Individualismo e Coletivismo Dramatizados em “A Nascente”

Os motivos e ações de Roark, Keating e Toohey dramatizam o tema de A Nascente demonstrando o resultado espiritual da filosofia pessoal de cada homem, Roark sendo a filosofia do individualismo, e Keating e Toohey, a filosofia do coletivismo.

Individualismo e coletivismo são duas filosofias morais diferentes que sustentam códigos éticos opostos. Estes códigos diferem em seus padrões de valor. Padrões são idéias que orientam as avaliações comparativas. Por exemplo, os padrões de saúde são usados para promover comportamentos saudáveis. Se um restaurante negligencia a limpeza de seus pratos e continua a servir comida em pratos sujos, ele violou um padrão de saúde no qual o prato sujo é comparado com o prato limpo desejado e considerado impróprio. Através deste processo comparativo, o prato sujo é visto como ruim porque promove comportamentos insalubres.

O mesmo processo comparativo é usado no âmbito da moralidade. O tipo de filosofia alguém adota detalha de seus próprios padrões pelos quais se julga o que é bom e o que é mau, o que é valioso e o que não é. O individualismo, por exemplo, sustenta que a própria vida do homem é o padrão de valor. Assim, aquilo que promove a vida é bom, e aquilo que não, é mau.

Sob a filosofia do individualismo, o indivíduo é visto como uma entidade soberana sustentada por uma busca constante de valores que sustentam sua vida. É crucial que estes valores demonstrem valor real, de longo prazo, ao contrário da busca de caprichos superficiais que inspiram momentos fugazes de contentamento. Uma pessoa com vício em drogas não é um individualista. O usuário recebe apenas um breve momento de alívio da agonia mental da vida às custas de seu corpo. Da mesma forma, um assaltante de bancos não é um individualista. O assaltante pode enriquecer, mas este dinheiro é trocado por um medo vitalício de que outras pessoas descubram sobre o crime cometido. Em ambos os casos, o homem é dependente de uma força externa para alcançar uma forma breve de satisfação. O individualista, em contrapartida, depende apenas de si mesmo.

A personagem de Howard Roark é a encarnação pura da filosofia do individualismo. Ayn Rand apresenta Roark como um arquiteto em treinamento que foi recentemente expulso de sua escola de design. Por que ele foi expulso? Por conta da insubordinação devido à sua falha deliberada à exigência de projetar de acordo com os estilos históricos experimentados e verdadeiros.

O mundo de Roark é dominado pelas tendências arquitetônicas de reprodução dos modelos clássicos da arquitetura grega e romana. Os modelos mais populares são combinações estranhas e não originais de pórticos, arcos e cúpulas feitas apenas para agradar o público. Roark está inteiramente desinteressado em tal esforço. Ele não é motivado a construir para satisfazer os desejos de outras pessoas. Pelo contrário, ele pretende construir os tipos de edifícios que ele deseja ver no mundo, apesar de qualquer desaprovação do público.

Roark aplica seus próprios padrões e princípios artísticos para criar os tipos de edifícios que ele deseja ver no mundo.

O individualista nunca coloca seus desejos ou sua felicidade nas mãos de outras pessoas. A arquitetura é de supremo valor para Roark, e comprometer sua integridade artística para produzir o que o público exige afetaria severamente a vida e a felicidade de Roark de uma maneira negativa. Roark procura erguer os tipos de edifícios que deseja ver no mundo, fazendo-se o juiz daquilo que faz sua arte ser boa. Agir de uma maneira que extrapole os padrões que ele estabelece para si mesmo é uma ofensa contra sua vida e sua integridade. É por esta razão que Roark nega as comissões, mesmo aquelas que são críticas para a continuação de seu trabalho como arquiteto. Por exemplo, ele nega o projeto do Manhattan Bank devido à demanda da comissão pela inclusão de artefatos históricos no projeto. A comissão foi importante para Roark para manter seu escritório aberta. Mas aceitar o projeto significaria que Roark teria que seguir as idéias de outra pessoa sobre o que é bom, comprometendo sua integridade e negando a si mesmo a pura realização de sua visão da arquitetura. Aceitar teria sido um ato que não sustenta sua vida. Portanto, como individualista, ele recusou.

