Karl Popper e o Método Pseudocientífico

O Positivismo Clássico – que comparamos com o Objetivismo em um artigo anterior – exerceu grande influência na história brasileira, com muitos de seus valores sendo aceitos de forma implícita pela maioria dos brasileiros. Infelizmente, apesar de autores como Auguste Comte e Émile Durkheim ainda serem ensinados nas disciplinas de ciências sociais, a hegemonia acadêmica hoje pertence aos seus descendentes intelectuais.

Nesse artigo, falaremos sobre a evolução do positivismo, começando pelo declínio do Positivismo Clássico de Comte, passando pela origem e princípios do Positivismo Lógico de Hans Reichenbach e Rudolph Carnap, até a crítica e subsequente substituição do Positivismo Lógico pelo Pós-Positivismo de autores como Thomas Kuhn e Karl Popper. Discutiremos as semelhanças e diferenças entre esses dois movimentos filosóficos de forma a demonstrar que eles são, apesar de historicamente opostos, faces de uma mesma moeda. Após estabelecer a essência do Positivismo Moderno, o analisaremos usando o Objetivismo como base para entender quais as consequências reais da hegemonia positivista na cultura moderna.

Para entender os processos que levaram à evolução do Positivismo Clássico para o Pós-Positivismo é necessário primeiro entender as bases metafísicas e epistemológicas da filosofia de Immanuel Kant (1724 – 1804). Kant foi um autor alemão responsável por formular o idealismo transcendental e a atitude moderna com relação à dicotomia analítico-sintética. O autor propõe que há uma diferença essencial entre as coisas como elas realmente são (noumena) e as coisas como elas se manifestam para a nossa consciência (phenomena). Para Kant, o fato de a nossa consciência possuir identidade – ou seja, o fato de que perceber é perceber de alguma forma – implica na incapacidade de se perceber realmente um existente.

A dualidade metafísica entre (i) as coisas como realmente são e (ii) as coisas como podem ser percebidas, proposta por Kant leva à sua dicotomia analítico-sintética, que propõe que existem dois tipos diferentes de proposição. As proposições analíticas são aquelas cujo predicado está contido no sujeito (e.g. todo gelo é sólido – gelo é, por definição, água em estado sólido) enquanto as proposições sintéticas são aquelas que passam uma observação sobre o mundo (e.g. o gelo está em cima da mesa).

Para o autor, as proposições analíticas são necessárias, ou seja, válidas em qualquer situação possível, e validáveis a priori, através da lógica, sem a necessidade de comprovação empírica. Por outro lado, as proposições sintéticas são meramente contingentes, ou seja, possíveis, mas não necessárias, pois estão sempre sujeitas a serem contraditas por uma observação posterior. Dessa forma, Kant divide a epistemologia humana em jogos de palavra sem muito valor prático, de um lado, e fatos úteis sobre os quais se pode meramente especular, mas nunca saber de forma definitiva, de outro. Kant também falava sobre fatos sintéticos a priori – fatos sobre o mundo que são conhecidos sem a necessidade de experiência – como a ligação entre a sua epistemologia e sua ética. Contudo, como os positivistas rejeitaram essa ideia, deixaremos sua discussão para outro artigo.

É possível gastar milhares de páginas falando apenas sobre os absurdos da teoria kantiana e das consequências que o pensamento a priori, a dicotomia noumena-phenomena e a consequente dicotomia analítico-sintética (necessário-contingente) tem em seu pensamento ético, político e estético – a própria Ayn Rand fala de Immanuel Kant como o homem “que fechou as portas da filosofia à razão”[1]. Para entender a evolução do Positivismo, todavia, é necessário apenas ter essa base em mente.

O Declínio do Positivismo Clássico

O declínio do Positivismo Clássico deve ser pensado não como uma série de debates objetivos e imparciais em que os diversos defeitos do sistema filosófico foram expostos, analisados e resolvidos através de uma crítica coesa, mas como uma disputa entre duas visões de mundo essencialmente irracionais. De um lado, havia a rejeição de altas abstrações e do âmbito normativo de análise, e a busca por correlações simples entre fenômenos de parte dos positivistas; de outro, crescia a verstehen, a sociologia interpretativa de Max Weber (1864 – 1920) e Georg Simmel (1858 – 1918) que, no caminho inverso dos positivistas, trabalhava quase que exclusivamente com altas abstrações, rejeitando em grande parte a análise empírica.

