No início dos tempos modernos, a causa em prol da liberdade de expressão venceu a batalha contra o autoritarismo tradicional. Os argumentos poderosos de Galileu[1], John Locke[2], John Stuart Mill[3] e outros venceram o debate pela liberdade de expressão. Historicamente, estes argumentos foram propostos em contextos filosóficos distintos, e frequentemente adaptados a plateias hostis à liberdade de expressão por motivos variados. No debate contemporâneo, ainda é possível identificar elementos remanescentes destes argumentos: (1) a razão é essencial para o conhecimento da realidade (Galileu e Locke); (2) a razão é uma função do indivíduo (Locke, especialmente); (3) o indivíduo racional necessita, sobretudo, de liberdade na busca do conhecimento da realidade – liberdade para pensar, criticar, debater (Galileu, Locke e Mill); (4) a liberdade do indivíduo na busca do conhecimento é de suma importância para os outros membros da sociedade (Mill, especialmente).
Uma consequência desse argumento é que quando estabelecemos instituições sociais especializadas na busca e na promoção de nosso conhecimento da verdade – sociedades científicas, institutos de pesquisas, faculdades e universidades – deveríamos nos esforçar muito para proteger, alimentar e encorajar a liberdade das mentes criativas.
É surpreendente, portanto, que atualmente as maiores ameaças à liberdade de expressão venham justamente de dentro de nossas faculdades e universidades. Tradicionalmente, o principal objetivo de carreira da maioria dos acadêmicos tem sido obter estabilidade no cargo, o que lhes permite dizer o que quiserem sem medo de serem demitidos. A estabilidade existe, portanto, para proteger a liberdade de pensamento e expressão. Hoje em dia, constatamos que muitos indivíduos que trabalharam por muitos anos para obter estabilidade – e a liberdade acadêmica que a acompanha – são os defensores mais ferrenhos da limitação do discurso alheio.
Códigos de Discurso
Aqui estão dois exemplos que ilustram como alguns acadêmicos buscam limitar o discurso alheio por meio dos chamados speech codes (códigos de discurso). Um código de discurso proposto na Universidade de Michigan proibia:
“qualquer comportamento, verbal ou físico, que estigmatiza ou vitima um indivíduo com base na raça, etnia, religião, sexo, orientação sexual, credo, nacionalidade, descendência, idade, estado civil, deficiência física ou status de veterano da Guerra do Vietnã…”.
Já na Universidade de Wisconsin, um código de discurso advertia que ações disciplinares seriam tomadas contra qualquer aluno que:
“por comentários racistas ou discriminatórios, epítetos ou quaisquer outros comportamentos expressivos ou condutas físicas direcionados a um indivíduo ou, em ocasiões separadas, a indivíduos distintos, se tais comentários, epítetos, comportamentos expressivos ou condutas físicas de forma intencional: humilharem a raça, sexo, religião, cor, credo, deficiência, orientação sexual, nacionalidade, descendência ou idade de indivíduo(s); e criarem um ambiente intimidante, hostil ou degradante para a educação, trabalhos relacionados à universidade ou outras atividades autorizadas pela mesma”.
Esses são dois exemplos típicos de códigos de discurso que estão sendo aplicados em muitas universidades e faculdades ao redor do país. Entre os principais teóricos por trás desses códigos de discursos estão acadêmicos proeminentes como Mari J. Matsuda, que tende a escrever em nome dos americanos com descendência asiática[4]; Richard Delgado, que tende a escrever em nome dos hispânicos e das minorias raciais[5]; Catherine A. MacKinnon, que escreve em nome das mulheres enquanto grupo oprimido[6]; e Stanley Fish, que, sendo um homem branco, está em uma posição particularmente delicada – mas que resolve o problema sendo sensível a qualquer pessoa com status de vitima[7].
Por que não confiar na Primeira Emenda à Constituição dos Estados Unidos?[8]
Em resposta aos códigos de discurso, uma reação comum dos norte-americanos é dizer: “por que a Primeira Emenda já não considerou tudo isso, ressaltando que vivemos nos Estados Unidos e que ela protege a liberdade de expressão, mesmo quando se trata de discursos ofensivos?” De fato, poderíamos dizer isso. Mas a Primeira Emenda é uma regra política que se aplica à sociedade política. Não é uma regra social que se aplica a indivíduos privados; tampouco, é um princípio filosófico que responde a ataques filosóficos à liberdade de expressão.
No que diz respeito à distinção entre as esferas política e privada, por exemplo, note que a Primeira Emenda diz que o Congresso não deverá fazer leis com respeito à religião, à liberdade de expressão, à liberdade de imprensa e à liberdade de associação. Isso significa que a Primeira Emenda se aplica tão somente às ações governamentais. Nós podemos estender esse ponto às universidades públicas como Michigan e Wisconsin, argumentando que elas são instituições administradas pelo Estado e, portanto, parte do governo. Por essa lógica, podemos dizer que a proteção da Primeira Emenda deveria ser aplicada a todas as universidades públicas. E esse é um bom argumento a se fazer.
