O que espero da educação formal de meu filho?

Permita-me explicar o que considero ser uma educação adequada.

A educação formal deve preparar as crianças e os adolescentes para a vida, desenvolvendo neles as ferramentas fundamentais para que sobrevivam e prosperem, tendo uma vida satisfatória. Ela deve treinar a mente, fornecendo o conhecimento para formar pessoas maduras, racionais, livres e aptas a fazer seus próprios julgamentos.

Considerando que nosso tempo é limitado, é necessário fazer escolhas sobre o que é indispensável no currículo escolar. E as escolhas são excludentes: escolher o que ensinar é também escolher o que não ensinar. O não-essencial deve ser deixado de fora, inexoravelmente. O essencial são as disciplinas e os conteúdos que fornecem ao estudante conhecimentos cruciais e habilidades de pensamento racional que lhe permitirão entender o que está sendo ensinado, adquirir um conhecimento real e permanente e reconhecer que tal aprendizado tem valor para sua vida.

A História preenche os requisitos da essencialidade, porque entender os grandes feitos e seus resultados é fundamental para que os indivíduos decidam quais princípios guiarão suas vidas. Ora, a disciplina da História pode ser cativante, repleta de figuras épicas que buscaram mudar o mundo e cujos atos geram consequências ao longo do tempo e ensinam lições profundas sobre a vida. Quem estudou, por exemplo, a razão do Iluminismo e a tirania da Idade das Trevas, decide facilmente quais ideias devem moldar seus comportamentos e quais princípios levaram os homens de valor a grandes realizações[1][2].

Gostaria que as crianças fossem apresentadas ao drama da vida humana através da beleza e profundidade da Arte, aqui entendida como:

a recriação seletiva da realidade de acordo com o julgamento de valores metafísicos do artista (…) ela [a arte] concretiza a visão fundamental do homem sobre si mesmo e sobre a existência. Ela informa ao homem quais aspectos de sua experiência devem ser considerados essenciais, significantes e importantes. Nesse sentido, a arte ensina ao homem como usar sua consciência.[3]

No final, a Arte tem como propósito principal permitir ao homem contemplar uma imagem concreta de sua natureza e de seu lugar no Universo.

Quanto à Literatura, “que é a recriação da realidade mediante a linguagem”[4], destaco a importância das grandes obras literárias para abranger temas sobre a natureza humana. Através delas, os leitores conhecem ideias abstratas de uma forma concreta; os personagens são como lentes pelas quais as pessoas conseguem identificar seus próprios ideais e vivenciar enredos dos quais, muitas vezes, não gostariam de participar; mas, principalmente, empolga com experiências sobre o melhor que a vida tem a oferecer[5].

Nesse sentido, a Literatura e a Arte transformam abstrações em concretos, fortalecendo as convicções e nutrindo a vida, por meio da contemplação de ideias e de sentimentos que representam a visão de mundo e os valores mais profundos de uma pessoa[6].

A Ciência[7] é o processo de observação sistemática do mundo físico. Nesse processo, as análises são meticulosamente integradas, levando a princípios cada vez mais amplos que explicam essas observações. Ela demonstra, portanto, que o conhecimento é hierárquico – parte de simples observações até chegar a abstrações mais amplas. O professor de Ciências pode ter a realidade como sua lousa. Basta pegar os alunos por uma mão “mental” e familiarizá-los com o mundo em que vivem. Com base nela, os alunos passam a reconhecer os fenômenos e a poder explicá-los.

A Matemática, se explorada no desenvolvimento do pensamento abstrato e lógico, capacita o estudante a encarar os problemas e buscar soluções, habilitando-o não apenas à solução dos problemas matemáticos em si, mas também – e principalmente – à solução geral de problemas. Isso será fundamental na vida adulta (afinal, quantas pessoas você conhece que não conseguem resolver simples problemas?!).

Nesse sentido, a preocupação com fórmulas e equações (comum na abordagem padrão da disciplina – memorização e procedimentalização) deveria ser menor do que o estímulo ao pensamento lógico e abstrato (trabalhar com métodos e modelos, pensar de forma lógica, saber expressar ideias complexas em palavras, reconhecer conexões entre antigos conhecimentos e novas necessidades de aplicação, desenvolver ferramentas para resolver problemas), que será vital em diversas circunstâncias, independentemente da profissão escolhida.

