Em meio à crise de credibilidade geral que tem acometido nossa mídia, nossa política e nossa ciência, parece que nosso domínio na realidade está se tornando cada dia mais tênue. De fato, representantes de ambos os lados do espectro político estão cada vez mais preocupados com as implicações da vida em um mundo da “pós-verdade”, de “fatos alternativos” e denúncias de fake News. Mas o que é necessário para que tenhamos raízes mais firmes na realidade? Como transformar nossas preocupações amorfas em uma defesa genuína da verdade?
Contra esse cenário político turbulento, apelar para uma “defesa de princípios” de algo pode parecer contraproducente e, até mesmo, perigoso. Afinal, não é na defesa de tais princípios como “lealdade ao grupo” (que os conservadores consideram como uma de suas preocupações morais mais elevadas) que os apoiadores de Trump permaneçam ao seu lado mesmo quando ele fala mentiras descaradas e ameaça seus direitos constitucionais? Sabemos que forma a “lealdade de grupo” pode tomar nos extremos; e, não o esqueçamos, temos um número crescente de notícias arrepiantes para nos recordar. Enquanto isso, não é na defesa de princípios como “cuidar dos pobres” (que os progressistas colocam como sua mais elevada preocupação moral) que alguns dos oponentes de Trump estão pedindo censura em campi e, até mesmo, recorrer a protestos violentos?
De fato, pessoas de todas as convicções políticas parecem estar cada vez mais dispostas a defender seus “princípios” a qualquer preço – incluindo o de distorcer ou descartar a realidade. Uma metaanálise recente de 41 estudos sobre viés partidário revela que os participantes progressistas e conservadores mostram tendências igualmente fortes para distorcer informação factual de acordo com suas respectivas ideologias. Por exemplo, participantes classificaram o mesmo estudo cientifico como sendo mais rigoroso metodologicamente quando informados que os resultados comprovavam versus negavam suas visões políticas. Da mesma forma, participantes avaliaram a mesma proposta política mais favoravelmente quanto lhes foi dito que tinha sido endossada por membros de seu partido, e vice versa. Níveis de viés foram praticamente iguais entre progressistas e conservadores.
Talvez, então, a preocupação moral que precisa mais desesperadamente ser defendida é aquela que concede credibilidade a todo o resto: a lealdade à verdade. Sem um compromisso com a fundamentação de crenças na verdade, perdemos a motivação fundamental de verificar e validar (e, se necessário, abandonar ou revisar) quaisquer princípios que aceitamos de pais, parceiros e professores. Como resultado, nossas “preocupação morais” – em vez de nos guiarem na busca de uma visão nobre – podem, em vez disso, nos conduzir cegamente pelo caminho de menor resistência emocional.
Para nos tornarmos verdadeiros defensores da verdade e da bondade, devemos, primeiro, conquistar nossa própria credibilidade. E para tal, deve ser nossa preocupação moral principal conceder integridade aos fatos. Tão logo aceitamos a convicção de que nada pode ser mais sagrado que os fatos, somos capazes de distinguir verdade de ficção, mesmo quando partes de nosso próprio autoconceito estão em jogo.
Não se engane, isso não é fácil. Considere, por exemplo, quão mais prazeroso é ridicularizar a versão mais ridícula de uma visão com a qual você discorda que é encontrar e ouvir atentamente ao seus defensores mais articulados. Ou quão mais confortável é obter suas notícias de canais midiáticos que partilham suas inclinações ideológicas que analisar ambos os lados de toda a história. Nesse sentido, pense em quão mais fácil é mostrar sua “lealdade ao grupo” ao apoiar inquestionavelmente seu partido, ou mostrar sua “preocupação com os pobres” ao evitar palavras e ideias que podem ofender alguém, que seguir os fatos onde quer que levem, mesmo ao risco de deslealdade ou sentimentos feridos.
Infelizmente, o efeito de escolher normalmente o caminho confortável mas desinformado em tais situações é um sinal de falta de autocredibilidade, como exploro em meu último trabalho. Minha intervenção, baseada amplamente em princípios empiricamente provados da teoria cognitivo-comportamental, começa com o reconhecimento de que a busca da felicidade é extremamente difícil – e que você, às vezes, estraga tudo. O próximo passo é sentar e fazer um inventário por escrito de todas as verdades temidas ou suspeitas que você tende a evitar. Isso poderia ser qualquer coisa de “deveria ligar para meu dentista devido a uma dor de dente”, a “Eu guardo rancor de meus filhos”, a “eu tenho sido negligente em meu emprego”, ou “eu não entendo a evidência contra/a favor da mudança climática”. Não edite ou avalie nesse momento: só escreva conforme surgem em sua mente.
Se você fizer isso com sinceridade, será um processo desconfortável. Sim, existe um orgulho puro e autêntico que deriva de encarar as coisas das quais você se escondia. Note e saboreie tal sentimento.
Tendo listado seus itens, o próximo passo é examiná-los honesta e racionalmente. Para cada um, pergunte-se: isso é, de fato, verdade? Tão logo tenha se perguntado, você pode concluir que existe muito trabalho a fazer para respondê-la, mas também que existem muitas ferramentas que podem ajudá-lo. Pode ser necessário pesquisar, consultar especialistas relevantes, obter mais dados e assim por diante. Pode ser que, mesmo assim, você não adquira informação suficiente para ter certeza (nesse caso, você deveria tomar nota). Pode ser que você descubra que algumas de suas “verdades temíveis” são exageradas ou baseadas em lógica deficiente, enquanto outras apontam para fatos reais (embora complicados ou dolorosos) com os quais você terá, agora, de lidar. Mas melhor agora que no futuro, antes que se tornem mais complicados e dolorosos para você.
Por fim, torne esse processo parte sua rotina regular. Deixe um lembrete na geladeira, se precisar.
É claro, esse exercício não mudará seus hábitos do dia para noite. Mas pesquisa relacionada em “treinamento anti-viés” sugere que o hábito de monitorar e examinar logicamente nossos vieses é uma habilidade que pode ser aprendida, e que melhora com a prática. Outras pesquisas sugere que afirmar um valor pessoal importante por escrito pode nos tornar mais receptivos à informação que ameaça nossas crenças. Essa pesquisa sugere que podemos melhorar nossa integridade à luz dos fatos, se trabalharmos nisso e entendermos por que isso importa. Além disso, estudos mostram que aqueles que mais fortemente se identificam com valores relacionados à honestidade são menos tentados a trapacear com dinheiro, mesmo quando estamos muito cansados para pensar nisso. Assim, temos razão para esperar que, após trabalhar para conquistar nossa própria confiança e credibilidade através de honestidade consistente com você mesmo, você será menos tentado a vender tal honestidade em prol de uma redução momentânea de desconforto. Essa honestidade valerá muito mais para você.
Dessa forma, uma aliança firme com a verdade pode prover a fundação para o pensamento crítico sobre as controvérsias morais e políticas atuais. Construir tal fundação é difícil, e leva tempo; mas é um preço baixo a pagar por uma mente enraizada firmemente na realidade.
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Publicado originalmente em Psychology Today
Traduzido por Matheus Pacini.
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