O argumento pela liberdade em Ludwig von Mises, F.A. Hayek e Ayn Rand (diferenças)

A justificativa consequencialista para a liberdade

Rand, Mises e Hayek divergiram na justificativa filosófica para uma sociedade livre e nos direitos que os indivíduos têm dentro da ordem social. Tanto Mises quanto Hayek eram o que hoje poderia ser denominado de “utilitaristas de regras”. Qualquer ação, política ou instituição deveria ser avaliada e julgada com base em suas consequências “positivas” ou “negativas” para a realização dos objetivos humanos.

No entanto, o padrão para tal avaliação e julgamento não são os efeitos imediatos positivos ou negativos de qualquer ação ou política. Em vez disso, ele deveria estar no contexto de longo prazo do insight teórico e da experiência histórica para determinar se uma política ou ação, e seus efeitos, são consistentes com a sustentabilidade da ordem institucional geral considerada a mais efetiva na promoção dos objetivos e propósitos de longo prazo dos membros da sociedade.

Assim, a regra utilitarista se preocupa com o chamado risco moral decorrente da implementação de uma ação ou política: ou seja, se ela criará ou não incentivos perversos que levarão os membros da sociedade a agirem de maneira inconsistente, comprometendo a melhoria de sua situação no longo prazo.

Ludwig von Mises e sua defesa da liberdade e da ordem de mercado

A ideia norteadora do sistema de Mises é a cooperação humana: qual é a melhor forma de os homens se associarem para atingirem as metas e fins que importam para cada um deles? A suposição é a de que os indivíduos deveriam ser livres, protegidos e seguros em sua liberdade para perseguir os fins que quisessem, dando sentido às suas vidas.

Mises passou a sua vida demonstrando que a estrutura político-econômica e institucional que torna isso possível é o capitalismo laissez-faire. Os homens cooperam através de um sistema de trocas mutuamente benéficas em um sistema social de divisão do trabalho. Na visão dele, era tal especialização cooperativa e comércio que explicava a rede permanente de interação humana que chamamos de sociedade.

A propriedade privada tanto dos bens de consumo quanto dos meios de produção não gera apenas incentivos para o uso produtivo e econômico de recursos escassos por seus proprietários, mas também fornece a base para um sistema racional de cálculo econômico. Por meio das trocas de mercado, os indivíduos valoram bens e fatores produtivos dentro do processo produtivo.

O sistema de preços de mercado permite que todos os participantes desse mercado contribuam com seus conhecimentos e informações sobre o que valoram e consideram os melhores usos para os recursos disponíveis. Os preços de mercado “objetivam” os julgamentos subjetivos dos membros da sociedade.

Essa é base da crítica de Mises ao socialismo e ao estado intervencionista. Ao abolir a propriedade privada e o processo de troca no mercado, evita-se o surgimento de um livre e competitivo sistema de preços nas áreas de cooperação humana. O planejamento central socialista elimina os pré-requisitos institucionais essenciais da sociedade, impedindo a coordenação racional das ações interdependentes de todos os seus membros.

Em um Estado intervencionista, quando o governo controla os preços, regulamenta a produção e redistribui a riqueza coercitivamente, o mercado não é abolido. No entanto, todos os controles, regulamentações e transferências de riqueza lentamente minam e, por fim, impedem o mercado de fazer seu trabalho. Se limitados pelo Estado, por exemplo, os preços não “contam mais a verdade”, que resultam em desequilíbrios e distorções que impedem a função harmoniosa e coordenadora do mercado.

Mises reitera que a escolha é entre o livre mercado ou o controle do governo – entre a liberdade de escolha e ação de cada membro da sociedade, ou que todos sejam obrigados a obedecer às ordens de quem detém o poder político coercitivo.

Se os homens valorizam a liberdade de viverem suas vidas como quiserem, e se desejam um arranjo institucional através do qual suas ações interdependentes possam ser racionalmente organizadas – para que os objetivos e propósitos de cada indivíduo possam ser atendidos da melhor forma possível – então, a única alternativa é uma economia de mercado politicamente livre.

Isso, ao mesmo tempo, define o papel do governo na sociedade. Ele detém o monopólio da força, devendo limitar-se a definir, proteger e respeitar o direito de cada indivíduo à sua vida, liberdade e propriedade. O seu papel, portanto, é garantir a ordem institucional, permitindo que o mercado opere efetivamente.

