A defesa anti-intelectual do socialismo

Como políticos como Bernie Sanders e Alexandra Ocasio-Cortez, defensores declarados do socialismo, se tornaram tão populares? Um dos motivos é que os intelectuais socialistas trabalham duro para disseminar suas ideias.

A revista Jacobin está na vanguarda intelectual do novo socialismo. Fundada em 2011 por Bhaskar Sunkara, apresenta um design arrojado e um discurso ousado para atrair um público mais amplo do que as publicações tradicionais de esquerda. Recentemente, Sunkara publicou um livro amplamente resenhado, The Socialist Manifesto, um dos referenciais do novo movimento socialista.

Recentemente, Sunkara aceitar debater capitalismo e socialismo em uma série de três eventos com Yaron Brook, presidente do conselho do Ayn Rand Institute. Como autor de uma crítica ao livro de Sunkara sob a perspectiva da filosofia objetivista de Ayn Rand, eu queria ver como ele responderia aos argumentos objetivistas. Como um líder intelectual do novo socialismo responderia, em especial, à acusação de que o socialismo é um sistema em conflito com o valor da liberdade individual?

Socialismo e liberdade: pró e contra

Nos debates, Sunkara alegou que o socialismo é o sistema que protege os “direitos básicos” das pessoas a bens e serviços como saúde, educação e alimentação. Também defende que os trabalhadores devem ter o controle democrático das empresas onde atuam através do direito de eleger seus gestores e participar dos lucros. Segundo ele, isso é necessário para proteger a liberdade da “tirania” no local de trabalho, da “coerção” de ter que aceitar um emprego sob termos estabelecidos pelos outros.[1] Sunkara acha que os coletivos de trabalhadores conseguiriam gerenciar eficientemente suas empresas e incentivar a inovação.

Brook rebate que não pode haver “direito” a bens e serviços produzidos por outros, assim como não há “direito” de se envolver em roubo. O socialismo, que implica a desapropriação sistemática dos meios de produção em nome do coletivo, é a antítese da liberdade individual. Restringe a liberdade dos indivíduos de criar valores materiais, de negociá-los voluntariamente com outros e de manter para si o produto desse esforço. Os experimentos socialistas se provaram impraticáveis porque são imorais: não conseguem produzir porque paralisam a fonte de produção – a mente individual. Brook argumenta que o capitalismo é o sistema que proíbe o uso da força física e protege o uso da mente pelo indivíduo para buscar sua felicidade. Onde o capitalismo foi implementado, o resultado foi prosperidade e abundância.

Curiosamente, Sunkara concorda que, em sistemas com mais elementos capitalistas, os inovadores ajudaram a criar boa parte da prosperidade e abundância de que desfrutamos hoje. Mas ele ainda acha justo que o Estado confisque as empresas que esses inovadores trabalharam duro para criar, privando-os dos frutos de seu trabalho. Que motivos um dos principais intelectuais socialistas da atualidade oferece para defender essa posição?

O pretexto da democracia

Por que pensar que a desapropriação da propriedade privada em larga escala promove a liberdade? Sunkara reconhece que isso precisa de uma justificativa. “Há uma trade-off aqui… É uma questão de liberdade para quem? Liberdade para a maioria que não possui propriedade privada? Ou liberdade para a… minoria que tem?[2]

Como Sunkara justifica a “liberdade para a maioria” que vem às custas da minoria? Sua resposta é típica de muitos socialistas e “progressistas”: ele acha que a restrição da liberdade da minoria se justifica porque votamos para que ela aconteça democraticamente.[3]

Essa resposta parece convincente porque, para muitos, “democracia” significa um governo de representantes eleitos que protege as liberdades básicas. Mas, como já afirmei anteriormente, a “democracia” é uma mistura entre isso e um sistema de poder da maioria, ou seja, uma tirania da maioria. Alegar que a maioria tem o direito de votar para se apoderar de uma vida inteira de trabalho dos empresários e eleger comissários que ditarão como os despojos devem ser distribuídos se parece muito com uma tirania da maioria. Como ele se defende dessa objeção?