A capacidade de formar opiniões racionais sobre questões complicadas desenvolve-se justamente porque nossa mente é capaz de formar juízos abstratos. Desenvolvendo abstrações, podemos formar ideias que correspondem a um número ilimitado de coisas ao mesmo tempo e, com a formação de conceitos, podemos formular princípios gerais que se aplicam a diversas circunstâncias.

Porém, pensar abstratamente é um processo difícil, nada automático. Para evitar erros, é necessário garantir objetividade pelo uso do método lógico, capaz de formular ideias verdadeiras, com conclusões sólidas baseadas em fatos ancorados na realidade.

Nesse sentido, a educação é cara ao indivíduo. É sua forma e conteúdo que preenche a mente. Esse aspecto é crucial e perigoso: ou a educação é de excelência, inserindo conteúdos que viabilizam uma vida autossuficiente e independente; ou não há educação, apenas inserção de material desconectado em mentes fracas e dependentes, sem capacidade lógica de pensamento.

Em relação à Gramática, não tenho dúvidas de que a maneira de se fazer entender e de entender os demais depende de um conhecimento apurado do idioma em que nos comunicamos. Da mesma forma, não importa a ambição futura da criança, estimular a escrita é uma ferramenta indispensável na vida adulta. Veja-se, na atualidade, a dificuldade que um grande número de adultos tem para compreender simples notícias e escrever rasos pensamentos. Sem dúvida, é uma habilidade que está em falta[8][9].

O estudo da Gramática busca formar pessoas aptas a criar frases com sentido, claras, completas e lógicas. As escolas devem retomar a exigência de uma gramática rígida, pois regras objetivas são necessárias para uma comunicação efetiva. O domínio da língua formal promove também a confiança do estudante, que se sente seguro para se expressar. Não se pode aceitar como educação entendimentos[10] que desejam tornar qualquer discurso viável, desde que a ideia nele contida possa ser, de alguma maneira e com algum esforço, apreendida pelo interlocutor. É essencial restituir a noção de que existe um padrão rígido de gramática (que fornece um vocabulário conceitual) e que, por meio dele, é que as ideias são bem compreendidas.

Nesse mesmo sentido, o ensino de outras línguas deve objetivar esse mesmo primor na comunicação que se busca com a gramática da língua materna.

Infelizmente, sei que minha visão de educação adequada está longe daquela presente na maioria das escolas. Compreendo, portanto, a existência de um número cada vez maior de pessoas que buscam educar seus filhos em casa, longe de doutrinações (como se verifica no fato de que 85% dos professores de História são de esquerda[11]) e de valorização de conteúdos não-essenciais (como, por exemplo, a linguagem neutra de gênero, ou melhor, x linguagem neutrx de gênerx).

As crianças (e a sociedade) necessitam desesperadamente de um renascimento da educação, entendida como o estudo das principais disciplinas, que desenvolva nelas o conhecimento abstrato indispensável para o crescimento de mentes maduras, a fim de contribuir para criar auto-responsabilidade e independência de pensamento.

Eu, como mãe, ficaria satisfeita em oferecer ao meu filho o acesso a um programa no qual os estudantes tenham contato com a leitura e com a discussão de grandes obras da literatura, contemplem a arte, aprendam a história da História, tenham informação sobre as grandes descobertas da Ciência, desenvolvam pensamento lógico e abstrato, saibam aplicar a lógica quando deparam com problemas desconhecidos, aprendam a escrever e a falar articuladamente e desenvolvam relações sociais mutualmente auxiliares para encontrar a sua forma criativa e produtiva de prosperar no mundo.

No atual momento, com as famílias tendo que se reestruturar e seus membros tendo que desempenhar funções que antes da pandemia não lhe pertenciam, diversos pais se viram surpresos com aquilo que seus filhos aprendem nas escolas, seja pelo conteúdo em si, pela forma como ele é transmitido, pela despreocupação do método em habilitar o estudante para o mundo real.

