Nascida em 1905, na Rússia, a autora se mudou para os Estados Unidos ainda em 1925. A filósofa defendeu com grande força a liberdade e o individualismo, tendo desenvolvido uma vertente filosófica denominada Objetivismo. Tendo algumas intersecções com as crenças de Aristóteles, a autora conceitualiza a racionalidade como a virtude primária do homem da qual todas as outras virtudes são aplicações. Pode-se definir o Objetivismo como uma ode ao individualismo, à liberdade e ao anti-coletivismo.
Em Cântico, a autora Ayn Rand aborda, em formato de diário, a história de Igualdade 7-2521, um jovem sem nome cuja identificação genérica remete ao Holocausto, no qual indivíduos eram identificados apenas por números o que removia a sua individualidade. No romance, vemos uma sociedade distópica onde os avanços tecnológicos regrediram e o coletivismo foi levado às últimas consequências, e onde o protagonista da história descreve detalhadamente como é viver em uma sociedade na qual impera um estado coletivista e totalitário no mais literal sentido do termo.
No decorrer da história, detalhamos de forma extremamente minuciosa os impactos de uma sociedade caracterizada por restrições às liberdades individuais, à vida, à liberdade e à propriedade privada dos que a integram. Dentre as diversas restrições, destacamos o controle da linguagem, uma vez que a palavra “eu” acaba sendo completamente reprimida do vocabulário da sociedade como um todo, com o efeito perverso de remover toda e qualquer marca de individualidade que ali pudesse existir. Um exemplo “simples”, porém, muito marcante, é a própria forma como a personagem principal do enredo se refere a ela mesma, como “nós, Igualdade 7-2521”.
À primeira vista, uma sociedade com características tão extremas pode parecer distante da nossa realidade como cidadãos do mundo atual, mas o papel da filosofia nesse aspecto se torna fundamental para evidenciar alguns dos perigos advindos do pensamento coletivista e de um estado autoritário. Por meio da extremização dos exemplos, da apresentação de um argumento reductio ad absurdum, Rand permite que os leitores compreendam com maior clareza os riscos associados a essa vertente do pensamento.
Considerando o momento em que o livro foi escrito, exatamente um ano antes do início da II Guerra Mundial, cuja origem se deu exatamente nos regimes expostos negativamente pela autora, resta-nos um questionamento. Estão, essas ideias consideradas “extremas” estão realmente tão distantes de nossa realidade? Mesmo considerando que algumas das manifestações de regimes totalitários não sejam exatamente idênticas às do mundo real, as mesmas compartilham uma essência de pensamento muito semelhante em suas bases fundamentais.
Ainda mais atual que a discussão sobre a liberdade de expressão é o controle sobre o que é dito pelas autoridades. Ao se exercer o controle sobre o que se fala, sobre as informações que estão disponíveis e que deveriam ser livremente consumidas por quaisquer interessados, cria-se um ambiente propício ao controle do que se pensa. Afinal, sem amplo acesso à informação, as pessoas passam a ter uma menor capacidade de criticar o que “acontece no mundo real”. Nesse sentido, a defesa da liberdade de expressão e da circulação de informações, sejam elas consideradas “benignas ou malignas” pelo grupo que está no poder, é fundamental para que tenhamos uma sociedade livre. Em regiões onde o controle da liberdade de expressão reprime a possibilidade de se criticar o “status quo”, o Estado passa a deter uma força desproporcional em relação aos seus cidadãos, abrindo espaço para uma gradual relação perversa de poder na sociedade.
É fundamental, entretanto, compreender que a própria sociedade extremista descrita por Ayn Rand, assim como qualquer imposição ideológica, é uma construção que não ocorre de maneira repentina e brusca, mas de forma gradual, inicialmente com conceitos iniciais que vão, com o tempo, se sedimentando e se fortalecendo. Gradualmente, a liberdade é colocada em xeque em diferentes âmbitos em uma sociedade, até que os cidadãos se tornem meros coadjuvantes à mercê dos governantes de uma nação.
Os resultados previstos na história de Cântico são diversos como, por exemplo, a destruição da história, a aversão ao desejo humano, a restrição de liberdades individuais, o Estado determinando sua profissão, a segregação de mulheres e homens, a restrição do ato de ir e vir, a pena de morte e, por fim, a destruição de todas as bases da propriedade privada. Nenhum desses resultados, entretanto, está distante do que vemos em algumas sociedades que chegaram a tamanho nível de usurpação dos direitos e liberdades de seus cidadãos.
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Revisado por Matheus Pacini.
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