Psicoepistemologia é um termo complexo que confunde muitas pessoas, e que só aparece nas obras de Ayn Rand e outros objetivistas. O Ayn Rand Lexicon traz a seguinte definição para o termo: “Psicoepistemologia é o estudo dos processos cognitivos no contexto da interação entre a mente consciente e as funções automáticas do subconsciente”. Ela não se refere ao conteúdo das ideias do indivíduo, mas como (com que método) a mente normalmente lida com esse conteúdo”. Creio que seu primeiro uso do termo foi em The Romantic Manifesto, referindo à arte – tanto à sua criação como ao seu entendimento.
Psicoepistemologia é uma combinação de duas palavras: “psicologia” (o estudo do subconsciente humano) e “epistemologia” (o estudo da mente consciente)[1]. De certa forma, é possível considerar os processos mentais semiautomáticos como parte de seu campo de estudo. Quando aprendemos a dirigir, por exemplo, precisamos exercitar intensamente nossa atenção consciente, de modo a evitar acidentes. Após dirigir por algum tempo, esse exercício se torna semiautomático – ou seja, precisamos prestar atenção na pista, porém não mais tanto sobre quando virar à direita ou à esquerda, acelerar, ou frear. A atenção consciente é direcionada à pista, enquanto o ato de dirigir em si segue automaticamente, tornando-se habitual.
Aprender a andar ou a falar um idioma – coisas que a maioria de nós faz ainda na infância – estão sob a esfera de estudo da psicoepistemologia. Assim como para dirigir, os vários hábitos mentais e coordenação muscular levam tempo para se tornarem automáticos, mas, como adultos, não precisamos estar conscientemente atentos para usar um idioma particular, ou aos movimentos específicos de nossas pernas para andar. Basicamente, tão logo automatizadas, simplesmente acontecem.
Mais especificamente, a psicoepistemologia aborda os hábitos mentais envolvidos em uma questão específica. Por exemplo, digamos que uma pessoa cruza com a seguinte manchete: “Israel move 75.000 soldados para a fronteira”. Se ela for racional, tentará identificar os fatos relativos a essa ação, acessando de forma semiautomática suas memórias referentes ao conflito entre Israel e o Hamas na Faixa de Gaza. Fazendo isso, é possível analisar racionalmente a manchete, julgando se ela é apropriada, ou se seria mais condizente ser dito algo como “O Hamas continua disparando foguetes contra Israel”. É assim que se cultiva o hábito mental de buscar os fatos. Outro hábito mental pode ser o de buscar princípios flutuantes[2], como a ideia de que ser justo com ambos os lados é demonstrar que nenhum dos dois está correto, como sugerido por uma reportagem publicada logo após a manchete original. A tentativa de colocar panos quentes, ao invés de buscar o lado moralmente correto, é um hábito mental motivado pela tentativa de ser “politicamente correto” em todos os aspectos (não tomar lados em nenhum conflito político). Outro hábito mental seria o de agir segundo a sua reação emocional à manchete, que pode ser a de raiva frente à preparação de Israel para atacar Gaza, ou a de alegria por eles finalmente confrontarem seu inimigo, como é o seu direito.
Em resumo, a psicoepistemologia simplesmente trata dos hábitos mentais do indivíduo – ela só parece complicada por que Rand combinou duas palavras que já existiam (apesar de ela condenar neologismos, isto é, a criação de novas palavras, a menos que fosse absolutamente necessário). A respeito da arte – seu primeiro uso do termo – a psicoepistemologia trata dos aspectos automáticos e semiautomáticos envolvidos no processo criativo do artista. Ele torna conscientes os aspectos de seu tema que melhor concretizam e tornam reais as ideias que ele tenta transmitir: por exemplo, os fatos observados levam o consumidor da arte a entender a sua intenção? Ou ele segue um método que lhe foi ensinado como um princípio flutuante, desconectado dos fatos ou do caso em questão? Ou ainda segue suas emoções, expressando ideias de um forma imprecisa, simplesmente por ter a mesma reação emocional a cada um dos itens apresentados?
Esses tipos de hábitos mentais e outras reações automatizadas do consumidor identificam a natureza da arte criada pelo artista e a natureza da resposta à arte pelo consumidor. Ambas dependem de processos mentais semiautomáticos que são difíceis de identificar explicitamente na ausência de um bom instrutor que saiba não apenas as técnicas artísticas de pintar imagens realistas, por exemplo, mas também os hábitos mentais envolvidos para tornar alguém apto a expressar o que está na mente do artista no início de seu processo criativo.
Ayn Rand detalha esse tema em mais detalhe em The Romantic Manifesto; recomendo categoricamente o livro para qualquer um com interesse em arte, seja como criador ou apreciador de obras de arte.
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Publicado originalmente em Applied Philosophy Online.
Traduzido por Bill Pedroso.
Revisado por Matheus Pacini.
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[1] Nota do Tradutor: Uma forma mais precisa de definir os conceitos é a de psicologia como a ciência que trata de processos mentais, e a epistemologia como a ciência que trata da obtenção de conhecimento. A psicoepistemologia, portanto, é a ciência que trata dos processos mentais envolvidos na obtenção de conhecimento.
[2] Nota do Tradutor: Ayn Rand define abstrações flutuantes como conceitos sem base na realidade. Por mais abstratos que sejam, conceitos devem ser redutíveis a entidades concretas, e à informação percebida diretamente pelos sentidos. Por ser volicional, o homem é capaz de criar conceitos que não correspondem a existentes reais, mas são meros instrumentos linguísticos indefinidos que servem para manter contradições em sua forma de pensar.