Por que a filosofia do Objetivismo ainda é relevante e necessária na era da ciência moderna?

Muitas pessoas desconfiam de ideias e ideais filosóficos abstratos. Há algumas razões para tal: 1) defendem que ideias abstratas “simplificam demais” a realidade, prejudicando sua capacidade de capturá-la e 2) creem que ideias abstratas fora das ciências naturais são normalmente dogmas baseados em fé, ou “especulação de poltrona”. (Para elas, em ambos os casos, não passam de ideias sem suporte em evidências).

“Com respeito à razão 1, gostaria de destacar que todos os conceitos humanos, em maior ou menor grau, “simplificam a realidade”; todos eles ignoram as diferenças entre objetos particulares para focar em características comuns a uma classe de objetos. Por exemplo, o conceito de “cadeira” refere-se a toda cadeira particular que você já viu ou verá. Isso significa que ele omite as incontáveis diferenças entre duas cadeiras particulares. (Mesmo que elas se parecem idênticas num nível macroscópico, quase sempre tem incontáveis diferenças ao nível macroscópico. Todos os outros conceitos funcionam de forma similar: eles ignoram certas diferenças entre coisas, em prol de classificá-las e integrá-las em uma única unidade mental, representada por uma palavra (“cachorro”, “cadeira”, etc).

Ainda assim, as similaridades capturadas por conceitos como “cadeira” são reais e importantes, e não se trata de uma simplificação exagerada dizer que todas as coisas que chamamos de “cadeira” (sem qualificação ou modificação) são feitas para permitir que sentemos nelas. Virtualmente ninguém acusa ideias sobre cadeiras de “simplificar demais a realidade”: quando se fala de cadeiras entende-se que é possível dar mais informação sobre uma cadeira específica através de uma descrição.

Classificar e simplificar a realidade através de conceitos é uma forma humana de lidar com a realidade no pensamento, e é muito poderosa, quando feito de forma adequada. Seres humanos usaram conceitos simplificadores das ciências naturais para combater doenças, aumentar a produção de alimentos, estender a expectativa de vida do ser humano, construir arranha-céus e pousar na Lua. Além disso, não há razão para acreditar que simplificar conceitos pare de funcionar em qualquer nível de abstração (grau/amplitude de generalização) ou em qualquer nível de complexidade. Os princípios da relatividade de Einstein são amplamente abstratos: eles se aplicam a todos os fenômenos físicos no universo conhecido (quando a escala sob consideração não for muito pequena) e à imensa complexidade de interações gravitacionais entre objetos visíveis e raios de luz na galáxia.

Na filosofia, o princípio simplificador dos direitos individuais levou à criação dos Estados Unidos como o pais mais livre da história na época – para não negros. E a aplicação desse princípio aos negros pôs fim à escravidão. Ninguém hoje considera a ideia de que a “escravidão é sempre errada” como simplista e impraticável.

Quando a simplificação da realidade com teorias é feita de acordo, a pessoa que as utiliza entende seu contexto de aplicação: a relatividade de Einstein não deve ser aplicada (sem modificação) ao muito pequeno. A mecânica de Newton é ainda válida e útil num contexto onde as coisas não são muito pequenas, muito rápidas ou muito distantes entre si, e onde não é necessária alta precisão de previsão a longas escalas temporais.

Então, são os princípios na teoria que formam a ética objetivista: os princípios não devem ser mandamentos sem contexto. Por exemplo, a virtude objetivista da honestidade não diz: “nunca minta. Ponto”. Ela diz que fingir uma realidade para si próprio (autoengano) é sempre errado, e que você não deveria tentar obter valores positivos dos outros por meio da fraude. O raciocínio para o último é que todos os valores genuínos são, em última instancia, fatos, e que tentar falsear os fatos – em sua própria mente ou na dos outros – não altera os fatos. Obter algo de alguém que pode parecer “bom” (para você ou para quem você valora) através de mentiras sempre vem ao preço de manter falsidades e verdades lado a lado em sua mente. Você está dedicando energia mental que poderia ser utilizada para alcançar valores genuínos em prol da manutenção de falsidades em sua mente e na dos outros. Qualquer fracasso particular em lembrar uma mentira, ou qualquer ação pelas vítimas de seu engano que lhes permita conhecer a verdade, poderia facilmente levar ao colapso de qualquer um dos benefícios obtidos por ela, junto com a perda de confiança e, se as mentiras envolvessem a obtenção de benefícios materiais, ações judiciais e perseguição por fraude. Na medida em que você mente dessa forma, a verdade sobre a realidade é sua inimiga, e o seu bem-estar não está sob o seu controle.

