círculo vicioso composto por regras, limites e leis estabelecidas aos industriais e à população, no Brasil enfrentamos uma realidade paralela que nos rende muitos exemplos nefastos. No entanto, gostaria de focar em apenas dois deles que, diante do cenário de pandemia em que estamos vivendo, ameaçam a nossa liberdade: O congelamento de preços e a obrigatoriedade do uso da vacina contra o vírus Covid-19.

Há quem diga que manter preços baixos para alguns itens mais procurados durante a pandemia (como o álcool em gel, máscaras e luvas), e de tantos alimentos que sofreram o mesmo impacto, viabilizaria o acesso dos economicamente desfavorecidos a eles. No entanto, o congelamento de preços gera o resultado contrário: o desabastecimento.

Isso é totalmente normal quando um produto cuja oferta sempre foi historicamente estável repentinamente vivencia um surto de demanda. Não há como a oferta instantaneamente se adaptar a uma súbita explosão da demanda. Aumentar a produção de algo é um processo complexo, que leva tempo, e que exige investimentos.”[2] Para suprir a alta demanda desses itens, é preciso que os produtores elevem o preço para viabilizar investimentos para contratar mais funcionários e repor matéria-prima. Quando o governo reduz e congela os preços, o produtor é obrigado a abdicar de seu lucro, e muitas vezes não recebe o suficiente nem para arcar com os custos básicos da produção. O resultado disso? A escassez. E como diz a autora em um trecho deste livro: “Quando você perceber que, para produzir, precisa obter autorização de quem não produz nada, será tarde demais”.

O segundo exemplo, a polêmica possível obrigatoriedade em tomar a vacina contra o Covid-19 – assim que estiver disponível – chegou a julgamento do STF[3] e previamente virou alvo até de disputa política, pois, enquanto o governador de São Paulo, João Dória, anunciava a obrigatoriedade em todo o estado, o presidente da República, Jair Bolsonaro, dizia que ela seria oferecida pelo Ministério da Saúde, porém não haveria imposição.[4]

Em ambos os casos, há interferência do governo sobre a liberdade do indivíduo. Um inviabiliza a livre iniciativa e concorrência de mercado, retirando o direito de produtores e empresários de decidir sobre o valor dos itens que produzem. E o outro anula o direito de decisão do indivíduo quanto à sua vida, julgando que ele não é capaz de decidir sobre ela, pensamento que sempre esteve por trás de todos os regimes totalitários já impostos na história.

Retonarndo à trama, a população enganada e iludida com a suposta solução de uma economia coletivista, em prol do igualitarismo, se perguntava: Até quando tudo aquilo duraria? Quando veriam os frutos prometidos das medidas do regime? Os industriais e responsáveis pelo abastecimento do mercado retornariam? Quem poderia dizer? Quem se importava? “Quem é John Galt?”. John Galt, personagem que só se releva no final do enredo, é o herói de todos os industriais, empresários, produtores e trabalhadores honestos da história. Filósofo, inventor, defensor do poder da mente humana e dos direitos dos indivíduos, com a promessa de parar o motor do mundo, assim o fez, fazendo desaparecer as mentes mais brilhantes da sociedade. Galt procura um lugar afastado e, com uma de suas invenções, consegue isolar/ocultar seu território, tornando-o inacessível a pessoas indesejadas. Com a ajuda de um dos mais ricos empresários transforma o lugar em um paraíso autossustentável, e lá reúne todos os que ele julga merecer nele viver.

O “Vale de Galt” talvez seja uma das maiores representatividades da filosofia de Ayn Rand. Como toda propriedade privada deveria ser, não havia intervenções de um governo, “ainda assim, eles tinham um juiz para agir como árbitro caso fosse necessário; apenas nada acontecia entre eles, pois compartilhavam a mesma filosofia (…) Eles não precisavam de um governo, pois, se houvesse discordâncias, eles poderiam resolvê-las racionalmente.” [5] Em resumo, Rand defende que as únicas inferências do governo em uma sociedade deveriam ser através da polícia, do exército e dos tribunais, a fim de estabelecer o império da lei e proteger os direitos individuais, sem a necessidade do uso da força, desde que todos respeitassem os direitos uns dos outros.

Uma das regras do Vale era que nada ali era de graça, o livre comércio estava instaurado, taxas e impostos não existiam, e seus produtores e fornecedores decidiam sob a precificação de seus produtos. Todos produziam de acordo com seus talentos e experiências, e havia espaço para todos os setores, inclusive para o meio artístico, mas não através de subsídios para a realização, e sim pela verdadeira qualidade, inteligência, esforço e valor oferecido e reconhecido.

Por fim, após ser incansavelmente procurado pelos governantes para solucionar os problemas irremediáveis da sociedade que foram consequência de suas próprias ações, da incapacidade de produzir e do ódio àqueles que produzem, John Galt discursa  apresentando-se como o homem que não sacrifica seus valores, que ama a vida, o conhecimento e sua prática, e que atreladas a isso estão as virtudes que todo homem deve possuir: racionalidade, independência, integridade, honestidade, justiça, produtividade e orgulho. A ausência de qualquer dessas qualidades morais no ser humano o leva para caminhos predestinados ao que aqueles governantes encontraram: desordem, miséria e escassez.

Esta obra é ainda um convite à reflexão individual. Estamos exercitando as nossas virtudes, honrando nossos valores, lutando pelos nossos direitos e contribuindo para uma mudança efetiva em nosso país ou estamos apenas aguardando a chegada de um “novo herói” que nos transportaria para uma realidade almejada, mas não efetivamente buscada com os reais e devidos esforços? Estamos lutando pela nossa liberdade ou apenas aceitando as imposições do governo? Quem é John Galt? Sejamos nós!

“Examinem sua estrada e a natureza da sua luta. O mundo que vocês desejam pode ser conquistado: ele existe, é real, é possível, é seu.” Ayn Rand.

__________________________________________ Revisado por Roberta Contin e Matheus Pacini.

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