Brook contesta com um tipo semelhante de objeção: por que não é justificável, segundo as premissas socialistas, que a maioria vote para calar a menor minoria – o indivíduo –, como Atenas fez com Sócrates?[4] Sunkara responde afirmando que os socialistas acreditam nos direitos consagrados na Declaração de Direitos dos EUA, e que há limites para o que pode justificadamente ser retirado dos indivíduos.[5] Afirma que os socialistas acreditam em “uma esfera de direitos que não deve ser tocada pelo Estado ou qualquer corpo coletivo, por mais democrático que seja”, tais como o direito à liberdade de expressão, de protesto e de culto.[6]

Chama a atenção que essa resposta é completamente pontual, e não responde à pergunta de Brook. Sunkara jamais explica por que acha que devemos tratar esses direitos como inalienáveis. Se a maioria se opõe ao discurso ou à reunião de algumas pessoas, e a vontade da maioria justifica outras formas de coerção contra minorias, por que a maioria não votaria para restringir também essas liberdades? Ele não dá nenhuma resposta.

Poder-se-ia questionar, por exemplo, a resposta dele à pergunta de Brook sobre o porquê, no socialismo, alguém que deseja abrir um negócio não seria preso.[7] Sunkara diz que só seria multado.[8] Ainda assim, ele não responde à pergunta filosófica: por que a maioria não teria justificativa em votar para prender empresários por esse “crime”? Mais uma vez, nenhuma resposta.

Como um dos principais intelectuais socialistas, Sunkara poderia ter oferecido alguma fundamentação filosófica para o que diferencia a liberdade dos capitalistas da liberdade de filósofos e dissidentes (outros já fizeram essa distinção, embora eu as ache pouco convincentes). Mas ele se afasta da questão, tal qual um político que quer mudar de assunto, e nega veementemente que sua posição tenha qualquer implicação inconveniente.

O pretexto do pragmatismo

Sunkara diz que quer se distanciar dos socialistas que se desculparam pelos modernos regimes socialistas opressivos. Se é assim, não seria do interesse dele articular um princípio claramente definido pelo qual diferenciar esses regimes do sistema que ele defende? Mas Sunkara diz, frequentemente, que não tem interesse em justificar suas opiniões com referências a princípios intelectuais.[9] Ele lança mão desse pragmatismo para indicar sensatez. Mas até que ponto essa estratégia é intelectualmente séria?

Brook identifica outros exemplos da abordagem antiética de Sunkara. Para os setores “importantes” da economia (principalmente, saúde e educação), Sunkara defende um controle estatal totalmente centralizado e a proibição da concorrência entre empresas. Em outros, ele aceitaria a competição entre empresas estatais.[10] Mesmo que a nacionalização de um setor tão importante como a agricultura tenha comprovadamente fracassado sob o comunismo, e mesmo que (como Brook afirma) os problemas nas indústrias de saúde e educação atuais devam ser atribuídos à ampla intervenção estatal nesses setores.

Em vez de responder aos fatos apresentados por Brook, Sunkara invoca seu pragmatismo como uma virtude.[11] Ele ecoa uma ideia que defendeu no primeiro debate: se a socialização de um setor da economia não funciona, “nós” podemos sempre votar para reprivatizá-lo.[12] Na verdade, há um princípio determinante aqui, embora pareça que Sunkara não quer dizer seu nome: a vontade da maioria prevalece. A maioria é quem decide o que é importante, o que conta como resultados que “funcionam” e, em última instância, quais vidas devem sofrer interferência ou erradicação, e até que ponto.