A decisão parece contra-intuitiva à vida de Roark. Ele perde seu escritório e sai para trabalhar em uma pedreira. É por isso que é importante entender que o individualismo promove a realização de valores ao longo da vida da pessoa que o adota. O colega de Roark, Peter Keating, demonstra o que aparenta ser a busca por valor em um sentido não individualista. Ele busca gratificação no momento e agradar aqueles ao seu redor. Em outras palavras, ele aplica a filosofia coletivista.

O coletivismo é uma filosofia que mantém o coletivo, ou o grupo, como o valor padrão. Enquanto o individualista confia em sua própria mente para determinar aquilo que é bom para si, o coletivista confia no grupo para dizer-lhe o que o que tem valor. O valor, em uma sociedade coletivista, nunca é comparado com o que é bom para um indivíduo. O valor é determinado apenas com base no que é valioso para o grupo. Peter Keating é um coletivista porque persegue a arquitetura não por seus próprios padrões, mas pelos padrões estabelecidos por aqueles com destaque dentro do meio.

Por que ele faz isso? O motivo de Keating é fundamentalmente diferente do de Roark. Roark busca a arquitetura pelo puro prazer de resolver os problemas arquitetônicos da melhor forma possível. Keating, por outro lado, torna-se um arquiteto unicamente pelo prestígio e pela aparência de grandeza aos olhos dos outros.

Estas personagens são dois arquitetos com duas idéias diferentes sobre o que é importante na vida. Naturalmente, suas ações divergem. Roark nunca curva-se à vontade do público. Apesar da desaprovação de seus projetos por parte do público, ele continua a trabalhar na busca do tipo de pessoas a quem possa respeitar, ninguém mais. Quanto a isso, Roark afirma que “Sempre exigi uma certa qualidade das pessoas de quem gostava. Sempre a reconheci imediatamente – e é a única qualidade que respeito nos homens. Eu escolhi meus amigos através disso: Um ego auto-suficiente. Nada importa mais” (Rand, 1943). Em outras palavras, ele está à procura de individualistas como ele. Roark encontra estas pessoas, evidenciadas por suas comissões de construção da Casa Enright, Casa Heller, Vale Monadnock, e várias outras.

Keating, por outro lado, não está à procura de pessoas que correspondam ao seu ego. Em vez disso, ele busca a aprovação dos outros, e está disposto a retorcer-se de qualquer maneira que o permita consegui-la.

Por exemplo, Keating nunca confiou em mérito para alcançar a ideia de sucesso em arquitetura. Ele copiou, mentiu, enganou, chantageou e, finalmente, matou ao longo de seu caminho para tornar-se sócio no escritório de arquitetura mais prestigiado do mundo. Keating aceitou os elogios que lhe foram concedidos nos jornais apesar ter plena consciência de que era um arquiteto medíocre na melhor das hipóteses. Por fim, ele desistiu de Catherine Halsey, a mulher que ama e seu único valor individual restante, para ter Dominique Francon como esposa troféu.

Por um breve momento em sua vida, Keating alcançou a fama e a fortuna. Keating escalou até o topo, mas em detrimento de seus valores e de sua integridade. Por causa das aparências, Keating curvou-se continuamente sob o peso da demanda pública até que acabou por estilhaçar-se. Ele foi descartado pelo público com a mesma rapidez com que foi adotado, estando agora esgotado de espírito e tendo experiência apenas na arte da aprovação pública, que o público agora se recusava a dar-lhe.

Conforme demonstrado por Keating, o coletivista coloca sua vida nas mãos de outros, do coletivo. Sua vida, portanto, exige aquilo que o grupo decide, não o que ele mesmo o faz. Ao passar uma vida inteira explorando as massas, Keating vendeu sua alma. Ele nunca desenvolveu o tipo de bem-estar individual necessário para sustentar a si mesmo, e após um breve período de fama e fortuna, ele se desvanece como que sem importância e originalidade, indesejável e, o mais importante, incapaz de viver por sua própria mente.

