Marxismo: Esperando Godot[1]**
Primeiro formulado na metade do século XIX, o socialismo marxista clássico fez dois pares de alegações relacionadas, um econômico, outro moral. Do ponto de vista econômico, alegou que o capitalismo era impulsionado por uma lógica de exploração competitiva que levaria ao seu próprio colapso; o modo de produção comunal do socialismo, em contraste, provar-se-ia economicamente superior. Do ponto de vista moral, a alegação era que o capitalismo era ruim tanto pela motivação autointeressada dos engajados na competição capitalista como pela exploração e alienação geradas por essa competição; o socialismo, em contraste, era baseado no sacrifício altruísta e na partilha comunal.
As esperanças iniciais dos socialistas marxistas se concentraram nas contradições econômicas internas do capitalismo. Essas contradições, pensaram eles, se manifestariam num crescente conflito de classes. À medida que a competição por recursos aquecesse, a exploração do proletariado pelos capitalistas necessariamente aumentaria. Conforme a exploração aumentasse, o proletariado se tornaria ciente de sua alienação e opressão. Em algum ponto, o proletariado explorado não aceitaria mais sua situação, e a revolução aconteceria. Logo, a estratégia dos intelectuais marxistas era esperar e observar os sinais de que as contradições do capitalismo estavam levando lógica e inexoravelmente à revolução.
Eles esperaram por muito tempo. Veio o início do século XX, após diversas previsões fracassadas de revolução iminente, e já estava ficando vergonhoso fazer previsões apocalípticas, enquanto o capitalismo, pelo contrário, estava caminhando numa direção oposta ao dito pelo Marxismo.
Três previsões fracassadas
O marxismo era e é uma análise de classes, de classes econômicas rivais numa competição de soma zero. Nessa competição, os mais fortes venceriam cada rodada sucessiva de competição, forçando os mais fracos a uma situação cada vez pior. As rodadas sucessivas de competição capitalista também botariam os mais fortes uns contra os outros, levando a mais vencedores e perdedores, até que o capitalismo gerasse uma estrutura socioeconômica caracterizada por alguns poucos capitalistas no topo, controlando os recursos econômicos da sociedade, enquanto o resto seria empurrado para a pobreza. Até a classe média emergente do capitalismo não se salvaria, pois a lógica da competição de soma zero jogaria alguns da classe média para a classe capitalista, enquanto o resto viraria proletariado.
Essa análise de classe gerou três previsões definidas. Primeiro, previu que o proletariado cresceria tanto como fração da população quanto se empobreceria: enquanto a competição capitalista progredisse, mais e mais pessoas seriam forçadas a vender seu trabalho; e enquanto crescesse a oferta daqueles vendendo seu trabalho, os salários que poderiam demandar necessariamente diminuiriam. Segundo, previu que a classe média encolheria a uma % ínfima da população: a competição de soma zero significava que haveria vencedores e perdedores, e enquanto alguns seriam consistentemente vencedores – tornando-se capitalistas – a maioria perderia em alguma etapa e seria condenada ao proletariado. Terceiro, previu que os capitalistas também encolheriam como % da população: a competição de soma zero também se aplicava à competição entre capitalistas, gerando alguns sempre vencedores em controle de tudo enquanto o resto seria forçado para baixo na hierarquia econômica.
Mas não foi assim que as coisas se sucederam. Já no início do século XX parecia que todas as três previsões haviam falhado em caracterizar o desenvolvimento dos países capitalistas. A classe dos trabalhadores braçais tinha diminuído como % da população e atingido condições relativamente melhores. E a classe média tinha crescido substancialmente tanto como uma fração da população quanto em riqueza, e o mesmo aconteceu à classe alta.
O socialismo marxista, assim, estava diante de um conjunto de problemas teóricos: por que as previsões não deram certo? Ainda mais premente era o problema prático da impaciência: se as massas proletárias eram a matéria-prima da revolução, por que não estavam se revoltando? A exploração e a alienação precisavam estar ali — apesar das aparências superficiais — e deveriam estar sendo sentidas pela vítima do capitalismo, o proletariado. Então o que precisava ser feito com essa classe trabalhadora decididamente não revolucionária? Depois de décadas esperando e se aproveitando de qualquer sinal de insatisfação e agitação, o fato era que o proletariado não se revoltaria tão cedo.
Consequentemente, a estratégia precisava ser repensada.[2]
__________________________________________
Publicado originalmente em Explicando o Pós-Modernismo. Ceticismo e Socialismo: Ceticismo e Socialismo – De Rousseau a Foucault.
Traduzido por Eli Vieira.
Revisado por Matheus Pacini.
Curta a nossa página no Facebook.
Inscreva-se em nosso canal no YouTube.
__________________________________________
[1] Werner Sombat, que foi marxista no início de sua carreira, foi um dos primeiros a repensar: “No fim, é preciso admitir que Marx cometeu erros em muitos pontos importantes” (1896, 87).
[2] N. do T.: Esperando Godot é uma peça do teatro do absurdo, uma tragicomédia em dois atos escrita pelo irlandês Samuel Beckett, em que dois personagens, Vladimir e Estragon, esperam em vão por alguém chamado Godot.