E, nesse aspecto, os ensinamentos de Ayn Rand têm muito a contribuir[12]. Segundo Stephen Hicks[13], em sua exposição da autora, a educação formal deve ser essencialmente uma preparação para a vida adulta. Assim, o objetivo adequado da educação é promover o desenvolvimento conceitual da criança, instigando nela o conhecimento e incutindo os poderes cognitivos (aqueles que fornecem conhecimento e habilidades flexíveis para a vida, que se aplicam a uma grande variedade de situações, que desenvolvem ferramentas para serem usadas em qualquer carreira, que ensinam a pensar criativamente sobre um problema) necessários para a vida adulta.

Desenvolver um alto nível de conhecimento, por meio de um currículo interessante que preze pela educação apropriada, garantiria aos estudantes o desenvolvimento de habilidades inestimáveis para o resto da vida.

Nas palavras de Ayn Rand,

O único propósito da educação é o de ensinar um estudante a viver a sua vida – desenvolvendo sua mente e capacitando-o para lidar com a realidade. O treinamento de que ele precisa é teórico, isto é, conceitual. Tem que ser ensinado a pensar, entender, integrar e provar. Tem que aprender os fundamentos do conhecimento descoberto no passado e estar equipado para adquirir conhecimento posterior pelo seu próprio esforço[14].

Para que isso ocorra, é necessário o treinamento da mente do homem que

é seu meio básico de sobrevivência – e de autoproteção. A razão é a faculdade humana mais egoísta: ela deve ser usada na e pela mente do próprio homem, e seu produto – a verdade – torna-o inflexível, intransigente, impermeável ao poder de qualquer grupo ou de qualquer governante. Privado da habilidade de raciocinar, o homem se torna um pedaço de argila dócil, maleável e impotente a ser moldado em qualquer forma subumana e usado para qualquer fim, por qualquer um que venha a se importar.[15]

Para Rand, objetividade e respeito aos fatos são aspectos fundamentais de qualquer forma saudável de educação. Porém, o que ocorre nas escolas há tempos é justamente o inverso,

“eles (os estudantes) estão sendo ensinados, por sugestão, que não existe tal coisa como uma realidade firme e objetiva, que a mente do homem deveria aprender a perceber corretamente; essa realidade é um fluxo indeterminado e pode ser qualquer coisa que o bando queira que seja; essa verdade ou falsidade é determinada pelo voto da maioria. E mais: esse conhecimento é desnecessário e irrelevante (…) e, portanto, que a razão, o pensamento, a inteligência e a educação não têm importância ou valor. Na medida em que um estudante absorva essas noções, que incentivo ele teria para continuar sua educação e desenvolver sua mente? A resposta pode ser vista hoje em qualquer campus universitário.”[16]

Lamentavelmente, o que vejo é uma preocupação em fornecer diplomas e ter alunos aprovados nas seleções (precárias) das universidades[17]; quando, o objetivo deveria ser que os estudantes se formassem possuindo conhecimento, compreendendo claramente a importância do objeto estudado como valioso para sua vida, conquistando sabedoria, habilidade de pensamento racional e conhecimento real e permanente, ou seja, a capacidade de pensar, captar, reter e lidar com abstrações.

Não gostaria de, como mãe, ter que me contentar com menos na educação do meu filho.

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Revisado por Matheus Pacini e Bill Pedroso.

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[1] Sobre o Iluminismo e a liberdade, ver https://courses.aynrand.org/campus-courses/the-morality-of-freedom/ .

[2] Ayn Rand denunciou o perigoso método da “discussão”, no artigo “Os comprachicos”, de 1970: “Mais danoso ainda (porque mais fundamental) é o método de ‘discussão’ do ensino que, por razões óbvias, é usado com maior frequência nas humanidades do que nas ciências físicas. Seguindo esse método, o professor se abstém de dar palestras e apenas dirige uma sessão de ‘discussão aberta’ ou ‘bate papo’, enquanto os alunos expressam suas ‘visões’ sobre o assunto em estudo, que não conhecem e vêm à escola aprender”. Em: RAND, Ayn. O Retorno do Primitivo – A Revolução Anti-industrial. Trad. De Ana Parreira.  Campinas, SP: Vide Editorial, 2019, p. 85.

[3] RAND, Ayn. El Manifiesto Romántico. El arte y la cognición. Buenos Aires: Grito Sagrado Editorial, 2008, p. 49 (tradução livre).