Mas esse não é o fim do assunto, por muitas razões. Em primeiro lugar, a Primeira Emenda não se aplica às faculdades particulares. Se uma faculdade particular deseja instituir algum tipo de código de discurso, não deveria haver nada ilegal sobre isso no que tange à Primeira Emenda. Em segundo lugar: a proteção da Primeira Emenda vai de encontro a outra estimada instituição dentro da academia: a liberdade acadêmica. É possível que um professor queira instituir um código de discurso na sua aula e que, tradicionalmente, seja protegido pela liberdade acadêmica para conduzir suas aulas da forma que bem entender. Em terceiro lugar: apelar para a Primeira Emenda não trata de outro argumento que tem apelo generalizado. A educação é uma forma de comunicação e associação, particularmente íntima em alguns aspectos, e que para funcionar requer civilidade. Então, demonstrações abertas de ódio, aversão, ou ameaças na sala de aula ou em qualquer outro lugar da universidade subvertem a atmosfera social que torna a educação possível. Esse argumento implica que faculdades e universidades são um tipo especial de instituição social: comunidades onde pode haver a necessidade de códigos de discurso.
A Primeira Emenda não fornece orientação sobre as regras que governam o discurso em nenhum desses casos. Nesses casos, os debates são primariamente filosóficos. E é por isso que escrevo este artigo.
Contexto: Por que a esquerda?
Em primeiro lugar, eu gostaria de destacar que a maioria dos códigos de discurso ao redor do país é proposta por membros da extrema-esquerda, ainda que a mesma extrema-esquerda por muitos anos tenha reclamado da mão pesada das administrações das universidades, lutando contra o jugo das restrições universitárias. Então, há uma ironia na mudança de tática da esquerda em prol de restrições autoritárias e politicamente corretas ao discurso.
Na verdade, a questão é: por que, em anos recentes, os acadêmicos de esquerda mudaram sua crítica e sua tática de forma tão dramática? Eu falei sobre vários aspectos dessa questão anteriormente, e escrevi um livro sobre o tema[9]. Em meu julgamento, uma parte-chave da explicação para a mudança de postura dos esquerdistas é que, nas últimas décadas, a esquerda sofreu uma série de grandes decepções. No Ocidente, a esquerda falhou na criação de partidos socialistas de sucesso, e muitos partidos socialistas se tornaram moderados. Grandes experimentos socialistas em nações como a União Soviética, Vietnã e Cuba foram um verdadeiro fracasso. Mesmo o mundo acadêmico tem se convertido ao liberalismo e ao livre mercado. Quando um movimento intelectual sofre grandes decepções, é provável que recorra a táticas mais desesperadas: entre elas, podemos citar os códigos de discurso – que buscam restringir os argumentos dos oponentes políticos e filosóficos.
Ação afirmativa como um exemplo prático
Vamos usar as políticas de ação afirmativa[10] como uma ilustração desse processo, por duas razões. Em primeiro lugar, a esquerda americana claramente se decepcionou com os resultados de suas políticas de ação afirmativa. Nas décadas de 1980 e 1990, a esquerda percebeu que estava perdendo a batalha em defesa da ação afirmativa. Em segundo lugar, todos nós já estamos familiarizados com a questão da ação afirmativa, de forma que ela pode servir como uma clara ilustração dos princípios filosóficos sobre os quais a esquerda baseia seus objetivos; por meio disso, será possível enxergar como esses mesmos princípios são reaplicados na defesa dos códigos de discurso.
O argumento em prol da ação afirmativa com base na raça normalmente começa pela observação de que os negros como um grupo sofreram opressão severa nas mãos dos brancos como grupo. Dado que aquilo foi injusto, obviamente, e dado que é um princípio de justiça que sempre e quando uma parte prejudica a outra, a parte lesada deve ser compensada pela parte lesante, podemos argumentar que os brancos como um grupo devem compensar os negros como um grupo.
Os opositores da ação afirmativa responderão argumentando que a “compensação” proposta é injusta para com as gerações atuais. Na prática, a ação afirmativa faz com que um indivíduo dessa geração, um branco que nunca possuiu escravos, compense um negro que nunca foi um escravo.
O que temos aqui, de ambos os lados do argumento, são dois conjuntos de princípios concorrentes.
Um dos conjuntos é representado pela seguinte questão: deveríamos tratar indivíduos como membros de um grupo ou deveríamos tratá-los como indivíduos? Devemos falar de negros como um grupo versus brancos como um grupo? Ou devemos analisar os indivíduos envolvidos? Os defensores das cotas raciais[11] argumentam que brancos e negros como indivíduos deveriam ser tratados como membros de grupos raciais aos quais pertencem, enquanto os opositores das cotas raciais argumentam que deveríamos tratá-los como indivíduos, sejam brancos ou negros, como indivíduos não importando a cor de sua pele. Em resumo, nós temos um conflito entre coletivismo e individualismo.
Outro conjunto de princípios concorrentes emerge como a seguir. Defensores das cotas argumentam que, parcialmente, como resultado da escravidão, os brancos hoje são o grupo dominante e os negros são o grupo subordinado, e que os fortes têm obrigação de se sacrificar pelos fracos. Para os defensores das cotas, segue o argumento, deveríamos redistribuir empregos e vagas nas faculdades de membros do grupo branco dominante para os membros do grupo negro subordinado. Os opositores das cotas rejeitam este parâmetro altruístico. Eles argumentam que empregos e vagas nas faculdades deveriam ser decididos com base na capacidade individual e no mérito. Em resumo, temos um conflito entre altruísmo e o princípio egoísta de que o indivíduo deve obter o que conquistou.