Contudo, num contexto em que alguém está ameaçando você ou outrem com violência, não há problema moral em mentir para ele. Tome um exemplo clássico, se um sequestrador ao ponto da arma entrar em sua casa, exigindo-o que lhe diga onde estão os seus filhos, ou ele o matará, você pode moralmente mentir para ele sobre onde elas estão.

Esse exemplo não é simplesmente uma derrogação ad hoc de um princípio em nome de uma praticabilidade sensível. Em vez disso, ele tem raízes profundamente teóricas na natureza da ética objetivista. A virtude da honestidade, como o princípio de conduta moral para com os outros, é derivada de um contexto de tentar obter valores (como explicado acima) na ausência de força física. Quando alguém inicia (ou ameaça) força contra você, eles já estão tentando falsificar a realidade ao substituir o fato “feito pelo homem” de sua ameaça de agredi-lo por alguns fatos metafísicos, tais como aqueles que lhe concede o direito de criar adequadamente o seu filho, (no caso do sequestrador) ou seu direito ao dinheiro que você receber (no caso do roubo). Ao mentir, você está meramente se protegendo ou aos outros das ameaças dele, e sua mentira não tem nenhuma das consequências detrimentais incorridas no caso de desonestidade livremente escolhida. (Isto é, nada além das consequências prejudiciais da própria ameaça de força). Você não está mantendo falsidades para manter benefícios, e pessoas racionais entenderão que a mentira para um agressor físico não indica um caráter desonesto.

Então, para reiterar: princípios racionais é o meio humano de lidar com a realidade, e propriamente entendido em contexto, eles são muito poderosos. Complexidade não exclui princípios, e contrário a muitos céticos, um objetivista não limita arbitrariamente os casos e os níveis de abstração em que os princípios podem ser aplicados. Princípios fundamentais da natureza humana e comportamento (moralidade normativa) podem ser descobertos racionalmente de forma similar aos princípios da física (embora os princípios do comportamento humano, incluindo a moralidade) devem levar em conta a realidade da escolha humana, e ser demonstrados sob a forma dos condicionais “se, então”.)

Com respeito ao ponto 2 (“dogma” ou “especulação de poltrona”) eu gostaria de destacar que Ayn Rand argumentava contra qualquer coisa ser aceita por fé, incluindo suas ideias.

“Aceitem o fato de que um erro que cometeram por iniciativa própria é mais seguro do que 10 verdades aceitas por fé, porque a sua iniciativa lhes dá os meios de corrigi-lo, ao passo que a mera aceitação destrói a sua capacidade de distinguir a verdade do erro.”[1]

Objetivismo não é uma religião, nem um conjunto de crenças que deve ser aceito por fé ou como dogma. Qualquer objetivista, propriamente chamado, concorda com Rand com base em pensamento e observação independentes.

Com respeito à ideia de que toda a filosofia é “especulação de poltrona”, eu diria que é verdade que existiram muitos filósofos que tiveram pouco respeito por fatos empíricos, preferindo “logicamente” derivar “estruturas” de axiomas. Muitos filósofos hoje gastam sua energia em teorias inúteis, pois aceitam acriticamente os erros de filósofos anteriores em i) definir as questões que as teorias supostamente devem responder e (ii) definir o significado dos termos que usam em tentativas de resolver os problemas. (Como exemplo, é normalmente aceito entre os filósofos analíticos que “objetivo” significa “independente da mente”. Esse não é o significado de “objetivo” na filosofia de Ayn Rand). Ayn Rand, de fato, deriva o Objetivismo ao generalizar as observações da realidade, de forma muito semelhante a que Darwin derivou a teoria da evolução por seleção natural. (O Objetivismo tem axiomas, mas sua função não é ser ponto de partida para a dedução do resto da filosofia). Rand até mesmo explicou como conceitos que usamos devem ser baseados na experiência para terem significado, tornando-a totalmente empirista, no sentido de pensar que todo conhecimento em última instancia deriva da experiência. Mas, não, sua teoria de significado não é a mesma que David Hume e seu “quebre ideias compostas e veja a quais memorias específicas das impressões dos sentidos elas correspondem.”