Weber foi o maior exponente do antipositivismo e, sem dúvida, seu proponente mais genial. Sua rejeição ao coletivismo positivista e à crença de que a sociedade pode ser entendida através de relações mecanicistas foi revolucionária para a época, e seu individualismo metodológico foi muito influente em autores como Carl Menger e Ludwig von Mises. Apesar de seus vários méritos, Weber adotava de forma explícita a filosofia kantiana, o que levou a erros como sua crença num movimento histórico de racionalização da sociedade e, mais importante, à sua relação intelectual com outros autores antipositivistas, como Georg Simmel.

Se Max Weber é o extremo racional da rejeição ao Positivismo Clássico, Georg Simmel é o lado oposto da mesma moeda kantiana. Embora compartilhasse da rejeição ao positivismo, Simmel rejeitava o individualismo de Weber, considerando o indivíduo como irrelevante para a análise social. Influenciado por Hegel, o autor também adotava uma visão de mundo dialética, enxergando a sociedade como um caldeirão de conflitos que se sobrepunham uns aos outros, levando ao progresso histórico.

As críticas ao positivismo não se deram por conta do coletivismo e do autoritarismo das medidas propostas por Comte e Durkheim, visto que Weber, Simmel e diversos outros críticos ao positivismo comungavam de ideias igualmente autoritárias. As críticas não foram direcionadas à irracionalidade da teoria positivista frente a um simples rigor científico, visto que os autores da verstehen partilhavam de crenças tão irracionais quanto os positivistas. Qual foi, então, o principal motivo das críticas?

Apesar das várias divergências entre o Positivismo Clássico e o Objetivismo, ambos compartilhavam de uma base aristotélica – as duas filosofias enxergavam a realidade como algo objetivo que pode ser conhecido pelo homem através da observação. A filosofia kantiana adotada pelos críticos, que estava em plena ascensão no século XIX, rejeita essa visão de mundo em prol de uma visão em que o mundo objetivo é inacessível ao homem, isto é, que ele pode analisar com precisão apenas as criações subjetivas de sua própria mente. A decadência do Positivismo Clássico se deveu, não aos seus muitos defeitos, mas aos seus méritos, na medida em que o crescimento do pensamento kantiano significou o seu declínio.

O Positivismo Lógico

Na década de 1920, o Positivismo renasceu de forma independente na Áustria e na Alemanha com figuras como Moritz Schlick (1882 – 1936), Otto Neurath (1882 – 1945), Rudolf Carnap (1891 – 1970) e Hans Reichenbach (1891 – 1953). O Positivismo Lógico, como ficou conhecido o movimento, adotava uma base metafísica e epistemológica kantiana, em especial por meio da filosofia de Ludwig Wittgenstein, ao mesmo tempo em que mantinha a rejeição do âmbito normativo e a exaltação da descoberta empírica características do Positivismo de Comte.

Apesar das diferenças e disputas internas, os positivistas lógicos como um todo aceitavam a dicotomia analítico-sintética kantiana ao mesmo tempo em que rejeitavam a ideia de proposições sintéticas a priori. Na prática, isso significa que os positivistas lógicos rejeitavam a ideia de que é possível conhecer, de fato, a realidade, embora isso não os tenha impedido de separar as proposições em dotadas ou não de “valor cognitivo”.

Adotando o fenomenalismo de Ernst Mach (1838 – 1916), segundo o qual é impossível conhecer a realidade tal como ela é, embora seja possível criar modelos e leis científicas que simplificam aspectos complexos da realidade tal como é percebida pelos nossos sentidos, os Positivistas Lógicos estabeleceram o critério da verificabilidade. Para eles, uma teoria científica deve conter seu próprio critério de verificabilidade através de cálculo lógico ou observação empírica, caso contrário, não se trata de uma teoria com valor cognitivo, mas de um simples valor emocional.

Áreas de estudo como a Ética, a Política[2] e a Estética, por não possuírem um critério claro de verificabilidade por cálculo ou observação empírica, são consideradas como simples proposições subjetivas. Para os positivistas lógicos, não faz sentido falar em certo e errado – ou belo e feio – pois estes assuntos são mera questão de opinião e não há um critério objetivo que possa resolver conflitos de opinião subjetiva.

O Objetivismo se opõe ao princípio da verificabilidade, bem como ao relativismo ético e estético esposado pelos positivistas. Para Ayn Rand, o conhecimento é construído através da integração em conceitos dos dados da experiência, bem como da integração de conceitos em sistemas de conhecimento. Ao invés do princípio da verificabilidade, Rand adota a lógica, definida como a identificação não contraditória da realidade[3]: uma construção intelectual é válida caso seja construída com base em observações da realidade, não possua contradições internas, não contradiga algum conhecimento anterior (caso contradiga, um dos dois conhecimentos está errado) e não seja contradita pelos dados fornecidos pelos sentidos. Isso é válido para qualquer ciência, da Física à Estética.