No próximo estágio típico do debate sobre as cotas raciais, dois outros conjuntos concorrentes de princípios emergem. Defensores das cotas dirão: “talvez seja verdade que a escravidão acabou, e talvez as leis de Jim Crow também; mas seus efeitos, não. Os negros, como um grupo, herdaram um legado. Portanto, os negros contemporâneos são vítimas da discriminação do passado. Eles foram prejudicados e impedidos de progredir, e nunca tiveram a oportunidade de recuperar o tempo perdido. Portanto, para equiparar racialmente a distribuição de riqueza e os empregos na sociedade, precisamos de políticas de cotas para redistribuir oportunidades dos grupos que têm desproporcionalmente mais para os grupos que têm desproporcionalmente menos”.
Os opositores das cotas respondem dizendo o seguinte: “É óbvio que os efeitos dos eventos passados são transmitidos de geração em geração, mas esses não são estritamente efeitos causais; eles são influências”. Os indivíduos são influenciados por seu contexto social, mas cada indivíduo tem o poder de decidir por si mesmo qual influência aceitará. E nesse país, especialmente, os indivíduos são expostos a centenas de diferentes modelos de comportamento de pais, professores, colegas, heróis do esporte e estrelas de cinema, e assim por diante. Da mesma forma, o que pessoas cujas famílias foram socialmente privadas não necessitam são doações, mas sim liberdade e oportunidades para melhorar. Então, desse lado do argumento, o ponto é que os indivíduos não são simplesmente produtos do seu ambiente; eles têm a liberdade para moldar suas vidas da forma que quiserem. Em vez de políticas de cotas, a resposta é encorajar os indivíduos a pensarem por si mesmos, a serem ambiciosos, a buscarem oportunidades, e a protegerem sua liberdade de fazê-lo.
Vamos abstrair desse segundo argumento outros dois conjuntos de princípios concorrentes. Defensores da ação afirmativa confiam no princípio do determinismo social que diz: “o status dessa geração é o resultado do que ocorreu na geração anterior; seus membros são construídos pelas circunstâncias da geração passada”. O outro lado do argumento enfatiza a volição: os indivíduos têm o poder de escolher quais influências sociais aceitarão. O segundo grupo de princípios concorrentes segue: os indivíduos precisam se tornar mais iguais em propriedades e oportunidades, ou eles precisam de mais liberdade para viver suas vidas como lhes convier?
Em resumo, o que temos é um debate envolvendo quatro conjuntos de princípios. Essas quatro subcategorias constituem o debate geral sobre a ação afirmativa.
Pró-Ação Afirmativa | Contra Ação Afirmativa |
Coletivismo | Individualismo |
Altruísmo | Egoísmo |
Determinismo Social | Volição |
Igualitarismo | Liberdade |
Recentemente, defensores da ação afirmativa têm estado na defensiva e muitos programas de ação afirmativa estão saindo de cena. Existe muito menos aceitação voluntária a programas de ação afirmativa.
Mas se formos esquerdistas comprometidos com a noção de que o racismo e o sexismo são problemas que devem ser atacados vigorosamente, e se vemos a ferramenta da ação afirmativa sendo tirada de nós, nos damos conta que devemos buscar novas estratégias. Uma das novas estratégias é o código de discurso na universidade. Então, quero agora mostrar como a questão do código de discurso incorpora cada um dos quatros princípios do lado esquerdo da coluna – coletivismo, altruísmo, o princípio da construção social e o conceito da igualdade.
Igualitarismo
Às vezes tenho a fantasia de que jogarei uma partida de basquete com Michael Jordan. Ele aparece quando estou fazendo alguns arremessos e eu o desafio. Ele aceita, e começamos a partida. Temos até mesmo um árbitro para assegurar que não haverá jogo sujo e assim por diante.
Em seguida, todavia, uma dose de realismo entra em minha fantasia e caio na real. Qual seria o resultado dessa partida? Bem, jogando dentro das regras do basquete, Michael vence por 100 a 3 – em uma jogada fortuita, antes que se aproxime de mim, eu acerto uma cesta de três pontos.
Agora, vamos tratar da questão ética: seria um jogo justo? Existem duas respostas completamente diferentes que eu poderia dar: a resposta esquerdista e igualitária versus a resposta que você provavelmente está pensando. A primeira resposta diz que o jogo seria completamente injusto, dado que Stephen Hicks não tem nenhuma chance de vitória contra Michael Jordan. Michael Jordan é o melhor jogador de basquete do universo, e eu sou um jogador de final de semana, com um salto de dois cm. Para tornar o jogo “justo”, essa resposta propõe que teríamos de equalizar a diferença radical nas habilidades em jogo. Essa é a resposta igualitária à questão.
A outra resposta diz que o jogo seria perfeitamente justo. Tanto Michael quanto eu escolhemos jogar. Quando eu o desafiei, sabia quem ele era. Michael trabalhou duro para desenvolver suas habilidades. Por outro lado, eu trabalhei menos para adquirir as minhas poucas habilidades. Além disso, nós dois conhecemos as regras do jogo, e existe um árbitro que está assegurando, de forma imparcial, o cumprimento dessas regras. Quando disputamos a partida, Michael acertou o número de arremessos necessários para contabilizar 100 pontos. Ele merece os pontos que conquistou. E eu mereço os três pontos que conquistei. Então, Michael ganhou a partida de forma justa – e se meu objetivo é ganhar partidas de basquete, então eu deveria buscar partidas com outras pessoas. Essa é resposta individualista e liberal à questão.