Críticos da filosofia de Ayn Rand afirmam às vezes que estudos científicos refutam as premissas do Objetivismo. Sempre concluí que quem faz tal afirmação, ou não entende o que diz o Objetivismo diz, ou generaliza os resultados do estudo, ou ambos. Eles irão, por exemplo, tomar os resultados de um estudo psicológico em vieses cognitivos, afirmando que ele mostra que os seres humanos são inerentemente irracionais, em contradição ao Objetivismo. Ao chegar a essa conclusão, tais pessoas tipicamente ignoram três grandes problemas: primeiro, os resumos e sumários de estudos como esses tendem a retratar a maioria estatística dos resultados, enquanto não mencionam diretamente os indivíduos na minoria (fora da curva) que não tiveram o mesmo resultado. Se algo é um atributo fundamental ou universal de seres humanos saudáveis, então, sempre haverá “pessoas fora da curva”, a menos que tais indivíduos tenham deficiências reais que os separam dos casos saudáveis. Então, não existe qualquer caso, em qualquer estudo, onde os indivíduos não sucumbem a um viés. Logo, o viés não é universal aos seres humanos.

Segundo, os estudos psicológicos usam frequentemente uma amostra muito limitada e seletiva. Um estudo que envolve trinta estudantes de faculdade em 2010 não pode necessariamente ser utilizado para dar apoio a uma afirmação sobre a natureza humana universal. O estudo omite grandes quantidades de informação de culturas diferentes, incluindo toda a história da humanidade muito antes que estudante de faculdade tivessem nascido. Uma amostra de samurais do século XXII, ou de advogados de século XVIII, sucumbiriam ao mesmo viés? Considerando quanto a cultura tende a afetar o pensamento das pessoas, é razoável duvidar disso. Essa é uma das razões por que a ciência não pode substituir a filosofia: é impraticável fazer estudos científicos envolvendo ampla gama de atividades humanas, de modo que é necessário basear muitas dessas ideias em observações gerais do mundo, e raciocinar filosoficamente daí em diante.

Terceiro, a ideia de que o fato de que muitas pessoas operam com vieses cognitivos contradiz o Objetivismo indica uma má interpretação do que diz o Objetivismo. O Objetivismo não define racionalidade como a ausência de vieses cognitivos. Em vez disso, defende racionalidade como basear as crenças e ações de um indivíduo no raciocínio oriundo da observação, no melhor uso de sua capacidade mental. Isso não impede erros desconhecidos, incluindo vieses desconhecidos que são erros em um método individual de pensamento. (Irracionalidade é a suspensão intencional de raciocínio apropriado, dentro do conhecimento de um indivíduo. Um dos principais pontos de Rand foi que todo ser humano individual, ao contrário de outros animais, tem de aprender a raciocinar de forma adequada.

Além disso, o Objetivismo sequer exige que os indivíduos sejam racionais para “funcionar’. O Objetivismo diz que as pessoas deveriam ser racionais, se desejarem sobreviver e prosperar. Se a vasta maioria das pessoas escolhe ser irracional, e isso leva ao caos e destruição, tal fato não é uma nenhuma refutação do Objetivismo.

Então, para finalizar, o Objetivismo não é uma religião, um conjunto de crenças dogmáticas, nem uma dedução flutuante de axiomas “óbvios”. É uma filosofia racional derivada da observação do mundo e raciocínio cuidadoso. Ele oferece o “quadro geral” que permite às pessoas interpretar os resultados de estudos científicos detalhados de acordo com o resto dos fatos do mundo. Isto é, oferece o contexto informacional necessário para julgar como – e em que amplitude – o resultado de um estudo deveria ser aplicado.

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Publicado originalmente em Objectivism in Depth.

Traduzido por Matheus Pacini.

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