Os valores que norteiam sua vida estão criando uma realidade – vale a pena saber qual.
Este é um convite para reconhecer quais são os valores mais importantes para você. E, mais do que isso, projetar quais realidades eles são capazes de criar. A seguir, duas afirmações. Após cada uma delas, você encontrará um exercício de imaginação que traz uma possibilidade de sua reprodução na realidade. A partir disso, avalie com qual delas você concorda.
- Eu acredito que todos os seres humanos são iguais e se diluem no todo maior. O bem comum é mais importante do que o bem individual.
Por essa visão, a vida do ser humano não tem significado em si, é apenas uma engrenagem do coletivo. Nesse mundo, o principal valor é a igualdade, e nele não há família, preferências pessoais, mérito, vontade própria. Não há nomes próprios ou traços de individualidade, não há “Eu” e nada que faça alguém se destacar do coletivo. A frase que representa este mundo é: “Somos um por todos e todos por um. Não há homens exceto o grandioso nós. Uno, indivisível e eterno.”¹ (p. 43). Para criar e viver neste mundo você abre mão de sua identidade e liberdade.
- Eu acredito que todos os seres humanos são diferentes e soberanos da própria vida. Todos são livres para buscar a própria felicidade.
Por essa visão, a vida do ser humano é um fim em si mesma. Nesse mundo, o principal valor é a liberdade, e nele não há igualdade, amor incondicional, uma vida previamente planejada e roteirizada por outras pessoas. Não há entes coletivos absolutos ou opressão. A frase que representa esse mundo é: “A palavra que não pode morrer nesta Terra, pois ela representa seu coração, seu sentido e sua glória. A palavra sagrada: Ego” (p. 127). Para criar e viver neste mundo você assume o protagonismo e responsabilidade pela própria vida.
Você deve ter notado que não é possível concordar com as duas afirmações ao mesmo tempo. Se concordar com a 1, você é coletivista. Se concordar com a 2, você é individualista. Mas o que isso quer dizer?
A filósofa Ayn Rand propõe uma reflexão interessante sobre essas duas visões de mundo, tendo sido testemunha ocular sobre suas consequências na realidade. Nascida na Rússia em 1905, Rand viveu sua adolescência sob a máxima do comunismo: a sobreposição do coletivo ao indivíduo. Desde a infância, percebeu o risco de expor suas ideias nesse contexto e, em 1926, emigrou para os Estados Unidos, o país que pregava os direitos à vida, liberdade e busca pela felicidade². Para sua surpresa, encontrou entre os intelectuais americanos as mesmas ideias que ouvira na Rússia soviética, o que contradizia totalmente as bases históricas dos Estados Unidos. Em 1937, resgatou uma ideia que teve ainda na escola, sobre como seria um mundo em que não existisse a concepção de individualidade e a palavra “Eu”. Assim, escreveu Cântico, obra em que alerta e provoca o leitor ao retratar um mundo que sucumbiu às ideias coletivistas e destruiu totalmente a concepção do indivíduo: um mundo que regrediu tecnologicamente, em que não há inovação e progresso e em que o protagonista, Igualdade 7-2521, trava uma luta interna entre os desejos de pensar, agir e amar e a percepção de que esses desejos são crimes imperdoáveis.
O mundo de Cântico é o resultado da afirmação 1 levada ao extremo. Nesse mundo, todos são tratados como peças descartáveis: não há liberdade – não se pode escolher a própria profissão, não se pode ficar sozinho e ter as próprias ideias, desejos ou mesmo amar ou construir uma família, porque tudo isso pressupõe alguma preferência e, portanto, distinção entre os indivíduos. Esse mundo é relativamente parecido com o proposto por autores como George Orwell e Aldous Huxley. Se você tem a igualdade como valor, atente-se para a mensagem de Rand: esse valor não implica que todas as vidas são igualmente preciosas, e sim que são igualmente insignificantes. Ser coletivista não é sinônimo de ser empático ou compassivo. Quer dizer que a existência de cada um não está a serviço de sua própria felicidade, mas fadada ao autossacrifício. Entretanto, há um nítido problema nessa crença: se um indivíduo sacrifica sua felicidade em prol do bem-estar dos outros e todos os outros igualmente infelizes fazem o mesmo, quem se beneficia deste modelo? Certamente, nenhum desses indivíduos.
O mundo ideal de Ayn Rand é o resultado da afirmação 2 levada ao extremo. Esse mundo é melhor descrito pela autora no livro A revolta de Atlas, em que ela imagina uma realidade paralela construída por pessoas que romperam com a opressão coletivista. Se você é resistente à simples menção do individualismo, preste atenção: esse valor não implica que o homem é uma ilha, autossuficiente ou que deve subjugar as outras pessoas. Na realidade, quer dizer justamente o oposto: que nada nem ninguém, muito menos um coletivo abstrato, pode ameaçar a liberdade de um indivíduo. Cada pessoa é dona da própria vida, das próprias escolhas e pode buscar a própria felicidade como bem entender, desde que não interfira na liberdade das outras pessoas de fazer o mesmo.
As únicas pessoas que poderiam pregar o coletivismo com propriedade são as que têm suas liberdades e identidades tolhidas diariamente e, ainda assim, advogam que este é o melhor caminho. Quem concorda com a afirmação 1, mas usufrui de uma vida com liberdade, talvez não o faça por hipocrisia, mas por lunatismo: falta exercitar a racionalidade para compreender quais são as possíveis consequências dessa escolha. É isso que faz Cântico ser uma leitura elucidativa e ainda muito necessária. Aos que concordam com a afirmação 2, cabe manter a herança filosófica das distopias viva e, enfim, torcer para o dia em que livros como os de Rand possam ser, efetivamente, ficções improváveis.
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Revisado por Matheus Pacini
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