A política da terceira via e seus frutos amargos

Cuidado com os compromitentes – uma lição da história dessa geração.

Em 1998, o então presidente Bill Clinton anunciou: “nós superamos o debate estéril entre os que dizem que o governo é o problema e os que dizem que o governo é a solução. Meus concidadãos americanos, nós encontramos uma terceira via”.

A política da terceira via tornou-se popular na década de 1990, após o fim da União Soviética. Os socialistas estavam se sentindo castigados e abandonados. Mas os que estavam “em cima do muro” não se sentiam confortáveis com respeito ao capitalismo de livre mercado. A queda da União Soviética foi um fato cuja lição é controversa. Duas posições emergiram:

  1. O socialismo fracassou, de forma que o livre mercado é o futuro.
  2. Certa forma de socialismo fracassou, e a solução está em combinar as forças do setor privado com as virtudes da administração pública.

A posição #2 prevaleceu entre os principais intelectuais e políticos. O então primeiro-ministro Tony Blair uniu-se à posição de Clinton: “a terceira via defende uma socialdemocracia modernizada […] é uma terceira via porque não se limita à Velha Esquerda preocupada com o controle estatal, alta tributação e interesses dos produtores; e uma Velha Direita que trata o investimento público e, com frequência, os próprios conceitos de ‘sociedade’ e ‘esforço coletivo’ como males que devem ser combatidos”.

A economia mista seria adotada, não meramente como resultado natural da politicagem (de facção), mas como a ideologia orientadora de uma nova era.

Na verdade, a economista mista já vinha sendo a realidade nos Estados Unidos e Inglaterra tanto na teoria, como na prática. A década de 1930 nos brindou o gerenciamento industrial de Franklin Delano Roosevelt e o intervencionismo de John Maynard Keynes. Trinta anos depois, a década de 1960 nos brindou a grande sociedade de Lyndon Johnson e o novo estado industrial de John Kenneth Galbraith. 

Mais trinta anos se passam, e a década de 1990 nos brinda a política da terceira via, que prega a administração conjunta da economia nestes moldes:

  • O FED e Wall Street conduzirão juntos a política financeira.
  • Fannie Mae, Freddie Mac e o setor imobiliário serão responsáveis pela política habitacional.
  • O Departamento dos Transportes e as grandes companhias automobilistas e aéreas administrarão o setor de transportes.
  • O Departamento de Energia e as empresas de energia cooperarão na questão de políticas energéticas (abarcando petróleo, gás e renováveis).
  • E assim por diante.

Pelos seus frutos, já podíamos imaginar as consequências potenciais da terceira via.

Na década seguinte ao anúncio do presidente Clinton, a regulamentação dos negócios se intensificou e os Estados Unidos foram arrasados por crises financeiras, escândalos de ética, e competição ferrenha por subsídios e resgates. O “capitalismo de compadrio” tornou-se o epíteto favorito. E todos os grandes players do cenário econômico eram praticantes entusiastas da terceira via.

  • O escândalo da gigante das hipotecas Countrywide foi intimamente ligado à política;
  • A Enron – agora, merecidamente, um estudo de caso clássico sobre ética – dependia de parcerias público-privadas, buscando mais e mais negócios deste tipo;
  • As corporações financeiras que receberam verbas públicas em forma de resgates,  garantias de empréstimos e subsídios – por exemplo, Citibank e Goldman Sachs – aproveitaram-se muito da terceira via;
  • Assim como se aproveitou a GM – e a amada pelos ambientalistas, Solyndra – entre outras.

Não somente o socialismo fracassou em todos os lugares onde foi tentado – hoje, as principais economias da “terceira via” também fracassaram. Qual é a lição para nossa geração? Novamente, duas posições emergiram:

1. Talvez, deveríamos tentar o capitalismo de livre mercado.

2. A geração de políticos e empresários corruptos denegriu o ideal da parceria público-privada, mas, da próxima vez, as coisas darão certo.

Todos nós sabemos da necessidade de aprender com a história. Da mesma forma, sabemos que as políticas propostas por Clinton e Blair parecem antigas e irrelevantes – mesmo para as poucas pessoas que estão cientes delas.

Contudo, existe a questão muito complexa de atribuir a culpa em um sistema misto. Quando a economia está funcionando bem, qual parte do mix leva o crédito? E quando ela está terrivelmente mal, quem leva a culpa?

O padrão geral de argumentação é o seguinte:

1. A economia está em desordem. Outrora, já tivemos um mercado relativamente livre. Então, o governo regulamentou-o à exaustão. O mix resultante gerou grandes problemas. Consequentemente, a solução é nos livrarmos da regulamentação governamental e retornar ao livre mercado.