Mas se estivermos comprometidos com a noção igualitária de “justo”, então seremos levados à conclusão de que em qualquer competição devemos igualar todos os participantes, de forma que tenham, pelo menos, alguma chance de sucesso. Aí é que entra o princípio do altruísmo. O altruísmo diz que, para igualarmos as oportunidades, devemos tirar dos fortes e dar aos fracos; isto é, devemos nos engajar na redistribuição. O que podemos fazer no caso do basquete é propor uma igualdade, digamos, ao não deixar Michael Jordan usar sua mão direita; ou se for uma questão de salto, fazendo-o usar pesos em seus tornozelos de forma que o seu salto e o meu fossem igualados. Esse é o princípio da desvantagem esportiva, o qual é amplamente utilizado e implica em não permitir que alguém use uma habilidade para que o fraco tenha uma chance. A outra possível estratégia é me conceder uma vantagem de 90 pontos logo de entrada. Isto é, não tiraríamos nenhum ponto que Michael obtivesse, mas, por outro lado, ele me daria algo que não ganhei. Ou, é claro, nós poderíamos implementar ambas as soluções simultaneamente. Então, existem três possibilidades: (1) podemos tentar igualar por meio da proibição do uso de uma habilidade que ele tem; (2) podemos dar ao fraco uma vantagem que não conquistou; ou (3) podemos fazer as duas coisas.
Existe um padrão geral aqui. O igualitário parte da premissa de que o jogo não é justo ao menos que as duas partes que estão competidos sejam iguais. Depois, o igualitário destaca que algumas partes são mais fortes que outras, em algum sentido. Finalmente, o igualitário procura redistribuir de alguma forma e de maneira a tornar as partes iguais ou buscando evitar que o forte use suas habilidades superiores.
Os esquerdistas pós-modernistas aplicam tudo isso ao discurso e dizem algo como o que segue: “justo” significa que todas as vozes são ouvidas de forma equânime. Mas algumas pessoas têm mais participação no discurso que outras, e algumas têm um discurso mais efetivo que outras. Então, o que precisamos fazer, para equalizar o discurso, é limitar o discurso das partes mais fortes de forma a equalizar ou dar mais oportunidades de participação às partes mais fracas. Ou precisamos fazer as duas coisas. O paralelo com a ação afirmativa/politica de cotas é claro.
Desigualdades ao longo de linhas racial e sexual
A próxima questão é: quais são as partes mais fortes e mais fracas das quais estamos falando? Bem, não surpreendente, pois, que a esquerda novamente enfatiza as classes raciais e de gênero como grupos em necessidade de ajuda. A esquerda gasta muito tempo focando em dados relacionados às disparidades estatísticas ao longo das linhas racial e sexual. Qual é a composição sexual e racial de várias profissões? De várias faculdades? De vários programas educacionais? Em seguida, argumentarão que o racismo e o sexismo são causas daquelas disparidades e que precisamos atacar aquelas disparidades por meio da redistribuição.
Como os individualistas e liberais respondem aos argumentos pós-modernistas, esquerdistas e igualitários? Em alguns casos, as disparidades que os esquerdistas encontram são genuínas e o racismo e o sexismo têm participação em algumas delas. Contudo, em vez de se entregar à redistribuição, os individualistas argumentam, deveríamos resolver aqueles problemas ensinando os indivíduos a serem racionais, de duas maneiras. Primeiro, deveríamos ensiná-los a desenvolver suas habilidades e talentos, e serem ambiciosos, para que possam traçar seu próprio caminho no mundo. Segundo, nós deveríamos ensiná-los o ponto óbvio de que o racismo e o sexismo são estúpidos; que as pessoas deveriam ser julgadas com base no seu caráter, inteligência, personalidade e habilidades; e que a cor da pele de alguém é quase sempre insignificante.
A isso, os pós-modernistas respondem que o conselho é inútil no mundo real. E aqui é onde os argumentos pós-modernistas, embora tenham sido usados no caso da ação afirmativa, são novos com respeito ao discurso. O que fazem é introduzir uma nova epistemologia – uma epistemologia socioconstrutivista – nos debates sobre censura.
A construção social de mentes
Tradicionalmente, o discurso tem sido considerado como um ato cognitivo do indivíduo. A visão pós-modernista, por outro lado, é que o discurso é formado socialmente no indivíduo. E como o que pensamos é uma função do que aprendemos por meio da linguagem, nossos processos de pensamento são construídos socialmente, dependendo dos hábitos linguísticos dos grupos aos quais pertencemos. A partir dessa perspectiva epistemológica, a noção de que indivíduos podem ser autodidatas ou se virarem por contra própria é um mito. Além disso, a noção de que podemos tomar alguém que foi construído como um racista e simplesmente ensiná-lo a desaprender os maus hábitos – ou ensinar um grupo como um todo a desaprender seus maus hábitos, ao apelar para a sua razão – isso também é um mito.
Veja o argumento de Stanley Fish, do seu livro There´s no Such Thing as Freedom of Speech – and it´s a good thing too (Não existe liberdade de expressão – e isso é algo bom). A questão aqui não é primariamente política, mas sim epistemológica:
“A liberdade de expressão é uma impossibilidade conceitual porque a condição do discurso ser livre é, em primeiro lugar, irrealizável. Essa condição corresponde à esperança, representada pelo frequentemente invocado “mercado das ideias”, que podemos organizar um fórum no qual as ideias podem ser consideradas independentemente de restrições político-ideológicas. Meu ponto, não exposto em palavras, é que restrições do tipo ideológico são generativas do discurso e que, portanto, a própria inteligibilidade do discurso (mais como asserção do que como ruído) é radicalmente dependente do que os ideólogos do discurso livre afastarão”.