Hayek e o argumento da ignorância do homem

Hayek também defende a liberdade e a economia de mercado em termos consequencialistas. Seus pontos de partida são as críticas de Mises ao socialismo, e à de Carl Menger, de que muito do que chamamos de “ordem social” é o resultado cumulativo de milhões de ações e interações de indivíduos, mas de qualquer projeto humano intencional.

A justificativa de Hayek para uma sociedade livre são os limites inerentes e inevitáveis ​​do conhecimento humano para saber como projetar ou orientar conscientemente o desenvolvimento da sociedade como um todo. Os homens perseguem objetivos e implementam planos para realizá-los. No entanto, não importa quão sábios e bem-informados eles sejam, torna-se inviável deter todo o conhecimento sobre o mercado e a ordem social na medida em que a divisão do trabalho torna mais complexa a rede de relações humanas.

Além disso, Hayek argumentou que muitas formas de interação social são coordenadas por meio de instituições que, de certa forma, não são planejadas e fazem parte de uma “ordem espontânea” mais ampla. Em grande medida, disse ele, linguagem, costumes, tradições, normas de conduta e relações de troca evoluíram e se desenvolveram sem nenhum projeto consciente a guiá-los. Ainda assim, sem essas regras e instituições não planejadas, teria sido impossível para a sociedade progredir além de um nível bastante primitivo.

Outra forma de expressar isso é que, na visão de Hayek, a característica única de uma civilização avançada é que não existe nenhuma mente (ou conjunto de mentes) que a controla ou dirige. A complexidade da atividade social e econômica impossibilita qualquer indivíduo de ter acesso às informações necessárias para coordenar as atividades de todos os membros do grupo. Tampouco todos os membros concordarão com os mesmos valores, ou terão as mesmas preferências relativas; suas ações e interesses serão diversos e plurais.

Os benefícios da sociedade não planejada e os preços de mercado

Portanto, uma sociedade avançada deve ser sempre uma sociedade “sem planos”; ou seja, uma sociedade em que nenhum plano geral se sobrepõe às ações e planos dos indivíduos que a compõem. Em vez disso, a civilização é necessariamente uma ordem espontânea, em que os participantes usam seu próprio conhecimento especial e perseguem seus planos individualmente, sem uma vontade superior ou mente guiando-os numa direção ou padrão predefinido.

Hayek enfatizou que a divisão do trabalho tem uma contrapartida: a divisão do conhecimento. Cada indivíduo tem conhecimento especializado e local em seu ponto da divisão de trabalho que só ele pode compreender totalmente e entender como usar. No entanto, se todas essas parcelas de conhecimento especializado devem servir a todos na sociedade, deve existir algum método para coordenar as atividades de todos os participantes interdependentes no mercado.

Para resolver esse problema, a solução do mercado foi o sistema de preços competitivos. Os preços não servem apenas como um incentivo ao trabalho e esforço, mas também informam os indivíduos sobre oportunidades que vale a pena perseguir. Insistiu que que isso demonstrava cientificamente que o socialismo era impossível. Nesse sentido, quis dizer que, para resolver o problema econômico é preciso integrar e coordenar com sucesso a imensa quantidade de conhecimento da sociedade, o que está lógica e factualmente além da capacidade de uma agência de planejamento central. Então, a economia planejada nunca pode substituir a ordem de mercado sem ameaçar o padrão de vida que só advém de uma ordem social que possui o nível atual de complexidade e adaptabilidade à mudança.

Rand e o argumento moral em prol dos direitos individuais

Por assim dizer, Ayn Rand começa sua análise no outro extremo. Ela pergunta: qual é a natureza do homem? O que é necessário para sua sobrevivência e melhoria? Qual é o arranjo institucional mais consistente com a natureza do homem, permitindo que ele desenvolva o seu potencial? Portanto, o homem é o fim, e as ordens social e política os meios para o sucesso de sua existência.

A razão é a ferramenta essencial de sobrevivência e aperfeiçoamento do homem. Instinto e emoção, apesar de importantes, são meios inadequados ou falhos para preservar ou melhorar a sua vida. O homem deve usar suas capacidades cognitivas e conceituais, ou sua vida pode se tornar “desagradável, brutal e curta.”

Portanto, cada pessoa deve ter a liberdade de aplicar seu intelecto para descobrir e aprender como promover sua vida da forma mais eficaz. Para sobreviver e prosperar, deve ter liberdade para tomar suas próprias decisões. De outra forma, fica refém do destino e do acaso, ou abdica de seu próprio julgamento, entregando sua vida ao conhecimento e decisões de outra pessoa.