Sunkara afirmou que, no socialismo, os coletivos de trabalhadores poderiam ser tão inovadores quanto os capitalistas em um mercado livre. Mas diante de seu pragmatismo, devemos perguntar: como esperar que os seres humanos inovem em um sistema em que são obrigados a viver com medo das experiências que a maioria decidirá fazer a qualquer momento? Como podem inovar quando não há um princípio claramente definido que impeça a maioria de votar a favor de roubar suas propriedades, sua liberdade ou suas vidas? Sunkara não faz o trabalho intelectual necessário para ligar esses pontos.

Os novos intelectuais socialistas?

Sunkara é exaltado como “uma das vozes mais importantes da esquerda americana”, e sua publicação foi chamada de “a principal voz intelectual da esquerda americana” e até mesmo “a revista ideológica americana mais exitosa da última década”.[13] Parece justo considerar seu desempenho nesses debates como representante que os socialistas de hoje têm de melhor a oferecer.

Se for assim, seu desempenho parece confirmar os comentários de Ayn Rand sobre como o estado de nossa cultura intelectual torna o socialismo atraente:

É só a […] mentalidade pragmática, positivista, anticonceitual que não valida abstrações, nem dá significado a princípios ou poder às ideias, que ainda questiona por que uma doutrina teórica desse tipo necessariamente levaria a rios de sangue e horror bruto e desumano das sociedades socialistas como a Alemanha nazista e a Rússia Soviética. Só [essa] mentalidade consegue afirmar que ninguém pode provar que esses deveriam, obrigatoriamente, ser os resultados…  e ainda prometer que sua própria gangue faria melhor e faria funcionar – ou ainda resmungar, com voz trêmula, que o motivo era o amor pela humanidade.[14]

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Publicado originalmente em The New Ideal.

Traduzido por Matheus Pacini.

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[1] “Capitalism vs. Socialism,” Debate entre Yaron Brook e Bhaskar Sunkara, the University of Maryland. 17 de setembro de 2019.

[2] “Capitalism vs. Socialism,” Debate entre Yaron Brook e Bhaskar Sunkara, the University of Maryland. 17 de setembro de 2019.

[3] “Capitalism vs. Socialism,” Debate entre Yaron Brook e Bhaskar Sunkara, the University of Maryland. 17 de setembro de 2019.

[4] “Capitalism vs. Socialism,” Debate entre Yaron Brook e Bhaskar Sunkara, the University of Maryland. 17 de setembro de 2019.

[5] “Capitalism vs. Socialism,” Debate entre Yaron Brook e Bhaskar Sunkara, the University of Maryland. 17 de setembro de 2019.

[6] “Capitalism vs. Socialism,” Debate entre Yaron Brook e Bhaskar Sunkara, the University of Maryland. 17 de setembro de 2019.

[7] “Capitalism vs. Socialism,” Debate entre Yaron Brook e Bhaskar Sunkara, the University of Maryland. 17 de setembro de 2019.

[8] “Capitalism vs. Socialism,” Debate entre Yaron Brook e Bhaskar Sunkara, the University of Maryland. 17 de setembro de 2019.

[9] “Capitalism vs. Socialism,” Debate entre Yaron Brook e Bhaskar Sunkara, the University of Maryland. 17 de setembro de 2019.

[10] “Capitalism vs. Socialism,” Debate entre Yaron Brook e Bhaskar Sunkara, the University of Maryland. 17 de setembro de 2019.

[11] “Capitalism vs. Socialism,” Debate entre Yaron Brook e Bhaskar Sunkara, the University of Maryland. 17 de setembro de 2019.

[12] “Capitalism vs. Socialism,” Debate entre Yaron Brook e Bhaskar Sunkara, the University of Maryland. 17 de setembro de 2019.

[13] BasicBooks.com promotional page for The Socialist Manifesto; Dylan Matthews, “Inside Jacobin,” Jacobin, March 21, 2016; Robert P. Baird, “The ABCs of Jacobin,” Columbia Journalism Review, January 2, 2019.

[14] Rand, Ayn. For the New Intellectual. New York: Signet, 1964 Centennial edition. p. 43.

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