Ausente de uma já instaurada e (por agora) inquestionável visão ideológica, o ato do discurso não faria sentido, porque não estaria ressonando contra qualquer entendimento subjacente dos possíveis cursos de ação física ou verbal e suas possíveis consequências. Tampouco é esse background acessível ao orador que restringe; em vez disso, ela constituiu o campo no qual a consciência ocorre, e, portanto as produções da consciência, e especificamente o discurso, sempre será político (isto é, angular) por formas que o orador não pode saber”[12].
Nós somos construídos socialmente, argumentam os pós-modernistas, e nós não estamos, mesmo enquanto adultos, conscientes da construção social por trás do nosso discurso. Nós podemos pensar que estamos falando livremente e fazendo nossas próprias escolhas, mas a mão invisível da construção social está fazendo de nós o que realmente somos. O que você pensa e o que você faz e mesmo como você pensa é governado pelas suas crenças subjacentes.
Fish enuncia a questão de forma abstrata. Catharine MacKinnon aplica essa questão ao caso especial de homens e mulheres na defesa do seu caso em favor da censura à pornografia. Seu argumento não é o argumento padrão, conservador, que a pornografia dessensibiliza os homens e os faz ficarem tão excitados a ponto de fazerem coisas brutais às mulheres. MacKinnon acredita que a pornografia colabora para tal, mas seu argumento é mais profundo. Ela argumenta que a pornografia é uma grande parte do discurso social que está construindo todos nós. Isso é o que torna os homens o que são em primeiro lugar e torna as mulheres o que são em primeiro lugar. Então, nós somos culturalmente construídos pela pornografia como uma forma de linguagem para adotar certos padrões sexuais e assim por diante[13].
Como resultado disso, os pós-modernistas inferem que não existe distinção entre discurso e ação, a distinção que os liberais haviam tradicionalmente valorizado. De acordo com os pós-modernistas, o discurso é em si algo poderoso porque constrói quem somos e está por trás de todas as ações nas quais nos engajamos. E como uma forma de ação, ele pode e faz mal a outras pessoas. Os liberais, dizem os pós-modernistas, deveriam aceitar que qualquer forma de ação danosa deveria ser restringida. Portanto, eles devem aceitar a censura.
Outra consequência dessa visão é que o conflito de grupo é inevitável, pois grupos diferentes são construídos de forma diferente, de acordo com sua linguística e origem distintas. Brancos e negros, homens e mulheres, são construídos de forma diferente e aqueles universos linguístico-sociais e ideológicos distintos entrarão em confronto. Assim, o discurso dos membros de cada grupo é visto como um veículo pelo qual os interesses concorrentes dos grupos entram em combate. E não haverá forma de resolver o conflito, porque dessa perspectiva você não pode dizer, “vamos resolver isso de forma racional”. O que a razão é, é em si construída por condições anteriores que fizeram quem você é. O que parece racional para você não é o que é racional para o outro grupo. Consequentemente, toda a discussão necessariamente se reduzirá a ver quem fala mais alto.
Interlocutores e censores
Vamos resumir esse argumento e inserir todos os seus elementos.
- O discurso é uma forma de poder social (construtivismo social)
- Justiça significa igual habilidade para discursar (igualitarismo)
- A habilidade de discurso é desigual entre grupos raciais e de gênero (coletivismo)
- As raças e os gêneros estão em conflito entre si (racismo e sexismo)
- Os grupos raciais e de gênero mais fortes, isto é, brancos e homens, usarão seu poder de discurso em sua vantagem, à custa de outras raças e das mulheres (conflito de soma-zero).
O que temos, então, são duas posições sobre a natureza do discurso. Os pós-modernistas dizem: o discurso é uma arma no conflito entre grupos que são desiguais. E isso é diametricamente oposto à visão liberal de discurso, que diz: o discurso é uma ferramenta cognitiva e de comunicação para os indivíduos que são livres.
Uma consequência notável dessa análise é que a tolerância do “vale tudo” no discurso torna-se censura. O argumento pós-modernista implica que se “vale tudo”, isso permite que os grupos dominantes permaneçam dizendo coisas que mantêm os grupos subordinados em seu lugar. Assim, o liberalismo significa o silenciamento dos grupos subordinados ao deixar os grupos dominantes terem discurso efetivo. Os códigos de discurso pós-modernistas, portanto, não são uma forma de censura, mas uma forma de libertação – eles libertam os grupos subordinados dos efeitos punitivos e restringentes dos grupos poderosos, e oferecem uma atmosfera na qual os grupos previamente subordinados podem se expressar. Os códigos de discurso igualam o campo de jogo.
Como explica Stanley Fish:
“Individualismo, justiça, mérito – essas três palavras estão sempre na boca dos novos fanáticos que aprenderam que não necessitam colocar um capuz branco ou barrar o acesso às urnas para assegurar seus objetivos”[14].
Em outras palavras, liberdade de expressão é o que a Ku Klux Klan realmente deseja.
