O homem é um “ser heroico, com sua própria felicidade como o propósito moral de sua vida, com a realização produtiva como sua atividade mais nobre e a razão como seu único absoluto”. Em breve palavras, podemos expor o cerne da visão de Ayn Rand sobre o que a vida humana pode e deveria ser, exposta em suas diversas obras literárias e acadêmicas ao longo do século XX, das quais depreende-se o Objetivismo, sua filosofia.
Ayn Rand, nascida Alisa Rosenbaum, foi uma escritora e filósofa de origem judaico-russa e posteriormente naturalizada norte-americana. Nasceu em São Petersburgo em 1905 e viveu todo o período revolucionário-bolchevique, época em que desenvolveu uma profunda aversão pelos ideais coletivistas e pelo seu país de nascença, principalmente por momentos traumáticos, como o confisco do negócio de sua família e sua eventual fuga para a Crimeia após a invasão dos revolucionários.
Em contraste, Rand encontrou “um ideal, bem aqui na Terra, e o tipo de homem e de mulher de quem eu gostaria”, idealizado no modo de vida norte-americano, quando teve acesso a filmes estrangeiros durante seu programa de dois anos no Instituto de Artes Cinematográficas. Por isso, imigrou para os Estados Unidos em 1926 e iniciou sua carreira como novelista, eventualmente alcançando seu ápice com a publicação d’A Revolta de Atlas.
Na referida obra, a autora descreve um Estados Unidos decadente, cujo modelo de Estado caminha para a “República Popular Socialista”, já em voga em outros países ocidentais. Empresas fechadas, empreendedorismo sufocada e burocracia reinante: eis os principais elementos do cenário construído na obra. A resultante é o alinhamento entre empresários e políticos corruptos que fazem uso do discurso em favor do “bem comum”, a fim de alcançar seus próprios interesses.
Em contraposição, os protagonistas da obra representam os valores defendidos filosoficamente por Ayn Rand, quais sejam: o racionalismo, a liberdade individual, a coragem e o egoísmo. São pessoas cujos talentos e produção são as causas-raízes do seu dinheiro e do seu sucesso. No entanto, eles são constantemente minados pela corrupção crônica presente em todos os aspectos da sociedade e da burocracia.
A reviravolta acontece quando os indivíduos talentosos e produtivos – já cansados de sustentarem os demais à luz da máxima “de cada qual, segundo sua capacidade; a cada qual, segundo suas necessidades” – se revoltam, abandonam suas posições e fogem para uma ilha desconhecida sob a liderança de John Galt (who is John Galt, after all?). Consequentemente, os Estados Unidos mergulham em caos sem a presença daqueles que eram tão atacados simplesmente pelo seu sucesso.
Claramente, a Revolta de Atlas é uma obra de filosofia, não só ou principalmente porque contém discursos filosóficos, mas na própria construção da trama. Foi a forma da autora perpetuar sua visão do homem heroico – comprometido com o uso pleno de sua razão, de modo a conceber metas ambiciosas de sustentação da vida e para alcançá-las por meio da atividade produtiva.
Inclusive, a autora demonstra que parte do amadurecimento do aludido herói é traduzir o senso de sua vida em convicções conscientes que podem ser avaliadas racionalmente e implementadas consistentemente. O indivíduo deve ser egoísta, no sentido de que a sua própria felicidade é uma questão de princípio moral e de que sua vida deve ser pautada na concretização deste ideal. Portanto, ela foge do coletivismo que prega o altruísmo e a abdicação do autointeresse. Ao longo de sua vida, Rand sustentou algumas vezes que pretendia escrever uma apresentação sistemática em um tratado filosófico, mas nunca o fez. Felizmente, a falta de rigor científico não é lacuna crítica em sua marca para a filosofia. Ayn Rand foi além: criou obras de arte, cuja profundidade estética garante ao leitor embarcar nas nuances do arquétipo liberal e entender o modo de enxergar o mundo pelas lentes de uma pessoa que viveu as mazelas do coletivismo e as benesses do livre mercado.