Na contramão do relativismo positivista, Rand identifica a Ética, a Política e a Estética pelo que elas são: ciências. Sua análise ética consiste em identificar, integrando de forma não contraditória os dados fornecidos pela experiência, a natureza do ser humano e os princípios comuns às ações que estão de acordo com esta natureza. Sua análise política consiste em identificar as formas como os seres humanos podem interagir, de acordo com a natureza observável do Homem, e as consequências lógicas dessas formas de interação, também verificáveis através da experiência. Sua análise estética consiste em identificar a arte pelo que ela é – uma recriação seletiva da realidade de acordo com os julgamentos primordiais do artista – e identificar os princípios comuns entre as diferentes obras de arte e quais as suas implicações. Tudo isso é feito com extremo rigor epistemológico e seguindo o princípio da não contradição; seu sistema de Ética, por exemplo, não possui contradições internas, não contradiz dados de outras áreas de estudo, como a Biologia ou a Política, e é redutível sem problemas à experiência dos sentidos.

A adoção do princípio da verificabilidade relega diversas áreas da ciência à discussão subjetiva, sem rigor científico. Alguns dos próprios positivistas lógicos, em especial Otto Neurath, perceberam esse problema e tentaram flexibilizar o critério de “significado cognitivo”. Apesar das falhas do princípio da verificabilidade, as tentativas de solução pioraram ainda mais a epistemologia positivista. Segundo Neurath, a verdade não está naquilo que é verificável, mas naquilo que é publicamente observável, substituindo um critério que, apesar de falho, era individualista, por um critério coletivista de validação. Essa ideia exerceria uma influência considerável na evolução subsequente do Positivismo.

A Crítica Pós-Positivista

            “Em qualquer conflito entre dois homens (ou dois grupos) que compartilhem dos mesmos princípios básicos, é o mais consistente que vence.”[4]

Essa frase de Ayn Rand ilustra perfeitamente o processo que levou o Positivismo Lógico a ser substituído pelo Pós-Positivismo. O Positivismo Lógico, com todos os seus defeitos epistemológicos e a sua rejeição ao âmbito normativo de análise, ainda sustentava um critério individual de validação, uma divisão clara, ainda que estreita, entre o verdadeiro e o falso – entre o que tinha significado cognitivo e o que tinha apenas significado emocional – e, mais importante, acreditava ser possível alcançar alguma forma de verdade de modo objetivo. Não obstante, a base filosófica kantiana adotada por estes autores era incompatível com este nível de conhecimento sobre a realidade, e essa incompatibilidade deu origem às críticas de autores como Karl Popper e Thomas Kuhn.

Karl Popper (1902 – 1994), considerado erroneamente por muitos acadêmicos modernos como o pai do método científico, apontou um defeito muito claro na epistemologia do Positivismo Lógico: a proposição de que apenas proposições empiricamente verificáveis possuem sentido cognitivo não é, ela mesma, uma proposição verificável. Popper leva a rejeição kantiana à integração intelectual à sua conclusão inevitável, afirmando que não é possível generalizar observações e, portanto, não é possível alcançar uma verdade objetiva. Para o autor, é possível apenas separar proposições em empiricamente falseáveis e não falseáveis. O progresso científico se daria com a constante substituição de “verdades provisórias” falseadas por novas “verdades” falseáveis cuja falsidade ainda não foi provada. Fazendo jus a sua base kantiana relativista, Popper também não exclui as proposições não falseáveis do campo da verdade, argumentando que elas podem se tornar falseáveis com o tempo e o desenvolvimento tecnológico.

Thomas Kuhn, outro grande expoente do Pós-Positivismo, vai além em sua rejeição da verdade objetiva, rejeitando a ideia de linearidade na acumulação de conhecimento no progresso científico. Para Kuhn, paradigmas científicos não são instrumentos que facilitam o entendimento da realidade, mas instrumentos que motivam a ação. Por não possuírem lastro na realidade, os modelos científicos, ao longo do progresso da ciência, atingem inevitavelmente pontos de completa incompatibilidade entre o modelo dominante e um modelo novo e mais útil, embora não mais verdadeiro – a noção de que é possível construir modelos cada vez mais precisos em cima de modelos corretos, mas rudimentares, é considerada ilusória.