As noções liberais de deixar os indivíduos livres e lhes dizer que nós vamos trata-los de acordo com as mesmas regras e lhes julgar segundo seu mérito somente significam reforçar o status quo, isto é, a manutenção dos brancos e homens no topo e o resto na base. Dessa forma, para acabar com o desequilíbrio de poder, um sistema explícito e direto de dois pesos e duas medidas é absoluta e assumidamente demandado pela esquerda pós-modernista.
Essa questão não é uma novidade trazida por essa geração de pós-modernistas. Herbert Marcuse tinha articulado isto de forma mais ampla quando disse: “liberar a tolerância, então, significaria intolerância contra os movimentos de direita, e tolerância aos movimentos de esquerda”[15].
O centro do debate
Temos visto, então, o que a filósofa Ayn Rand frequentemente destacava – que a política não é algo fundamental[16]. Os debates sobre liberdade de expressão e censura ocorrem na arena política, porém não se pode subestimar a importância de questões filosóficas fundamentais em epistemologia, natureza humana e valores presentes nesses debates.
Três questões estão no centro do debate contemporâneo sobre a liberdade de expressão e a censura, e elas se tratam de problemas filosóficos tradicionais.
A primeira é uma questão epistemológica: a razão é cognitiva? Céticos que negam a eficácia cognitiva da razão abrem a porta para várias formas de ceticismo e subjetivismo e agora, na geração atual, ao subjetivismo social. Se a razão é socialmente construída, então ela não é uma ferramenta para se conhecer a realidade. Para defender a liberdade de expressão, essa alegação epistemológica pós-modernista deve ser desafiada e refutada.
A segunda é uma questão central na natureza humana: nós temos vontade própria ou somos produtos do ambiente social? É o discurso algo que podemos gerar livremente, ou é uma forma de condicionamento social que nos faz quem somos?
E a terceira é uma questão de ética: trazemos em nossa análise do discurso um comprometimento com o individualismo e a autorresponsabilidade? Ou participamos desse debate particular comprometidos com o igualitarismo e o altruísmo?
O pós-modernismo, como uma perspectiva filosófica consistente, pressupõe uma epistemologia subjetivista social, uma visão sóciodeterminística da natureza humana, e uma ética altruísta e igualitária. Os códigos de discurso são uma aplicação lógica dessas crenças.
Em defesa da liberdade de expressão
Tendo em vista o supracitado, o que os liberais da geração contemporânea devem defender são a objetividade na epistemologia, a volição na natureza humana, e o egoísmo na ética. Não vamos resolver todos esses problemas nesse ensaio. Meu proposito aqui é apontar essas são as questões e indicar como acredito que deveria ser nossa estratégia de defesa da liberdade de expressão. Três pontos principais elaborados:
O primeiro é um ponto ético: a autonomia individual. Nós vivemos na realidade, e é absolutamente importante para nossa sobrevivência que entendamos essa realidade. Mas saber como o mundo funciona e agir com base nesse conhecimento é uma responsabilidade individual. Exercer tal responsabilidade requer liberdades sociais, e uma das liberdades sociais da qual necessitamos é a do discurso. Nós temos a capacidade de pensar ou não. Mas essa capacidade pode ser obstruída severamente pela atmosfera social do medo. Essa é uma parte indispensável do argumento liberal. A censura é uma ferramenta de governo: o governo tem o poder da força para alcançar seus objetivos, e dependendo de como a força é usada, pode gerar uma atmosfera de medo que interfere na habilidade de um indivíduo exercer as funções cognitivas básicas das quais necessita para agir de forma responsável no mundo.
O segundo é um ponto social: obtemos todos os tipos de valores uns dos outros. Utilizo aqui o esquema de categorização de valor social proposto por David Kelley[17]: nas relações sociais, trocamos valores de conhecimento, amizade e amor, além de valores econômicos. Frequentemente, a busca de valores de conhecimento é conduzida em instituições especializadas, e dentro destas instituições a descoberta da verdade requer certas proteções. Se quisermos aprender uns dos outros e se quisermos ser capazes de ensinar os outros, então precisamos ser capazes de nos engajar em certos tipos de processos sociais: debater, criticar, palestrar, fazer perguntas estúpidas, e assim por diante. Tudo isso pressupõe um princípio social fundamental: que toleraremos estas coisas em nossas interações sociais. Parte do preço a pagar é que nossas opiniões e nossos sentimentos serão feridos em uma determinada escala, mas viva-se com isso.
Finalmente, existe uma série de questões políticas. Como vimos acima, crenças e pensamentos são de responsabilidade do indivíduo, assim como ganhar a vida e viver uma vida feliz. O propósito do governo é proteger os direitos do indivíduo enquanto agente do seu próprio destino. A questão da liberdade de expressão é esta: pensamentos e discurso – mesmo se falsos ou ofensivos – não violam os direitos de alguém. Portanto, não existe base para a intervenção governamental.
Existe também um ponto a ser feito sobre a democracia, a qual é parte de nosso sistema social. Democracia significa decentralizar o processo decisório sobre quem terá o poder político nos próximos quatro anos. Para tomar tal decisão, esperamos que os eleitores tomem decisões informadas, e a única forma de poderem tomar decisões informadas é se existir muita discussão e muito debate. Então, a liberdade de expressão é uma parte essencial na manutenção de democracia.
