Existem dois tipos de liberais: i) o liberal por princípio e ii) o liberal por conveniência. O primeiro, chamado também de “liberal-raiz” é moralista ao extremo e radical na defesa de uma ética individualista que encara o ser humano como um ser vivo munido de características únicas que, para viver, precisa de um ambiente adequado em que possa criar, produzir, manter e consumir.
Criar, produzir, manter e consumir são ações individuais que visam prover valor para usufruto do próprio ator da forma que quiser. O liberal-raiz não responde pelos outros as inevitáveis perguntas: – “Esse bem, esse produto, esse serviço, tem valor para quem e para quê?”. O liberal-raiz permite, ou melhor, defende, luta, para que cada indivíduo responda tais perguntas, exercendo o que sua natureza, o que seu ser exige moralmente, a liberdade e a responsabilidade de prover para si, com o próprio esforço, aquilo que lhe permitirá, no mínimo, existir e, no máximo, ser feliz por mérito próprio.
O liberal por conveniência é utilitarista. Defende a liberdade porque entende que ela é um meio justificável, não por causalidade intrínseca, mas pelos fins que se pretende atingir. O liberal por conveniência é pragmático, tudo que tiver que ser feito para atingir os objetivos aos quais ele se dedica, deve ser feito, independentemente de qualquer princípio. O princípio do pragmático é não ter qualquer outro princípio que não esse.
Para o pragmático, as perguntas “para quem?” e “para quê?” serve determinado valor não é respondido individualmente pelo ator, mas sim por ele, que se vê na condição de um grande regente da vida em sociedade. O objetivo do pragmático é satisfazer a vontade do maior número de pessoas, da melhor forma possível, independentemente dos sacrifícios que ele tiver de impor a quem quer que seja. Menos a ele, é óbvio.
Quando afirmo que há liberais por conveniência, quero dizer que eles não são incondicionalmente a favor da liberdade. Volúveis, acreditam que há circunstâncias em que a liberdade é inconveniente, mesmo sendo seu exercício, ou sua defesa, moralmente justificados. O liberal por conveniência se molda às circunstâncias como um Zelig do Woody Allen, cuja aparência e comportamento se moldam ao ambiente em que estão inseridos, não como forma de reconhecimento da realidade, mas porque tolerar o intolerável é mais confortável. O liberal por conveniência, se tiver que se tornar seu oposto, não hesita nem um momento, se adapta pragmaticamente e achará justificativas razoáveis para defender seu ponto.
Há várias escolas de pensamento liberal, entre elas a criada por Ayn Rand que colocou de pé uma filosofia própria, baseada em pensadores clássicos como Aristóteles. Ayn Rand foi descrita por Milton Friedman, pai de outra escola de pensamento liberal, como uma radical, extremista e intolerante. Não apenas ela, mas Ludwig von Mises, outro liberal por princípio, foi taxado de inflexível.
Ayn Rand dizia que o pragmatismo é a pior filosofia que existe. Para ela, e para mim também, o pragmatismo não abre mão apenas de princípios, mas também subverte o que faz com que sejamos diferentes dos outros animais, a capacidade única e indispensável de fazermos abstrações.
Na política, os pragmáticos tendem ao autoritarismo. Para satisfazer o maior número possível de pessoas, não se importam em violar os direitos individuais de ninguém. Dizem saber o que é melhor para a maioria do povo e, para não sofrer oposição, quando não usam de coerção exacerbada, cultuam o relativismo moral e o subjetivismo conceitual, sem deixarem de monopolizar as virtudes e as verdades sofismando para aqueles que tiveram sua capacidade de pensar tolhida com a corrupção da linguagem, tática que permite a perversão dos conceitos, a inversão dos valores e a destruição da capacidade de abstração que faz com que os seres humanos possam criar e produzir os valores necessários para civilizarem-se.
Liberais por conveniência são o elo fraco dessa espécie rara. Sua falta de convicção principiológica é o que transforma a luta para a implementação do capitalismo laissez faire, o sistema social em que os direitos individuais são considerados inalienáveis, numa guerra inglória. A defesa do capitalismo não pode ser utilitarista, isso seria contraditório. Nem pode ser por conveniência. Não é porque o capitalismo oferece melhores condições socioeconômicas para as sociedades que ele deve ser defendido. O capitalismo é o melhor sistema porque é o único que reconhece que o ser humano é racional e, para viver como tal, precisa necessariamente do direito à liberdade e à propriedade para realizar seus sonhos na busca incessante pela felicidade.
O capitalismo não é o sistema em que os indivíduos se associam e interagem com o objetivo de servir a sociedade. O capitalismo é o sistema social que reconhece que cada indivíduo é um fim em si mesmo e sua liberdade e propriedade tem só uma razão para ser defendida, a própria felicidade de quem pensa e age livremente para usufruir dos frutos do seu trabalho.
Uma sociedade é próspera no capitalismo porque toda sociedade é composta de indivíduos que podem florescer e prosperar. Nenhuma sociedade prospera à revelia dos indivíduos que fazem parte dela. Nenhum liberal por conveniência dirá isso, pois pode não ser conveniente dizer.
Como sou um liberal-raiz, digo com convicção e intransigência que sociedades planejadas centralmente, onde proliferam economias mistas, onde governos são incumbidos de decidir pelos indivíduos, não têm nada de capitalismo porque a ética do coletivismo estatista sufoca o indivíduo que se vê como um fim em si mesmo.
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Revisado por Matheus Pacini.
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