E se vivêssemos num mundo em que a palavra “eu” não existisse? E se nenhuma outra fosse capaz de substituí-la?
É justamente essa ausência de individualidade e liberdade que Ayn Rand nos apresenta na obra “Cântico”: um futuro em que um governo totalitário coordena de forma centralizada a vida de todos, do nascimento até a morte.
Na história narrada, os seres humanos não têm nomes próprios, ao menos não como estamos acostumados. Eles recebem referências genéricas e são identificados por uma sequência de números, como o conferido ao protagonista do livro, Igualdade 7-2521. Assim, eles demonstram claramente que fazem parte de uma engrenagem social, sem nenhuma individualidade. Afinal, tudo que existe é o “grandioso Nós”.
Cada etapa de vida dos personagens é programada pelo Conselho, e o rumo, uma vez traçado, não pode ser alterado. Naquela realidade, tanto o que cada um deve aprender, como sua ocupação profissional futura são definidos por um Conselho, com vistas à melhor adequação ao todo, independentemente das aptidões e interesses individuais.
Pensamentos próprios, livre-arbítrio e iniciativa são proibidos por lei, e são crimes gravíssimos. Cada personagem (que não deve se identificar como um ser individual) deve agir sempre pelo coletivo, em prol do grupo, sem questionar as decisões e sem desenvolver (ou, ao menos, sem dar vazão a) desejos e aspirações individuais.
Porém, o protagonista Igualdade 7-2521 passa a questionar a estrutura programada para aquela sociedade: Igualdade tem ímpetos individualistas – escreve, pesquisa, explora -, o que o coloca em conflito consigo mesmo e frente ao grupo a que pertence.
Igualdade faz amizade com Internacional 4-8818 e se apaixona por Liberdade 5-3000, cujo afeto é correspondido, ainda que não pudessem demonstrar amizade ou amor, pois preferir um indivíduo ao grupo tampouco lhes era permitido.
Nesse ímpeto de explorar, descobre que o ser humano já havia vivido tempos áureos. É duramente censurado ao apresentar ao Conselho de Eruditos uma invenção que poderia revolucionar o atrasado mundo em que viviam: ele, fadado ao ofício de Varredor de Rua por imposição do Conselho de Profissões (ainda que tivesse interesse pela ciência), não poderia ousar propor qualquer ideia nova, visto que não era sua ocupação ou responsabilidade. Foi punido e perseguido por suas virtudes.
Igualdade foge para a Floresta Proibida, e é seguido por Liberdade. Nesse local proibido, descobrem um novo mundo, com a natureza pronta para ser explorada e um novo lar.
Lendo livros antigos, Igualdade aprende a palavra que tanto buscava, mas que era impronunciável: ‘’eu’’. Assim, começa a refletir sobre a importância de escutar e honrar seus próprios desejos, como fins em si mesmos, e não meios para realizar quaisquer coisas para terceiros. Decide então iniciar uma nova sociedade, em que o Eu fosse de fato o protagonista, valorizado, e jamais deixado de lado.
O intuito da autora é extrapolar o que seria uma sociedade coletivista às suas últimas consequências, pois quer, de fato, chamar a atenção de que os anseios comunistas, fascistas e nacionalistas na época em que viveu, que estavam em voga na Alemanha e na Rússia, com crescente apreciação nos Estados Unidos, poderiam conduzir a uma sociedade em que a consciência de individualidade fosse completamente suprimida. Se o ‘’nós’’ e o coletivismo prevalecessem sobre o ‘’eu’’ e o egoísmo, a sociedade humana correria o risco de se tornar uma ditadura coletivista, em que os valores individuais e próprios de cada ser humano seriam completamente ignorados.
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Revisado por Roberta Contin e Matheus Pacini.
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