Quais são as bases de uma sociedade liberal? Resenha da obra “A nascente”

O livro A nascente foi publicado pela primeira vez em 1943. A autora russa Ayn Rand se mudou para os Estados Unidos em 1926, onde ganhou destaque ao escrever romances e desenvolver uma linha filosófica conhecida como Objetivismo, o qual, segundo a própria autora, pode ser definido como “o conceito de homem como um ser heroico, tendo a felicidade como propósito moral da sua vida, a conquista produtiva como sua mais nobre atividade, e a razão como seu único referencial”.

Por se tratar de um romance, Rand se utiliza de uma narrativa focada em alguns personagens para dar luz a valores e virtudes que permeiam a sociedade atual e contradizem os pilares do Objetivismo. O plano de fundo do livro é o triângulo amoroso entre Howard Roark, Dominique Francon e Peter Keating. No entanto, ao longo dos capítulos, vários outros personagens fazem referência às diferentes crenças que permeiam a sociedade como um todo. Rand dedica um capítulo para cada personagem relevante, e os trataremos a seguir, sendo que cada um deles é a tradução de comportamentos e princípios divergentes.

Inicialmente, a filósofa apresenta o personagem Peter Keating. Ele é um arquiteto formado com um ótimo histórico acadêmico, que inicia sua carreira no prestigiado escritório de arquitetura de Guy Francon, na cidade de Nova Iorque, e cresce rapidamente até o cargo de sócio da empresa via manipulação dos colegas. Seu trabalho é amplamente reconhecido por se parecer com tudo o que é conhecido, convencional e parte da história da arquitetura. Seu perfil é admirado porque representa o padrão de sucesso ensinado amplamente aos indivíduos, de que as pessoas devem encontrar um bom emprego e seguir uma carreira linear, conforme o esperado. Peter não ama sua profissão, muito menos age de forma honesta, e acaba vivendo a vida que a sua mãe lhe ensinou a buscar. Aprendera com ela que deveria conseguir um emprego pelo que ele pudesse lhe oferecer, que o enriquecesse, em vez de expressar sua paixão, que era a pintura. Foi também sua mãe quem decidiu que ele não deveria se casar com quem amava, mas encontrar uma esposa que estivesse à altura da posição que ocuparia na sociedade.

Peter é um egoísta, na versão popular do termo. Para conseguir o que quer, ele não se importa com o que precisa destruir, ou de quem tenha que se aproveitar a fim de alcançar os objetivos que os outros estabeleceram para ele. Acostumado a usar as pessoas, Keating passou por cima de um funcionário no escritório de arquitetura para se tornar sócio, abandonou sua namorada porque lhe era mais conveniente e se aproveitou de Howard Roark sem nem ao menos pagar ou reconhecer quem, de fato, fez um determinado projeto. Por não se conhecer e não ser verdadeiro à sua essência e valores, Keating vive inteiramente de acordo com os desejos dos outros.

O próximo capítulo aborda o personagem Ellsworth Toohey, que é escritor e crítico de arte. Ele sempre teve aptidão para manipular as massas porque não tinha o talento e a determinação necessários para competir honestamente. Utiliza-se do altruísmo e coletivismo para fazer com que o indivíduo abdique de suas vontades e individualidades. Percebe-se, na figura de Toohey, o tipo de pessoa que tenta retirar do homem sua ambição, defendendo causas que favorecem os mais necessitados, sendo que, na verdade, o que busca é fazer com que todos se tornem igualmente desprezíveis e dependentes.

Em seguida, Rand se aprofunda no personagem Gail Wynand. O empresário é dono do jornal The Banner, tendo construído seu patrimônio a partir do esforço e trabalho duro. À semelhança de Howard Roark, Wynand é capaz de alocar energia em busca de objetivos próprios, não cedendo às vontades de terceiros. Todavia, mesmo se sentindo poderoso sobre a grande massa, vê seu poder se esvair quando se posiciona a favor de Roark em detrimento da opinião popular sobre o julgamento do personagem principal. Por temer perder seu império, Wynand cede às pressões e renega a virtuosidade de ser um indivíduo capaz de se manter firme às suas convicções.

Por fim, a autora apresenta detalhadamente a imagem do personagem Howard Roark, que representa o homem ideal em sua visão. Enquanto cursava a graduação em Arquitetura, desistiu do diploma porque considerava que não havia mais nada de importante a aprender com seus professores. Ele acredita que seu campo de atuação profissional deve estar em constante evolução e não se limitar ao conhecimento que foi desenvolvido. Não aceita a imposição de padrões universais aos seus projetos como única resposta, desafiando-as propondo novas formas de fazer as coisas. Como tal, foi visto como arrogante por seus pares, por simplesmente se opor a padrões e tradições, foi desvalorizado sem quaisquer análises.

Como um indivíduo convicto de suas habilidades e talento, motiva-se em criar projetos inovadores, ainda que receba críticas e seja perseguido por isso. De igual modo, se atém aos seus objetivos e sua racionalidade. Contudo, em função dessas características, é visto pelas outras pessoas como um indivíduo “egoísta” e sem empatia.

O livro A nascente traz reflexões importantes sobre uma visão de mundo cada vez mais coletivista, que valoriza a improdutividade e o parasitismo. Ayn Rand é capaz de colocar em xeque esse tipo de pensamento na medida em que retoma os pilares da sociedade que se baseiam no indivíduo racional e na construção de valor.

Bruno Rigamonti Gomes – Associado II do Instituto
Associado do Instituto Líderes do Amanhã com MBA em Gestão Financeira e Controladoria pela FGV e Engenheiro Mecânico pela UFOP. É sócio-fundador da V3 Capital, grupo empresarial especializado em Gestão de Negócios, Venture Capital e Inteligência de Dado.

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