Frequentemente, os defensores do capitalismo apelam para o “bem público” como justificava moral do capitalismo. Contraste essa abordagem com a de Ayn Rand em A revolta de Atlas. Em sua resposta, considere a opinião de Rand no texto O que é capitalismo?, publicado em 1965.
***
“Quem é o público? O que ele considera bem?”[1]
Esse desafio à ideia de “bem público”, lançado por Hank Rearden, um dos protagonistas industriais de A revolta de Atlas, captura o desprezo de Ayn Rand por esse conceito tanto como indicador do propósito da ordem civil, incluindo o capitalismo, quanto como algo que possa ser definido de maneira objetiva.
Leigos tendem a considerar a mensagem de A revolta de Atlas e, por conseguinte, a filosofia de sua autora, como mais uma variação da defesa clichê do capitalismo. Essa defesa é repetida nos comícios eleitorais e é um argumento político conveniente para um sistema ao qual Rand atribuiu um valor filosófico mais profundo.
Um resumo comum de tal defesa diz: “o capitalismo laissez-faire é o melhor sistema econômico, pois o livre mercado aloca recursos de forma mais eficiente, resultando em prosperidade para todos.” A defesa típica do capitalismo, como a de qualquer modelo socioeconômico, pressupõe que o principal critério de avaliação de um sistema social é quanto ele promove o bem-estar público, ou, utilizando outro termo desprezado por Rand, “o excedente social”. Adam Smith pode ter ficado satisfeito em exaltar o capitalismo com base no “bem-estar público”, mas Ayn Rand certamente não. Para Rand, esse argumento é equivalente a defender o Cristianismo exultando a elegância geométrica da cruz. Parafraseando Francisco D’Anconia, ela diria a Adam Smith, em tom reprobatório, para “verificar suas premissas.”
A defesa randiana do capitalismo é encontrada em seu ensaio O que é capitalismo? Nele, Rand rejeita a moralidade baseada no coletivo, seja a tribo, o estado ou a humanidade. Ao rejeitar uma discussão moral focada no bem-estar da tribo, ela tira o “bem público” de seu pedestal, colocando os direitos individuais em seu lugar. Ao fazê-lo, ela eleva o homem acima da humanidade. No texto, ela afirma tanto para opositores como defensores do capitalismo que “se desejamos que o capitalismo seja compreendido, é a premissa tribal que precisa ser revista – e desafiada.”[2]. Rand rejeita a legitimidade moral de maximizar o benefício social, priorizando a comunidade sobre o indivíduo. Seu amor pelo capitalismo não provém da riqueza que ele produz, mas sim dos direitos básicos que ele protege.
Ayn Rand considera a riqueza produzida pelo capitalismo como um produto lógico da liberdade que ele proporciona ao homem, isto é, a liberdade para tomar decisões racionais em seu autointeresse. No entanto, ela não mede o valor do capitalismo pelo tamanho dos cofres da comunidade. Em sua defesa do capitalismo, Rand vai muito além: reconhece-o como único sistema objetivamente moral e descarta a noção de bem-estar coletivo como nebulosa em sua definição, irrelevante para a questão de governo, e perigosa em seu potencial de tirania da maioria.
Por sua vez, Rand celebra o capitalismo em sua forma pura e não adulterada, como o sistema que fundamenta o único propósito moral do governo: a proteção do direito do homem à propriedade, bem como a proteção do homem contra a agressão. Essas duas proteções concedem ao homem a liberdade para buscar, de forma racional, seus interesses particulares, resultando no aumento de produtividade que a “sociedade” – os indivíduos no agregado – desfrutam. Segundo Rand, a maior parte das pessoas defende o capitalismo com um argumento desinformado, como um processo inconveniente que gera um grande benefício moral, a prosperidade da sociedade. Em outras palavras, o processo de fabricação da salsicha é feio, mas seu produto vale a pena. Para Rand, o processo é o produto. A verdadeira beleza do capitalismo está na proteção e na promoção do direito humano fundamental à propriedade privada. Diz Rand em O que é capitalismo: “É a instituição da propriedade privada que protege e fortalece o direito de discordar – e, portanto, mantém o caminho aberto para o atributo humano mais valioso (pessoal, social e objetivamente): a mente criativa[3].”