[4] RAND, Ayn. El Manifiesto Romántico. El arte y la cognición. Buenos Aires: Grito Sagrado Editorial, 2008, p. 49  (tradução livre).

[5] Referindo-me a grandes obras literárias, e considerando o contexto do presente artigo, cito Victor Hugo:

                “E o que eles fizeram dessas crianças?

                Monstros.

                Por que monstros?

                Para dominar”.

                Em RAND, Ayn. O Retorno do Primitivo – A Revolução Anti-industrial. Trad. De Ana Parreira.  Campimas, SP: Vide Editorial, 2019, p. 100.

[6]Uma das características distintivas de uma obra de arte (incluída a literatura) é que ela não serve a nenhum fim prático material, mas é um fim em si mesma; não serve a nenhum outro propósito além da contemplação (…)˜. Em RAND, Ayn. El Manifiesto Romántico. El arte y la cognición. Buenos Aires: Grito Sagrado Editorial, 2008, p. 18. (tradução livre).

[7] Aqui utilizo o termo Ciências para engloblar Química, Física e Biologia.

[8] Em 1970, no artigo “Os comprachicos”, Ayn Rand já denunciava a existência do “semianalfabeto calouro da faculdade, que é incapaz de ler um livro (no sentido de entender seu conteúdo, em comparação com suas páginas) ou de escrever um artigo ou soletrar – ou mesmo falar coerentemente, o que é causado pela incapacidade de organizar seus pensamentos, se houver”. Em: RAND, Ayn. O Retorno do Primitivo – A Revolução Anti-industrial. Trad. de Ana Parreira. Campinas, SP: Vide Editorial, 2019, p. 84.

[9] Há evidências objetivas nesse sentido: por exemplo, pelo Índice de Analfabetismo Funcional de 2018, apenas 34% dos estudantes do ensino superior são considerados proficientes na língua portuguesa. (https://drive.google.com/file/d/1ez-6jrlrRRUm9JJ3MkwxEUffltjCTEI6/view).

[10] Nesse sentido, veja-se, por exemplo, o entendimento de Marcos Bagno, professor da Universidade de Brasília em BAGNO, Marcos. Preconceito Linguístico. O que é, como se faz. Edições Loyola: São Paulo, 1999. Nessa obra, o autor defende que não há cometimento de erro quando um falante de português fala sua própria língua materna, pois só se erraria naquilo que é aprendido, o que não seria o caso da língua materna (que seria inata). Ele defende também que erros gramaticais não representam erros de português, já que muitas vezes nem mesmo a fonética sofreria mudança. Além disso, os erros deveriam ser entendidos como tentativas de acerto. Para ele, existe uma paranoia ortográfica refletindo um elemento de dominação dos letrados sobre os iletrados. Infelizmente, em 2011, o Ministério da Educação distribuiu material por ele produzido, defendendo o uso das variantes linguísticas, para diversas escolas públicas.

[11] Dados obtidos em: https://www.gazetadopovo.com.br/educacao/estudo-85-dos-professores-de-historia-sao-de-esquerda-5fdaah5yrtneczgck9qhb6ia1/

[12] Sobre o tema, ver https://objetivismo.com.br/artigo/qual-e-a-essencia-da-educacao.

[13] Em:    https://www.youtube.com/watch?v=rGk7u1ztLDw

[14] RAND, Ayn. O Retorno do Primitivo – A Revolução Anti-industrial. Trad. De Ana Parreira. Campinas, SP: Vide Editorial, 2019, p. 105.

[15] RAND, Ayn. O Retorno do Primitivo – A Revolução Anti-industrial. Trad. De Ana Parreira. Campinas, SP: Vide Editorial, 2019, p. 100.

[16] RAND, Ayn. O Retorno do Primitivo – A Revolução Anti-industrial. Trad. De Ana Parreira.  Campimas, SP: Vide Editorial, 2019, p. 86.                                                  

[17] Universidades que, infelizmente, também não se preocupam com a relevância do ensino prestado, que muitas vezes “não tem relevância para nada – nem para a teoria nem para a prática, nem para a realidade nem para a vida humana”. Em RAND, Ayn. O Retorno do Primitivo – A Revolução Anti-industrial. Trad. De Ana Parreira.  Campimas, SP: Vide Editorial, 2019, p. 105.

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