Ao contrário de interpretações distorcidas, Rand jamais presume que cada homem é uma ilha em si mesmo, mas sim que é um ser que tem a capacidade de aprender e aproveitar o conhecimento, a sabedoria e as experiências dos outros. Ou seja: ou o indivíduo tem autonomia para decidir de que conhecimento, experiência e associação quer se beneficiar – tendo em vista os objetivos e propósitos que estabeleceu para si mesmo – ou ele se submete ao controle cego de outro.

O perigo de quem quer fazer você se sacrificar por eles

Com base em que suposição ou raciocínio um indivíduo deveria entregar a gestão de sua vida para outro? É aqui que Rand enfatiza o poder e o perigo das ideias. Sinaliza que devemos estar atentos aos homens que afirmam que é certo sacrificar sua vida por um “bem maior” – termo que propagandistas e saqueadores dizem entender melhor que o resto da sociedade, de que é “egoísta” perseguir seus meros fins individuais.

Para usar um termo marxista, intelectuais e saqueadores coletivistas usam a doutrinação para impor uma falsa culpa aos membros produtivos da sociedade, tentando convencê-los de que devem renunciar suas vidas e os frutos de seu trabalho em nome do “bem comum”. Quer seja chamado de comunismo, socialismo, fascismo, nazismo, democracia ou estatismo intervencionista-assistencialista, o homem que deveria ser livre é levado a aceitar sua própria escravidão parcial ou total à vontade do outro. E, na medida em que isso se torna realidade, os senhores de escravos conquistam a “sanção das vítimas” que escravizaram.

Se um homem deseja ser livre, deve compreender que tem direito de ser livre. Ou seja, que tem direito à sua vida, orientado segundo sua própria razão e julgamento; que deve ter a liberdade de projetar e alcançar os fins que darão sentido à sua vida. Deve também saber que tem direito aos frutos de seu próprio trabalho, que são sempre e, em última análise, o fruto do potencial criativo da sua própria mente; que, ao buscar os fins que escolheu para sua própria vida, ele decide como e de que formas se associará e colaborará pacífica e voluntariamente com outros homens, que têm os mesmos direitos que ele.

Isso levou Rand a argumentar, portanto, que o único sistema político e econômico moral, apropriado e consistente com essa visão do homem é o capitalismo laissez-faire. Cada pessoa deve ser vista como um fim em si mesma, não como um meio para os fins dos outros. Portanto, o objetivo da liberdade individual é um reflexo do que o homem necessita para sua vida – sobrevivência e aprimoramento – através do uso de sua mente e habilidades, conforme achar necessário. Os meios políticos e sociais para tal fim são, respectivamente, os direitos individuais e a associação humana baseada na troca voluntária e não na força física – ou seja, o capitalismo laissez-faire.

O sistema político de uma sociedade capitalista, portanto, lógica e moralmente restringe os deveres e responsabilidades do governo à proteção dos direitos individuais. A frequente insistência de Rand de que não pode haver exceção, que ou o indivíduo é livre em todos os níveis, ou não é, deriva da premissa inicial de que o homem tem controle sobre sua própria mente e vida.

Sem um fundamento moral, a batalha pela liberdade é uma causa perdida

É por isso que a causa da liberdade parece estar perdendo no campo de batalha das ideias. Por que cada aparente afastamento do coletivismo acaba sendo só um atraso em que parece ser uma tendência inevitável em direção a um governo maior e mais intrusivo. Enquanto as pessoas puderem ser persuadidas de que são moralmente obrigadas a se sacrificar de alguma forma pelos outros, ou que têm o direito de viver à custa dos outros, não haverá um afastamento permanente e abrangente desse “caminho da servidão”.

É por isso que o argumento do economista para a liberdade individual e econômica – conforme brilhantemente formulado por Mises e Hayek – precisa do argumento filosófico complementar e fundamental para os direitos individuais derivados de uma compreensão da natureza do homem. Caso contrário, a causa da liberdade humana não prevalecerá no longo prazo. Apreciar a importância de tal fundamento filosófico para a defesa dos direitos humanos explica a contínua relevância e significado do argumento moral de Ayn Rand para o capitalismo.

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Tradução de Hellen Rose.

Revisado por Matheus Pacini.

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