É possível dividir a crítica objetivista ao Pós-Positivismo em três aspectos essenciais: a rejeição da noção de verdade, o pragmatismo e o coletivismo. O primeiro aspecto é evidenciado pela ideia de falseabilidade de Popper, bem como o da mudança de paradigmas de Kuhn. Para Rand, não importa se uma proposição é falseável ou não, mas se ela é verdadeira ou não, e isso é definido pelo método pelo qual essa informação é obtida. A ideia de verdade também vai de encontro com a necessidade de uma mudança de paradigmas. Se um modelo é verdadeiro, ou seja, se ele corresponde aos fatos da realidade, ele jamais será incompatível com outro modelo verdadeiro[5], ainda que seja mais preciso. Da mesma forma, se dois modelos são incompatíveis, pelo menos um deles é falso.

Tanto a ideia de falseabilidade como critério de validação, como a ideia de mudança de paradigmas são frutos da rejeição kantiana à possibilidade de se perceber a realidade. Contudo, ao invés de recorrer à introspecção e ao subjetivismo como Kant, os pós-positivistas adotam o pragmatismo como critério-guia. De maneira semelhante à ideia de Comte de que o ser humano deve se contentar em perceber relações estáveis entre os fenômenos, os pós-positivistas se contentam em formular modelos “úteis” para a ação, ignorando o fato de que, para considerar um modelo útil, uma pessoa deve considerar ao menos a proposição de que “Este modelo é útil” como verdadeira. Para Rand, um modelo científico é útil justamente porque é verdadeiro – as duas coisas não são separáveis.

A ideia de que a utilidade de modelos é algo separado de sua correspondência aos fatos é, ao mesmo tempo, a base da epistemologia pós-positivista e seu aspecto mais perigoso – afinal, se o critério é a utilidade do modelo e não a sua correspondência com os fatos, a realidade deixa de ser o árbitro final do progresso científico, e as pessoas a quem o modelo pode ou não ser “útil”, tomam o seu lugar. Dessa forma, o aspecto pragmático do Pós-Positivismo da origem a seu aspecto coletivista.

Quando se adota a veracidade de um modelo científico como critério de julgamento sobre este modelo, é sempre possível que um indivíduo esteja correto sobre algo em que o consenso social esteja errado. A forma pela qual este indivíduo pode provar a veracidade de sua ideia para a sociedade é através do processo de mercado, transformando sua ideia em um produto – seja ele um processo industrial ou uma obra de arte – e tendo seu sucesso material como evidência de sucesso intelectual. Os pós-positivistas vão na contramão desta ideia focando no processo coletivo de progresso científico, em detrimento do indivíduo inovador. A consequência disso é uma visão academicista e burocrática, segundo a qual a melhor forma de provar a veracidade de uma ideia é submetendo-a ao julgamento de supostos “pares” intelectuais, ignorando o fato de que, se uma ideia é verdadeira e revolucionária, dificilmente existem outras pessoas no mesmo nível de seu criador[6].

Os Problemas do Pós-Positivismo

É importante destrinchar as bases de um movimento intelectual para entender seu escopo e as consequências da adoção de suas premissas, mas a simples análise de bases filosóficas raramente é suficiente para se compreender a dimensão dos efeitos de uma ideia. O Pós-Positivismo permeia a academia brasileira e influencia a vida do brasileiro comum em diversas áreas dignas de nota, como a Psicologia, a Física e as Artes. Por limitações de tempo e espaço, trataremos nesse artigo apenas da Economia, da Política e do Direito, exemplos claros das influências filosóficas nos resultados concretos.

Não é difícil perceber que a maioria dos economistas modernos – em especial os brasileiros – parecem não ter muita ideia do que fazem. O próprio Roberto Campos, ele mesmo economista, disse a célebre frase:

Há três maneiras de o homem conhecer a ruína: a mais rápida é pelo jogo; a mais agradável é com as mulheres; a mais segura é seguindo os conselhos de um economista.

Isso não é uma simples coincidência, nem uma característica intrínseca ao estudo econômico. A economia ortodoxa ensinada nas universidades em detrimento de autores como Carl Menger, Friedrich Hayek e Antal Fekete tem como sua base filosófica a doutrina pós-positivista. A história do pensamento econômico ortodoxo é uma série de mudanças de paradigmas à la Kuhn, com diversos modelos empíricos formulados sem rigor lógico sendo postos em prática, eventualmente falhando em suas predições e sendo substituídos por novos modelos com mudanças superficiais e bases filosóficas semelhantes. Quando as predições e políticas econômicas dos economistas keynesianos falharam, foram substituídas pelo resultado da síntese neoclássica. Quando os novos clássicos falharam, seus modelos foram substituídos por neokeynesianos, que, por sua vez, falharam, e deram origem a uma nova síntese neoclássica, enquanto autores com rigor lógico, bases filosóficas sólidas e alto poder preditivo são ignorados por possuírem teorias que não são falseáveis. Enquanto isso, o cidadão comum paga o preço do “progresso científico” enquanto permanece refém de uma moeda desonesta e inúmeras regulamentações econômicas.

