O que eu aprendi com os nerds?

Você sabe quantos anos eu tenho? Eu sou tão velho que me lembro da época em que ser chamado de nerd era um tipo de ofensa.

Hoje, é um elogio, é legal ser nerd, até porque muitos dos que foram “insultados” deram a volta por cima, realizando coisas grandiosas — alguns até são bilionários.

É natural, então, que muitos dos jovens descolados de hoje estejam caindo nas graças da “cultura nerd”, tornando-se ainda mais descolados. Charles Cooke recentemente escreveu um artigo magnífico sobre essa “cultura inflada de nerds”, e fiquei contente ao vê-lo salientar o fato de que muitos dos que se declaram nerds atualmente são “cópias estereotipadas de nerds” (para uma versão curta, assista a esse trecho de Portlandia). Eu, particularmente, gosto da maneira como ele alfineta o Nerd Prom (baile dos nerds) — nome dado ao jantar dos correspondentes da Casa Branca, onde políticos malandros e tagarelas, repórteres de televisão sem graça e celebridades de Hollywood fingem que, na adolescência, eram prodígios socialmente excluídos, porque isso os faz pensar que são inteligentes.

Embora Cooke exponha a versão genérica da cultura nerd, acredito que seja válido refletir sobre o que há de bom na cultura nerd — a verdadeira, não a cópia.

De modo geral, eu me considero um nerd. Voltando no tempo, aos meus 11 anos, eu vivia grudado em frente à televisão assistindo Cosmos — a versão original, com Carl Sagan e sem Seth MacFarlane, que é muito melhor — e carregava uma cópia desgastada de O guia do mochileiro das galáxias (e sim, eu também ouvi os programas originais do “mochileiro” no rádio. Que dúvida!).

Não pretendo superestimar minha nerdice, já que houve aspectos dessa cultura (gibis, Star Wars) que não conheci muito a fundo. Na minha adolescência, quando sonhava em ser um astrofísico, descobri a Filosofia e li Ayn Rand — o que me mostrou que havia outra forma de encontrar respostas racionais às grandes questões com respeito à vida, à origem do universo, etc — antes de me sentir tentado a escrever sobre a confusão que é a política.

Mas há lições que aprendi com os nerds que creio que todos devam aprender — não a pose superficial ou coisas relacionadas à cultura mainstream, mas sim algumas convicções centrais.

1) O valor da ciência e da tecnologia:

Vivemos num mundo impactado por ciência e tecnologia, na maioria das vezes, para melhor (pense apenas no aumento da expectativa de vida). As pessoas deveriam se empolgar com isso. Não de maneira vaga, uma empolgação sem nexo. Elas deveriam se empolgar por como tudo isso funciona. Precisamos de pessoas fascinadas por cada detalhe do processo: como chegamos aqui, quem são os que se dispõem a entender esse processo e quem está disposto a criar as novas gerações de dispositivos incríveis.

Nerds são particularmente fascinados pelas possibilidades criadas pelo que está por vir: a Internet das Coisas, a robótica, as interfaces cérebro-máquina que nos transformarão em ciborgues, as novas fontes de energia, a exploração espacial, e por aí vai. É por isso que somos loucos pela ficção científica, que projeta esse futuro incrível e nos desafia a materializá-lo. (Veja quantos dispositivos do antigo Star Trek, como celulares flip e tablets, se tornaram realidade).

A grande farsa do aquecimento global busca capturar esse amor otimista por ciência e tecnologia, transformando-o num senso de “ludismo” pessimista. É por isso que as alegações sobre o aquecimento global raramente são usadas para defender a energia nuclear. É por isso que os ambientalistas se opõem a qualquer forma de “energia alternativa” que se torne remotamente possível (eu também sou velho o bastante para lembrar de quando represas e turbinas eólicas eram algo futurístico). E é por isso que as propostas de “geoengenharia” para reverter o suposto impacto do aquecimento global são tratadas como uma desgraça.

Na verdade, disseram aos nerds da ciência que eles teriam de embarcar num trem cuja partida tinha sido dada por um grupo de hippies confusos pró-natureza. Mas, na verdade, isso contraria seu instinto natural, que é o de celebrar o progresso tecnológico.