A história de Keating é uma trágica consequência da filosofia coletivista. Entretanto, ele é apenas um dos dois produtos que a filosofia pode criar. Keating vendeu sua alma, o que levanta as questões sobre para quem ele a vendeu.

Não foi o coletivo. O coletivo não é uma entidade viva, que respira. Não possui valores próprios. Somente indivíduos possuem valores e, em um coletivo, o valor de um ou então de poucos é que inevitavelmente determinará o que o grupo busca. Em A Nascente, o homem que controla o grupo é Elsworth Toohey.
Toohey é a encarnação da filosofia do coletivismo. Ele entende o impacto da filosofia e decide, mesmo assim, deliberadamente persegui-la. Por entender a filosofia, ele sabe como manipular outros que a seguem, como Keating.

Em grande parte, Toohey é o orquestrador da vida de Keating depois de Keating assumir o cargo com Guy Francon. Como colunista do The Banner, Toohey publica as colunas que ajudam Keating a aumentar na estima do público. Ele ajuda Keating a ganhar comissões e até orquestrou o casamento de Keating com Dominique.

Ao contrário de como pode parecer, Toohey não estava agindo de maneira gentil para com Keating. Toohey reconheceu a mediocridade de Keating e a promoveu, sabendo plenamente que ele estava contribuindo para a destruição da alma de Keating.

Keating é apenas uma das vítimas de Toohey. Toohey passou uma vida inteira “coletando almas”, convencendo as pessoas a negar seu senso de valor e ir atrás apenas dos valores que do grupo. Neste caso, os valores do grupo são aqueles que Toohey defende, que é um completo desdém pela grandeza. O que Toohey persegue é a destruição daquilo que é bom.

O motivo de Toohey é evidente no discurso que ele dá a um Keating quebrado e sem espírito no final do romance. Toohey explica:

Rir de Roark e ver Peter Keating como um grande arquiteto. Você destruiu a arquitetura… Não se proponha a destruir todos os santuários – você assustará os homens. Enshrine mediocrity – e os santuários serão arrasados (Rand, 1943).

De modo geral, a Toohey tem o controle sobre todas estas mediocridades. Ele estabelece as regras e coloca certas pessoas no centro das atenções especificamente para corromper as ideias do bem. Neste cenário, Toohey detém o poder.

No entanto, Toohey não é poderoso. Ele pode controlar a vida de outros, mas também está à mercê deles. Toohey não pode existir independentemente de outras pessoas. Da mesma forma que um rei não é rei se não houver ninguém para governar, Toohey não pode ser quem é se não houver almas para coletar. Ele depende de outros homens para obedecer suas ordens. Caso contrário, Toohey é impotente.
Roark é o único personagem do livro que começa como uma figura poderosa na arquitetura e segue uma figura poderosa. Embora lhe faltasse experiência e comissões no início, ele tinha um inabalável senso de integridade que o mantinha no caminho certo para se tornar o tipo de arquiteto que desejava ser. Essa integridade o enviou para trabalhar em uma pedreira, mas isso foi um trampolim necessário para encontrar o tipo de pessoas que, no fim, ficariam ao lado de Roark, já que Roark acabou fazendo um nome para si mesmo enquanto arquiteto. Despreocupado com o coletivo, Roark fez escolhas consideradas não convencionais pelas massas, mas essenciais para seu desenvolvimento contínuo, pois aprendeu a projetar os tipos de edifícios que queria projetar.

Roark agiu somente em busca de seus interesses individuais para sustentar sua vida individual através de seus próprios julgamentos individuais. É por isso que ele brilha mais que um Keating e um Toohey. Como individualista, Roark ganha seu lugar no mundo por seu mérito e acredita tanto em si mesmo e em sua capacidade de que pode sobreviver sem a influência de um Toohey.

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Revisado por Matheus Pacini.

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