No Direito e na Ciência Política, a situação é ainda mais aterradora. Os cursos de Direito e Ciência Política não tem seu foco na noção de Justiça e na manutenção dos direitos dos indivíduos, mas honram sua base filosófica positivista focando nos processos sociais envolvidos na formulação de leis e políticas governamentais. O Positivismo Jurídico, segundo o qual o mais importante não é a justeza da lei –considerada irreal ou inalcançável – mas a observação dos processos que deram origem à lei e a relação hierárquica das diversas burocracias, domina a doutrina brasileira. De forma semelhante e complementar, a hegemonia entre os cientistas políticos enxerga a democracia não como um meio de controle da tirania e garantia de uma sociedade justa, mas como um processo pelo qual a maioria pode, ao menos em teoria, deliberar e escolher os rumos do país, independentemente dos indivíduos cujos direitos a maioria pode ferir.

Enquanto os Estados Unidos, apesar das ideias kantianas importadas da Alemanha[7], possui um sistema político e jurídico baseado na noção de justiça, o Brasil se contenta com um sistema baseado em processos sociais. A tradição jurídica e política americana, reconhecendo a realidade como algo objetivo e alcançável, foca em possuir leis justas e arquitetar mecanismos de controle para que essas leis se mantenham ao longo do tempo. Nossa tradição, considerando a realidade objetiva como algo inalcançável, se contenta em formular processos “úteis” e dinâmicos para que a maioria atinja alguma espécie de consenso subjetivo. Uma série de princípios leva sua sociedade a idolatrar suas leis por razão de sua retidão, enquanto outra série de princípios leva sua sociedade a idolatrar juízes e políticos por conta de seu poder – fica a cargo do leitor proferir seus próprios julgamentos sobre esses princípios.

__________________________________________

Revisado por Matheus Pacini.

Curta a nossa página no Facebook.

Inscreva-se em nosso canal no YouTube.

__________________________________________

[1]RAND, Ayn. For The New Intelectual, 1961 p. 30.

[2] Política nesse contexto se refere à Filosofia Política – à discussão de ideais políticos. A Ciência Política enquanto formulação de relações de causa e efeito validáveis não é descartada pelo Positivismo Lógico.

[3] “Lógica é o meio do homem de alcançar conclusões de forma objetiva, derivando-as sem contradição dos fatos da realidade – em última instância, das evidências providas pelos sentidos do homem.” – Nazism and Subjectivism, The Objectivist Feb. 1971 – Tradução Livre.

[4] RAND, Ayn. Capitalism: The Unknown Ideal. p.145.

[5] “Se a sua compreensão é não contraditória, então ainda que o escopo de seu conhecimento seja modesto e o conteúdo de seus conceitos seja primitivo, seu conhecimento não entrará em contradição com o conteúdo dos mesmos conceitos na mente dos cientistas mais avançados”. RAND, Ayn – Introduction to Objectivist Epistemology, 1979, p.43 – Tradução Livre

[6] A grande maioria das atividades produtivas, da produção industrial à produção artística, segue o que é conhecido em estatística como uma distribuição de Pareto. Uma distribuição de Pareto é, grosso modo, um cenário em que, uma minoria dos fatores é responsável pela maioria dos resultados. De forma simplificada, é possível dizer que a raiz quadrada do número total de membros de um grupo é responsável pela metade da produção desse grupo. Para se ter noção do escopo desse tipo de distribuição e da importância dos indivíduos mais produtivos, basta pensar que em uma empresa de 100 pessoas, as 10 mais produtivas produzem o mesmo que as outras 90. Em um mercado no qual atuam um milhão de pessoas, as 1000 mais produtivas produzem o mesmo que as outras 999.000, e as 32 mais produtivas produzem um quarto de toda a produção.

[7] Leonard Peikoff analisa a fundo o processo de importação da anti-filosofia alemã para os Estados Unidos e as consequências práticas da adoção dos princípios kantianos para a sociedade em seu livro The Ominous Parallels.

3 respostas

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Inscreva-se na nossa Newsletter