Numa época de paixão pela atriz Audrey Hepburn, resolvi assistir a todos os seus filmes. Um deles foi Roman Holiday (em português, A Princesa e o Plebeu). Roteiro bobo, comédia romântica em preto e branco. Pensei que não haveria nada de diferente nele. O filme basicamente trata da viagem de fuga de uma princesa entediada para Roma. Lá, ela decide fazer tudo o que não podia fazer em seu reino, e é onde conhece e se envolve com um jornalista. Eis aqui a cena que me deixou surpresa na época: em uma coletiva de imprensa, com olhar decidido e carinhoso ela se despede secretamente de Joe Bradley, seu par romântico. Um filme de 1954, que rendeu a Hepburn o Oscar de melhor atriz, não teve o final enjoativo e geralmente esperado, em que ela abdicaria de tudo em prol do sentimento por um desconhecido. Foi uma das primeiras vezes que me questionei sobre o que realmente era o amor. Foi uma lição que não me permito esquecer.
Nesse artigo, questiono a importância de se ter um amor na vida contemporânea, bem como explico qual seria a minha visão de amor. Em muitos romances, crônicas e poemas, o amor é tratado como sacrífico, dor e carência – um objetivo de perfeição inalcançável e, no mais das vezes, banal satisfação de sentimentos e prazeres momentâneos.
“Para dizer ‘eu te amo’, é necessário antes saber dizer ‘eu’.”
Na filosofia objetivista, a principal ferramenta do homem é a razão. Através dela adquirimos conhecimento, bem como nossos valores morais (moralidade). É a partir disso que conhecemos quem somos, nossos limites e interesses, independência e autoestima. Segundo Rand, o homem tem seis virtudes indispensáveis: independência, integridade, honestidade, justiça, produtividade e orgulho – e são elas que o ajudam a formar o seu “eu”.
O objetivo último do homem é ser feliz, e muitas pessoas buscam a felicidade em relacionamentos românticos, e é aí que as virtudes começam a perder sua força. Eu comecei a me questionar sobre isso quando percebi que, por me render a sentimentos como o medo, me arrastei para relacionamentos destrutivos. Comecei a pensar que não era só o outro – mas como eu deixava o outro me afetar. Partindo desse ponto, e analisando os relacionamentos que funcionam e os que não funcionam, percebi que o principal problema do homem nessa esfera é a falta de autoestima e orgulho. A falta de autoestima faz resignar-se ao que o outro me oferece, não me deixando questionar: “Eu mereço passar por isso?”
Segundo Leonard Peikoff, “a ‘autoestima’ é uma avaliação moral positiva e fundamental do próprio eu – dos processos pelo qual o indivíduo vive e da pessoa criada pelo próprio indivíduo. É a união de duas (e inseparáveis) conclusões, nenhuma delas inata: eu estou certo e eu sou bom – posso alcançar o melhor que posso alcançar – sou capaz de viver e sou digno de viver.”
Diferente do que muitos pensam, a construção e reconhecimento do seu próprio valor não tornam o homem arrogante. A verdade é que só o homem inseguro tem necessidade de autoafirmação, precisa ser percebido, elogiado e aprovado pelos outros, isto é, mostrar que é bom, mesmo que, no processo, precise diminuir os demais. Esse tipo de homem, com certeza, leva essa insegurança para todas as áreas de sua vida: profissional, familiar e, sim, amorosa. Provavelmente, esse homem nunca amará alguém. Ao contrário desse, o homem que reconhece seus valores, e sabe da importância de sua vida como valor mais elevado, não precisa de alardes e provocações, pois sabe quem é, não precisando provar nada para ninguém.
A partir disso, percebemos que a possibilidade de um homem com autoestima abdicar de seus valores é muito menor que a daquele sem moral e autoestima, dentro de quaisquer relacionamentos, e de acordo com o tema que levanto, a vida amorosa. Quando o homem tem seus princípios claros, ele conseguirá reconhecer os de outra pessoa. Essa admiração e respeito resultam numa troca de interesses e sentimentos que são a base do amor. Perceber virtudes no outro nos dá a dimensão do significado e importância que ele passará a ter em nossas vidas, nos mostra que ele também se valoriza e se ama, e a relação será de trocas preciosas.