2) O código da ciência

Há uma ética na ciência levada muito a sério por seus fãs mais devotos que, antes de mais nada, é uma forma de honestidade. Se trata de seguir as evidências onde quer que elas levem, reconhecendo a verdade sempre, mesmo que seja dolorosa ou inconveniente.

Algumas das respostas às minhas críticas recentes a Neil de Grasse Tyson o comparam a Sheldon Cooper, o arrogante e condescendente gênio da física da série The Big Bang Theory. A comparação não é justa, pois Sheldon acredita de verdade no código da ciência, ou seja, ele está disposto a se retratar de um erro quando alguém o aponta, não importando quão desagradáveis sejam as consequências disso (enquanto Tyson não consegue nem mesmo se retratar de uma anedota mal contada em suas palestras).

A história da ciência está repleta de exemplos de pesquisadores que persistiram em apresentar uma teoria que destruiu o consenso existente, ou que descartou suas próprias suposições anteriores. O astrônomo Johannes Kepler, por exemplo, começou com a teoria de que os planetas se movem em órbitas circulares cujas proporções são determinadas pelos sólidos pitagóricos perfeitos — a qual ele descartou quando os dados demonstraram que eles se moviam em órbitas elípticas.

Quando uma teoria de sua autoria é refutada, isso ainda é um passo à frente, já que você aprendeu algo — mesmo que não tenha sido o que você queria. Esse é o porquê de meu ceticismo frente à teoria do aquecimento global: está claro que, para seus defensores, a teoria é grandiosa demais para estar errada.

Mas como o “caçador de mitos” Adam Savage explicou, o fracasso é sempre uma possibilidade. Para um nerd de verdade, nenhuma teoria é importante demais que não possa ser descartada pelo trabalho obstinado dos céticos.

3) A crença no poder da razão e do pensamento para solucionar problemas.

A história da ciência não diz respeito apenas a uma série de teorias “consensuais”. Ela também trata de problemas que antes eram considerados impossíveis de solucionar e inerentes à humanidade, mas que acabam sendo derrubados um após o outro.

O movimento dos planetas, a natureza das estrelas, as causas das doenças, a história da Terra, e (me desculpem, criacionistas) a origem das espécies — todas essas questões foram explicadas pela ciência. Então podemos ver o quão natural é tratar todas as perguntas como passíveis de resposta, todos os problemas como solucionáveis. Só é necessário uma quantidade suficiente de inteligência aplicada num período considerável de tempo.

É claro, isso pode levar a uma certa arrogância. Quando falamos de problemas político-sociais, os cientistas têm um histórico infeliz de serem muito confiantes ao proporem soluções superficiais, bem como por refletirem sobre os problemas humanos de forma muito reducionista, desconsiderando as centenas de lições advindas de experimentos fracassados em “engenharia social”. Muito disso, entretanto, resulta do fato de ignorar o verdadeiro estado da arte em ciências humanas. Assim como não é possível estudar Física sem Newton, não é possível estudar ciência política sem entender o ideal dos “pais fundadores”, muito menos entender economia ignorando todos os pensadores de livre mercado (como Hayek), optando por Paul Krugman como seu salvador pessoal.

Isso nos mostra um ponto fraco da cultura nerd. Há uma tendência a desprezar as ciências humanas, tratadas como “suaves” e subjetivas, fato que levou muitos dos nerds para as ciências em primeiro lugar. No entanto, é exatamente dessa maneira que elas são praticadas frequentemente. Mas pense da seguinte maneira: se alguém decidir que não quer estudar ciência e aprender seus métodos e terminologia, essa pessoa será incapaz de avaliar afirmações científicas de forma independente, sendo presa fácil de qualquer consenso científico que domine a imaginação popular. (Esse é o destino dos acadêmicos de humanas — ou pior, de alguns atores — que pensam estar sendo “pró-ciência” ao propagar reivindicações sobre o aquecimento global). Porém, a mesma coisa se aplica ao contrário: aqueles que não aprendem a pensar racionalmente sobre as grandes questões da humanidade acabam aceitando um consenso intelectual que não avaliaram de forma independente (esse é o destino de alguém como Neil de Grasse Tyson, que descarta a filosofia como disciplina, e, logo depois, repete quase todos os princípios ideológicos dos “progressistas” modernos).