Finalmente, a liberdade de expressão é uma forma de verificação dos abusos do poder governamental. Se a história nos serve de exemplo, há muitas razões para nos preocuparmos com o abuso do poder governamental. Uma forma indispensável de verificar tais abusos é permitir às pessoas criticarem o governo e proibir o governo de evitar tal crítica.
Três casos especiais
Eu quero agora tratar de dois desafios que a esquerda pós-modernista provavelmente fará aos meus argumentos, e então retornar especificamente ao caso especial da universidade.
Considere o primeiro ponto do livre discurso tão prezado ao coração liberal: que existe uma distinção entre discurso e ação. Eu posso dizer algo que ferirá seus sentimentos. Eu sou livre para fazê-lo. Mas se eu machucar seu corpo – digamos, atingindo-o com um bastão – eu não sou livre para fazê-lo. O governo pode me perseguir no último caso, mas não no primeiro.
Os pós-modernistas tentam pôr abaixo a distinção entre discurso e ação da seguinte maneira. Discurso, acima de tudo, propaga-se pelo ar, fisicamente, e então entra em contato com o ouvido da pessoa, que é um órgão físico. Então, não existe base metafísica para fazer a distinção entre ação e discurso; discurso é ação. A única distinção relevante, portanto, está entre ações que prejudicam e ações que não prejudicam a outrem. Se um indivíduo quiser dizer, como os liberais querem, que prejudicar outrem atirando contra ele é mau, então é somente uma diferença de grau entre aquilo e prejudicar outrem pelo discurso negativo. Não são somente paus e pedras que podem quebrar nossos ossos.
A minha resposta a tal desafio é a seguinte. O primeiro ponto é verdadeiro – o discurso é físico. Mas existe uma diferença qualitativa significativa na qual devemos insistir. Existe uma grande diferença entre o contato das ondas sonoras com seu corpo e o contato de um taco de beisebol contra seu corpo. Ambos são físicos, mas o resultado do contato do taco de beisebol envolve consequências sobre as quais você não tem controle. A dor não é uma questão de volição. Por outro lado, no caso das ondas sonoras que se espalham por seu corpo, como você as interpreta e as avalia está totalmente sob seu controle. Elas podem ferir seus sentimentos dependendo de como você avalia o conteúdo intelectual daquele evento físico.
Discurso de ódio racial e sexual
Isso nos conecta ao segundo ponto. Os pós-modernistas dirão, “qualquer pessoa que pensa honestamente sobre a história do racismo e do sexismo sabe que muitas palavras são pensadas para machucar”. E se você não é membro do grupo minoritário, você não pode imaginar o sofrimento que o mero uso daquelas palavras causará às pessoas. Em resumo, o discurso do ódio vitima as pessoas e, portanto, deveríamos ter proteções especiais contra formas de discurso de ódio – não todo o discurso; somente o discurso do ódio.
Contra isso eu diria, primeiro, que temos o direito de odiar as pessoas. Vivemos em um país livre – e algumas pessoas merecem, na verdade, serem odiadas. O ódio é uma resposta perfeitamente racional e justa às investidas cruéis contra os valores centrais de um indivíduo. A premissa de que nunca deveríamos odiar outras pessoas está errada: o julgamento é necessário, e expressões de ódio são apropriadas em alguns casos.
Central ao ponto do argumento, eu afirmo que o discurso de ódio do racista não vitima. Ele somente fere um indivíduo se ele aceita os termos do discurso, e a aceitação daqueles termos não é o que deveríamos estar ensinando. Nós não deveríamos ensinar a seguinte lição a nossos estudantes: “ele te chamou de algum nome racista. Isso te faz vítima”. Essa lição diz, primeiro, que você deveria julgar a cor da sua pele como importante para a sua identidade e, segundo, que as opiniões das pessoas sobre a cor da sua pele deveria ser algo significativo para você. Se, e somente se você aceitar essas premissas é que você se sentirá vitimado por alguém que venha a dizer algo sobre a cor da sua pele.
O que deveríamos ensinar, em vez disso, é que a cor da pele não é importante para a identidade central de um indivíduo, e que as opiniões estúpidas de outras pessoas sobre a importância da cor da pele são um reflexo de sua estupidez, não um reflexo de quem você realmente é. Se alguém me chamasse de maldito branquela, minha reação seria a de que essa pessoa é uma idiota por pensar que minha cor de pele tem algo a ver com eu ser maldito ou não. Assim, eu acho que os argumentos em prol do discurso de ódio, como uma exceção à liberdade de expressão, estão simplesmente errados.
A universidade como um caso especial
Volto agora ao caso especial da universidade. De muitas formas, os argumentos pós-modernistas são feitos sob medida para a universidade, dada a prioridade de nossos objetivos educacionais e o que a educação pressupõe: é fato que a educação não pode ocorrer sem que regras mínimas de civilidade sejam observadas na sala de aula. Mas me permitam fazer algumas distinções antes de analisar a questão da civilidade.
Eu mantenho o que disse antes: eu concordo que a distinção entre faculdades privadas e universidades públicas. Eu acho que as faculdades privadas deveriam ser livres para instituir quaisquer tipos de códigos que desejarem. No que tange à universidade pública, embora eu concorde de todo o coração com a 1ª Emenda, acho que ela significa que as universidades, no geral, não deveriam ter a permissão para instituir códigos de discurso. Isso significa que na tensão entre a 1ª Emenda e a liberdade acadêmica, eu me posiciono do lado da liberdade acadêmica. Se professores em suas disciplinas desejarem instituir códigos de discurso, eles deveriam ter liberdade para fazê-lo. Eu creio que fariam mal em não fazê-lo, por duas razões, mas deveriam ter o direito de fazê-lo.