Os heróis de A revolta de Atlas, embora diferentes em outras facetas de sua moralidade, incorporam esse valor filosófico do capitalismo ao buscar seus próprios interesses de maneira racional, avançando a sociedade como resultado. Os industrialistas Hank Rearden e Ken Danagger, que fizeram fortuna por seus esforços e poder intelectual, estão dispostos a violar a lei na administração de seus negócios. Eles são implacáveis em suas táticas e altamente competitivos, não esperando nada diferente de seus concorrentes. Muitos defensores do capitalismo podem desprezar essa caracterização de Rand. Para ela, todavia, Hank e Ken são heróis justamente por essas qualidades.
O garoto de dezoito anos que se tornaria Hank Rearden é descrito como tendo “olhos limpos, firmes e cruéis, olhos de um homem que se impelia sem piedade em direção àquilo que queria.”[4] Para Rand, Rearden é a personificação da perfeição moral do capitalismo. Sua crueldade, persistência e inovação o levaram ao sucesso e à riqueza – através de uma competição brutal, mas sem roubo ou dano físico. Sua riqueza é totalmente sua, é o resultado de seus esforços. Através da busca racional de seus próprios interesses, ele cria valor.
Os heróis de Rand também servem como mártires no livro, e reforçam ainda mais a singularidade da defesa de Rand do sistema capitalista. Personagens como Rearden e os industrialistas do Colorado são arruinados por intervenção governamental “bem-intencionada”. Inicialmente, os Estados Unidos evitam seguir o caminho dos Repúblicas Populares que o circundam, mantendo alguns vestígios de capitalismo, mas isso não dura muito tempo. Quando o governo cresce além de sua função de garantidor dos direitos individuais, o desastre econômico é inevitável. Ele começa a escolher “ganhadores e perdedores”, frase muito familiar no discurso político moderno, e a indústria desmorona como resultado.
Ao contrário dos defensores típicos do capitalismo, Rand argumenta que a verdadeira tragédia não é a perda da prosperidade econômica, mas sim o próprio ato de intervenção governamental. O confisco de um dólar sequer da propriedade adquirida dos industrialistas é mais trágico que todos os empregos perdidos pela “tribo” como resultado da intervenção estatal, porque isso constitui a violação dos direitos individuais fundamentais e a renúncia do único dever do governo.
Embora a A revolta de Atlas descreva os discípulos da “igualdade econômica” de uma maneira bastante convencional – como vilões bem-intencionados cuja distração por ideais subjetivos destroem valores numa tentativa de distribuí-los de forma mais justa – ela critica sutilmente a narrativa capitalista dominante. Rand apresenta personagens moralmente diversos como grandes industrialistas, do maquiavélico D’Anconia ao implacável Rearden. Ao conceder traços de personalidade convencionalmente amorais a esses personagens, ela desafia o leitor a reconhecer a grandeza deles, e de onde ela se origina: do empreendedorismo e da inovação sem limites.
Em A revolta de Atlas, Ayn Rand não defende o capitalismo como a solução mais prática para criar uma sociedade mais próspera. Pelo contrário, ela rejeita a ideia de prosperidade social como objetivo de uma filosofia política. Para ela, o ideal a ser conquistado é a proteção dos direitos de propriedade. Embora afirme que o capitalismo estimula o progresso e a inovação, ela despreza a legitimidade moral de maximizar o benefício social e de priorizar a comunidade acima do homem. Seu amor pelo capitalismo não provém da riqueza que ele produz, mas dos direitos básicos que ele protege. Ela é uma capitalista pelo processo, e não pela produção.
__________________________________________
Publicado originalmente em Atlas Shrugged Rand Essay Contest.
Traduzido por Verônica Ferrari Cervi.
Revisado por Matheus Pacini.
Curta a nossa página no Facebook.
Inscreva-se em nosso canal no YouTube.
__________________________________________
[1] RAND, Ayn. A Revolta de Atlas. Trad. de Paulo Henriques Britto. Rio de Janeiro: Sextante, 2010. V II, p. 152-154.
[2] RAND, Ayn. What is Capitalism?
[3] RAND, Ayn. What is Capitalism?
[4] RAND, Ayn. A Revolta de Atlas. Trad. de Paulo Henriques Britto. Rio de Janeiro: Sextante, 2010. V I, p. 236.