Mas e os sentimentos?
Sentimento é consequência da razão e, como tal, não pode ser abdicado pelo homem: ele busca sempre conhecer as origens de suas emoções, e questiona se essas estão de acordo com as suas premissas, caso não estejam, busca corrigi-las. Ele nunca age com base em sentimentos, muito menos daqueles que desconhece. O homem racional não ignora seus sentimentos: só não é orientado por eles. O grande desafio é manter sua razão e suas emoções em harmonia com vistas à felicidade. Dessa forma, o amor não significa apenas um sentimento, mas uma escolha. Por isso, é impossível amar a todos e, muito menos, da mesma forma.
Não é difícil encontrar por aí pessoas que invertem as coisas: usam a mente para justificar seus sentimentos. Vemos pessoas apaixonadas por quem despreza seus interesses, bem como os valores que representam: tudo em prol do falso sentimento de amor.
É óbvio que, para a manutenção de uma relação saudável, é possível ceder (até certo ponto), sempre e quando não ferindo seus valores. Poucas concessões e de baixo custo emocional. Eu, como indivíduo que preza a honestidade, não relevo mentiras, e por mais que tenha sido difícil, desisti de relacionamentos importantes por causa disso. Se eu estaria mais feliz, com certeza não, pois sei que não conseguiria conviver com a desconfiança. Isso é um exemplo de um dos meus valores morais, ao qual eu não abdicaria, pois a integridade faz parte do indivíduo que construí, o meu “eu”.
Nietzsche escreveu um texto que se chama “Amar se aprende”, e nele faz a comparação do amor à música. De que é preciso ouvi-la, apreciar sua qualidade, entender seu significado e então amá-la. Amar se aprende, isto é, o amor é um processo de construção e que leva tempo. Acredito que se origine de um sentimento menos profundo, interesse sexual ou não, mas só cresce com o tempo. O amor conhece primeiro a mente, depois os lábios. Primeiro, a conversa e identificação; depois, risos sinceros entre um gole e outro de café. Primeiro vem a admiração pelo o que o outro é, depois o desejo de tê-lo no prazer e, por fim, temos o sexo (como contemplação). Se tal processo não ocorre, estamos só satisfazendo prazeres momentâneos ou atenuando nossas inseguranças.
Nas palavras de Ayn Rand:
Sexo é uma capacidade física, mas seu exercício é determinado pela mente do homem […] Para um homem racional, sexo é uma expressão da autoestima – uma celebração de quem ele é, bem como da sua existência.
O amor romântico, no sentido completo do termo, é uma emoção possível só para um homem (ou mulher) de autoestima inabalável: é a sua resposta aos seus próprios valores mais elevados na outra pessoa – uma resposta integrada de corpo e mente, amor e desejo sexual. Tal homem (ou mulher) é incapaz de experimentar o desejo sexual divorciado dos valores espirituais.[1]
Amar é difícil e também é raro. Amar é ser um pouco princesa em Roma, dar as costas e seguir. Antes de se conhecer o amor romântico, é preciso amar e conhecer a si próprio, pois o “amor”, como algo subjetivo e sem contexto, nunca será o suficiente.
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Revisão de Matheus Pacini
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[1] RAND, Ayn. The Voice of Reason. New York: Penguin Group, 1988. p. 54. Também recomendamos essa passagem de A Virtude do Egoísmo, p. 86: “Dos vários prazeres que o homem pode oferecer a si mesmo, o maior é o orgulho – o prazer que consegue em suas próprias realizações e na criação de seu próprio caráter. O prazer que consegue no caráter e realizações de outro ser humano é a admiração. A expressão maior da união mais intensa destas duas respostas – orgulho e admiração — é o amor romântico”. Sua celebração é o sexo.”