2. A economia está em desordem. O sistema atual é o livre mercado. O governo ou não regulamentou o suficiente ou o desregulamentou demais. O caos resultante é o capitalismo em ação. Então, a solução é o aumento do controle governamental em direção ao socialismo.

Dois exemplos particulares:

  • Depois da crise das hipotecas e em Wall Street, por exemplo, os defensores da posição #1 argumentaram que os mercados imobiliário e financeiro foram distorcidos pelas intervenções governamentais. Já os defensores da posição #2 discordaram e argumentaram que aqueles mercados eram, em grande parte, não regulamentados ou desregulamentados e, por isso, ficaram fora de controle.
  • Nos debates sobre assistência médica em 2010, os defensores da posição #1 argumentaram que as disfunções nos serviços médicos resultavam de incentivos confusos e obstruções criadas pelo envolvimento governamental. Já os defensores da posição #2 discordaram e argumentaram que os altos custos de falta de acesso à assistência médica demonstravam a incapacidade do capitalismo em prover tais serviços.

Como avaliamos essas narrativas antagônicas, sem ceder a compromissos ideológicos previamente estabelecidos?

Em primeiro lugar, é importante focar numa questão prévia: até que ponto a economia é capitalista ou socialista? Claramente, é uma economista mista (com elementos capitalistas e socialistas). Mas qual é o grau de combinação? Mais de um e menos de outro? E como isso pode ser medido?

Eu estou utilizando ‘capitalismo’ e ‘socialismo’ como antônimos ao longo do espectro do poder econômico. Sob o capitalismo de livre mercado, todas as ações e as decisões sobre produção, comércio e consumo são individualizadas, isto é, tomadas por indivíduos privados, representando seus próprios valores. Isto quer dizer: a decisão e a ação econômicas são descentralizadas e voluntárias. Sob o socialismo, no entanto, todas as ações e decisões sobre produção, comércio e consumo são socializadas, isto é, tomadas pelo governo em nome da sociedade como um todo. Nós podemos medir os níveis de capitalismo ou socialismo tendo como parâmetro a atividade econômica:

• Alíquotas de tributos (federal, estadual, municipal)

• Porcentagem do gasto total (relativo ao tamanho relativo do orçamento geral do governo e do setor privado)

• Controles sobre a produção (p. ex. regulamentações em geral)

• Controles sobre o comércio (p. ex. tarifas, proteção de contratos, controles de preços)

• Controles sobre o consumo (p. ex. proibições)

• Direitos de propriedade (p. ex. restrições ao uso, domínio eminente)

• Privacidade (p. ex. registros contábeis e publicação de balanços, propriedade intelectual, segurança de dados)

• Dinheiro (p. ex. controles sobre a riqueza e os termos de troca).

• Capital humano (p. ex. barreiras de entrada a um mercado específico – licenças profissionais)

Nós também podemos medir quão cada setor econômico é de livre mercado ou socialista, dado que a regulamentação econômica não é igual em todos os setores:

• Manufatura

• Agricultura

• Finanças

• Educação

• Pesquisa e Tecnologia

• Energia

• Saúde

Esse é um grande projeto, mas os dados das ciências sociais importam de maneira crítica quando propomos questões avaliativas sobre qualquer sistema misto: quando a economia ou setor econômico é funcional, que parte do mix recebe o crédito – os elementos de livre mercado ou os controles governamentais? E quando ela / ele é disfuncional, quem leva a culpa?

Como ponto de partida, temos sorte em contar com a disponibilidade de diversos indicadores com dados facilmente acessíveis. Apresento três deles:

Regulamentação: em cada setor-chave de nossa economia, a tendência é o aumento da regulamentação, e para cada desregulamentação parcial, existem muitas novas regulamentações.

Dinheiro: o dinheiro é a força vital da economia moderna, e vale a pena destacar o significado do monopólio governamental sobre o dinheiro. Somente o governo pode imprimir dinheiro. O governo decide quanto dinheiro estará em circulação. E o governo determina o custo dos empréstimos, isto é, a taxa básica de juros.

Ideologia: todos nós sabemos como políticos e burocratas amam o poder e quase sempre querem mais e mais poder. Mas causa surpresa o fato de que poucos economistas profissionais defendem o livre mercado.

Neste ano, decidiremos quem será o presidente dos Estados Unidos em 2018, e será o vigésimo aniversário das declarações de Clinton e Blair. Meu melhor palpite é que deveríamos estar atentos para uma republicação deste artigo daqui a dez anos, e a única coisa que terá mudado serão os nomes.
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Tradução de Matheus Pacini e revisão de Vinicius Cintra

Publicado originalmente em Every Joe

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