No entanto, a convicção de que podemos encontrar respostas e solucionar problemas é o que inspira cientistas e engenheiros a buscar a constante melhoria da qualidade de vida, bem como a realização de coisas que foram um dia consideradas impossíveis.

4) A substância é mais importante do que o estilo.

Sobre esse ponto, os nerds estão transformando a necessidade numa virtude. Se você não aprendeu a conversar fiado ou a escolher roupas que combinem, é extremamente tentador dizer que essas coisas não importam. É claro, essas coisas não importam tanto quanto, por exemplo, a capacidade de ter novas ideias ou de inventar coisas novas.

Particularmente, eu nunca achei que você tivesse que escolher entre um ou outro, e essa é outra fraqueza da cultura nerd: um tipo de atitude platônica que os torna mais interessados em viver em um mundo abstrato e fantasioso do que viver no mundo real e físico. Aí você vê pessoas que memorizaram todos os diálogos de Firefly, mas nunca seguraram uma arma de verdade, se você entende o que quero dizer. Eles se contentam em limitar seu senso de aventura e realização a um mundo que só existe em sua mente.

No entanto, se você os desprezar por isso, estará desprezando também o potencial deles dentro desse reino intelectual – suas habilidades com números, programação e, além disso, o poder de sua imaginação.

Andar por aí com nerds o ajuda a entender que pessoas que não são descoladas ou que não dominam a cultura popular podem ser importantes de diversas outras formas. Ajuda-o a enxergar além das aparências. Essas pessoas podem não ser altas, bonitas e com cabelos alisados, podem não ser atléticas, podem ser socialmente desajeitadas, ou talvez não ter muitas dessas características que cativariam o público em geral. Mas elas enchem suas cabeças com conhecimento, sabem pensar de forma lógica e criativa e acabam inventando coisas que mudam o mundo.

O que me leva à última grande coisa que aprendi com os nerds.

5) Muitas coisas importantes são realizadas por pessoas excluídas.

Nerds — os verdadeiros, não os fajutos — passaram grande parte de suas vidas marginalizados e ignorados. Eles não se encaixam. Gostam de coisas diferentes, pensam e falam de maneiras diferentes, enxergam o mundo de maneira diferente. E é exatamente por isso que eles inventam coisas que ninguém inventa.

É também por isso que eu não entendo por que alguém se esforçaria tanto para mostrar que certo ponto de vista é um “consenso”, como se isso tivesse algo a ver com ciência. A maior parte da grande ciência foi feita rompendo o consenso. A tectônica de placas foi considerada uma teoria excêntrica. Médicos diziam aos seus pacientes que as úlceras eram causadas pelo estresse. Essas ideias persistiram até que alguém decidiu não se submeter ao consenso.

É também por isso que não entendo como a esquerda pode achar que é dona do povo nerd. Imagino que estejam apelando para a aversão da mente científica ao obscurantismo religioso. Mas não deveríamos ser igualmente avessos à conformidade social?

O inventor excêntrico que “pensa fora da caixa” é um dos arquétipos do individualismo americano. Somos excluídos, não seguimos o padrão e queremos nos comportar mal. Então, por que motivo não deveríamos ser céticos a respeito de um estado paternalista?

Muitos de nós são, é claro. No meu caso, pelo menos metade dos meus amigos nerds são objetivistas. Afinal, A revolta de Atlas é um livro que atrai não-conformistas jovens e inteligentes. Mas esperamos pelo dia em que o resto dos nossos amigos finalmente vejam onde é o seu lugar.

Enquanto isso, vamos usar essas lições que os nerds nos ensinaram. Que eles possam viver muito e prosperar.

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Publicado em Tracinski Letter.

Traduzido por Gabriel Poersch.

Revisado por Matheus Pacini

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