Resenha – “Cântico” – Ayn Rand

Cântico, publicado em 1938, é o segundo romance de Ayn Rand. Trata-se de uma distopia coletivista. Rand emigrou da União Soviética para os Estados Unidos em 1926, e é possível ver uma forte influência em seus escritos desse período sob o regime comunista, assim como uma reação à preponderância do pensamento coletivista na época – não só do nazismo, comunismo e fascismo, mas também do do New Deal, nos Estados Unidos, e do varguismo, no Brasil.

Na sociedade de Cântico, o governo controla todos os aspectos da vida dos indivíduos, desde sua concepção até sua morte. Não existe o conceito de família, e a criação das crianças é de responsabilidade do Estado, o qual, assim que chegam aos 18 anos, designa-lhes sua profissão. Não existe nem mesmo o conceito de indivíduo: todo o pensamento é coletivo e uniforme, ou seja, as pessoas não são nada mais que ferramentas na mão do Estado.

A morte do individualismo é tamanha que as pessoas não têm nem mesmo nome, mas apenas números de identificação. A propriedade privada não existe, e o Conselho de Líderes é responsável pela alocação de todos os recursos, com o objetivo declarado de alcançar a igualdade entre todos.

É nesse contexto que o herói do livro, Igualdade 7-2521, se encontra – um contexto que pode-se dizer que seria a conclusão lógica da sociedade planejada descrita por Hayek em o Caminho da Servidão. Igualdade 7-2521, apesar de toda a doutrinação de sua educação estatal, não se encaixa completamente nessa sociedade. Ele tem pensamentos que são considerados pecaminosos, como considerar alguém seu amigo, já que nessa sociedade igualitária não podem haver preferências, bem como uma curiosidade de entender porque as coisas são organizadas e funcionam da maneira regida pelo Estado.

Essa curiosidade o leva à descoberta de uma caverna, e lá encontra vestígios de uma civilização passada e passa a estudar os seus artefatos. Com base nesses estudos, Igualdade 7-2521 consegue desenvolver uma lâmpada e decide apresentar sua descoberta ao Conselho dos Eruditos. Neste momento, o herói ainda não está desfeito de toda a doutrinação recebida, pois acredita que eles irão reconhecer o mérito de sua descoberta e como ela pode melhorar a vida de toda a sociedade. Tem ainda a esperança de que o reconhecimento fará com que o Conselho veja seu valor e troque sua profissão de varredor de rua para cientista.

Mas ao apresentar sua invenção ao conselho, ele é hostilmente recusado. Ele havia sido designado como varredor de rua e não poderia se envolver em qualquer outra atividade. Havia trabalhado na descoberta sozinho, o que era inaceitável, pois todas as decisões devem ser coletivas. Por último, a invenção representa uma ameaça ao status quo, uma ameaça à indústria estabelecida de produção de velas – quase como uma reedição da Petição dos Produtores de Vela de Frederic Bastiat.

Essa recusa leva Igualdade 7-2521 a fugir da sociedade e a buscar um lugar em que possa se desenvolver e ser um indivíduo no mais pleno sentido da palavra. A ele se junta Liberdade 5-3000, e os dois encontram um refúgio numa construção anterior à coletivização da sociedade. Nela, Igualdade 7-2521 encontra diversos livros e tratados, a partir dos quais se aprofunda nos temas de liberdade e individualismo, e tem sua maior epifânia: passa a se tratar por EU e não por NÓS.

Apesar de trazer uma visão atomista e heróica da liberdade, em que o indivíduo se basta e parece ter de ser acima da média para se beneficiar da liberdade (quando, na verdade, os maiores beneficiados são as pessoas comuns), o livro tece críticas importantes à organização coletivista da sociedade. Ela demonstra como a intervenção do Estado na vida das pessoas os impedem de alcançar seu pleno potencial, e como a uniformização acaba levando a extinção da nossa humanidade.

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