Por que eu acho que eles estariam errados? Porque estariam se prejudicando. Muitos estudantes votariam com seus pés e abandonariam a aula, criticando o ditatorialismo do professor. Nenhum estudante com autorrespeito permaneceria em uma aula onde está sendo coagido a seguir uma linha de pensamento. Assim, eu acredito que existiria uma punição intrínseca do mercado para uma política de classe ruim.
Além disso, qualquer tipo de código de discurso prejudica o processo de educação. A civilidade é importante, mas deveria ser algo ensinado pelo professor. Ele deveria mostrar aos seus alunos como lidar com questões controversas, dando ele mesmo o exemplo. Ele deveria estabelecer as regras, deixando claro que enquanto a classe trata de assuntos sensíveis, a disciplina como um todo só será exitosa caso seus membros não recorram a argumentos ad hominem, insultos, ameaças e assim por diante. Se o professor se deparar com algum indivíduo problemático na aula – e com tipos de racismo e sexismo com os quais as pessoas se preocupam, mesmo sendo causados por indivíduos isolados – então, como professor, ele tem a opção de tirar aquele aluno da disciplina – sob o argumento de interferência no processo de educação, não como uma questão ideológica ou de linha partidária.
Este ponto sobre os requerimentos da verdadeira educação têm sido demonstrado repetidas vezes. Existem casos famosos na história. O que aconteceu em Atenas depois da execução de Sócrates, o que aconteceu na Itália Renascentista depois do silêncio de Galileu, e centenas de outros casos. A busca pelo conhecimento requer liberdade de expressão. Nesse sentido, eu concordo com C. Vann Woodward:
O propósito da universidade não é tornar seus membros seguros, contentes ou se sentindo bem sobre si mesmos, mas oferecer um fórum para o novo, o provocativo, o inquietante, o não ortodoxo e mesmo o chocante – todos os quais podem ser profundamente ofensivos para muitos, dentro e fora das suas paredes… Eu não acho que a universidade é ou deveria tentar ser uma instituição política ou filantrópica, paternalista ou terapêutica. Não é um clube ou uma associação para promover a harmonia e a civilidade, por mais importantes que sejam tais valores. É um lugar onde o impensável pode ser pensado, o não mencionável pode ser discutido, e o incontestável pode ser desafiado. Isso significa, nas palavras de Justice Holmes, “não a liberdade de expressão para aqueles que concordam conosco, mas para os que odiamos”[18].
Tal fato estabelece claramente as prioridades da universidade. E, para generalizá-lo ao ponto objetivista sobre o funcionamento da razão, Thomas Jefferson também acertou na mosca quando fundou a Universidade da Virgínia: “Essa instituição será baseada na liberdade ilimitada da mente humana. Pois aqui, não temos medo de seguir a verdade onde quer que nos leve, nem tolerar o erro contanto que a razão seja livre para combatê-lo”.
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Tradução de Matheus Pacini e revisão de Mateus Bernardino
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[1] GALILEI, Galileo. Letter to the Grand Duchess Christina, 1615.
[2] LOCKE, John. A Letter concerning Toleration, 1689.
[3] MILL, John Stuart. On Liberty, 1859. Veja especialmente o capítulo 2.
[4] MATSUDA, Mari. Public Response to Racist Speech: Considering the Victim’s Story. Michigan Law Review, 1989
[5] DELGADO, Richard. Words that Wound: A Tort Action for Racial Insults, Epithets, and Name-Calling. Harvard Review C.R.-C.L.L 133.
[6] MACKINNON, Catharine. Only Words. Harvard University Press, 1993
[7] FISH, Stanley. There’s No Such Thing as Free Speech—and it’s a good thing too. Oxford University Press, 1994
[8] Veja http://pt.wikipedia.org/wiki/Primeira_Emenda_%C3%A0_Constitui%C3%A7%C3%A3o_dos_Estados_Unidos
[9] HICKS, Stephen. Explicando o Pós-modernismo. São Paulo: Editora Callis, 2011.
[10] No Brasil, podemos citar a política de cotas como um exemplo de política afirmativa. Para definição de ação afirmativa, pode-se consultar – http://gemaa.iesp.uerj.br/index.php?option=com_k2&view=item&layout=item&id=1&Itemid=217
[11] Conforme definição anterior de ação afirmativa, podemos considerar que a expressão “política de cotas” possui o mesmo significado. Utilizamos as duas expressões no texto em momentos diferentes por uma questão de estilo – para que o texto não soasse repetitivo.
[12] Fish, p. 114-115.
[13] MacKinnon, p. 16
[14] Fish, p. 68. Veja também MacKinnon, p.10.
[15] MARCUSE, Herbert. Repressive Tolerance. In A Critique of Pure Tolerance. Beacon Press, p.109, 1965.
[16] RAND, Ayn. Philosophy: Who Needs It. New York: Bobbs-Merrill.1982
[17] KELLEY, David. Unrugged Individualism. Washington, D.C.: The Atlas Society. 2003
[18] WOODWARD, C. Vann. Disponível em http://www.nybooks.com/articles/article-preview?article_id=3161.