Moralidade e filosofia sempre triunfam sobre a política e a economia no longo prazo
É claro, nem todas as pessoas que se dizem “libertários” querem legalizar a morte de bebês por inanição, o fim da defesa nacional ou a instituição de governo de gangues. Mas nada na ideologia libertária opõe-se a tais posições – pois os princípios que se opõem a elas estão arraigados na moralidade e na filosofia. Para entender o que está errado com tais posições, devemos engajar-nos na filosofia.
Alguns libertários buscam defender a liberdade única e exclusivamente educando as pessoas sobre economia e política – explicando como funcionam os mercados, como emerge a “ordem espontânea” pela liberdade de interação entre indivíduos e empresas, e como um sistema legal que proíbe a força permite que tudo isso ocorra. Essa é a missão de organizações como a FEE, o CATO e o Competitive Enterprise Institute. Certamente, as explicações relativas à viabilidade econômica dos mercados e à ordem política estabelecida pelo estado de direito são importantes para promover e defender a liberdade. Contudo, se isoladas de uma base moral e filosófica subjacente a apoiar os direitos e a liberdade, os argumentos econômicos e políticos em favor da liberdade não servem para nada.
Mesmo as pessoas acreditando que a liberdade é economicamente prática, se ela for, para elas, moralmente inaceitável – o que o fazem quando aceitam utilitarismo, altruísmo, igualitarismo, religião, etc – serão incapazes de lutar pela liberdade de forma efetiva. Há séculos que economistas e cientistas políticos mostram às pessoas as vantagens do livre mercado e do estado de direito. Ainda assim, poucas pessoas genuinamente apoiam uma sociedade livre. Por quê? Porque, em última instância, os princípios morais e filosóficos sempre triunfam sobre as crenças políticas e econômicas. Como Ayn Rand escreveu em uma carta a Leonard Read antes de ele lançar a FEE (Foundation for Economic Education): “as pessoas não abraçam o coletivismo por aceitaram uma teoria econômica falsa; elas abraçam uma teoria econômica falsa por aceitarem o coletivismo”.
Não se pode reverter causa e efeito. E você não pode destruir a causa lutando contra o efeito. Isso é tão inútil como tentar eliminar os sintomas de uma doença sem atacar os micróbios causadores.
A economia marxista (coletivista) já foi totalmente refutada e descreditada. A economia capitalista (ou individualista) nunca foi refutada. Ainda assim, as pessoas seguem aceitando o marxismo. Se você analisar de forma mais detalhada, verá que a maioria das pessoas sabem, mesmo de forma vaga, que a economia marxista não funciona. Mesmo assim, isso não as impede de defendê-la. Por quê?
A razão é que a economia tem o mesmo lugar em relação à totalidade da vida de uma sociedade que os problemas econômicos ocupam em relação à vida de um só indivíduo. Um homem não existe meramente para receber um salário; ele recebe um salário para existir. Sua profissão é o meio para um fim; o tipo de vida que deseja ter, o tipo de objetivo que deseja cumprir com o dinheiro que ganha determina o trabalho que ele escolhe fazer, e se escolhe mesmo trabalhar. Um homem totalmente sem objetivo (seja ambição, carreira, família ou qualquer coisa) deixa de existir no sentido econômico. Aí é quando se converte em um vagabundo. A atividade econômica em si nunca foi o fim ou a força matriz de ninguém. E não creio que nenhum tipo de lei de autopreservação funcionaria aqui – que um homem produziria simplesmente para poder comer. Não o fará. Para que a autoconservação se reafirme, dever haver alguma razão para que seu ego queira preservar-se. Independentemente do que o homem tenha aceitado, consciente ou inconscientemente, por rotina ou escolha como propósito de sua vida – que determinará sua atividade econômica.
E o mesmo se pode dizer da sociedade e das convicções dos homens sobre os aspectos econômicos apropriados de uma sociedade. O que a sociedade aceita como seu propósito e ideal (ou, para ser exato, o que os homens acham que deveriam aceitar como seu propósito e ideal) determina o tipo de teoria econômica que os homens defenderão e tentarão praticar; afinal, a economia é somente o meio para um fim.
Quando o objetivo social escolhido é, por sua própria natureza, impossível e inviável (coletivismo), é inútil indicar às pessoas que os meios que escolheram para alcança-lo não são realistas. Não há como fazer os homens abandonarem os meios até que você os tenha persuadido a abandonarem seu objetivo.
Agora, a escolha de um objetivo pessoal ou de um ideal social é uma questão de filosofia e teoria moral. É por isso que, se se quer curar um mundo moribundo, deve-se começar por princípios morais e filosóficos. Não há outra alternativa[1].
Argumentos econômicos sem base moral e filosófica não vão a lugar algum
Argumentos econômicos sem base moral e filosófica dos direitos não vão, e nem podem mudar a menta das pessoas de forma substancial ou duradoura. É por isso que – apesar de todas as instituições dedicadas a educar pessoas sobre economia, e de todos os livros e artigos que explicam exaustivamente o porquê e como o livre mercado leva à prosperidade geral – temos sofrido pelo avanço de um sistema de leis, regulamentações, programas e instituições que violam os direitos: desde leis de defesa da concorrência a escolas públicas, das leis do salário mínimo à Previdência Social, do Bolsa Família ao SUS. Somos controlados por essas políticas estatistas, não porque as pessoas não entendem suficientemente de economia, senão porque seu ponto de vista filosófico e/ou religioso dita que tais políticas / instituições são moralmente necessárias, e que eliminá-las, mesmo que fosse economicamente prudente, seria moralmente abominável.
Se quisermos lutar por uma sociedade livre, não é suficiente dizer que temos “direitos” ou agressão é “ruim” ou que o livre mercado é “bom”. Tampouco é suficiente explicar o porquê e como o livre mercado funciona. Se quisermos defender a liberdade com êxito, temos de entender e ser capazes de explicar a origem, o porquê dos direitos, e como os identificamos. Devemos entender e sermos capazes de articular o significado objetivo dos conceitos de “bem” e “mal” – e como identifica-los. Devemos aprofundar-nos em filosofia.
Depois de ter abordado a questão no espírito de Frédéric Bastiat, isto é, levando em conta o que se vê e o que não se vê nas descrições comuns do libertarianismo, podemos ver que a essência do libertarianismo é a rejeição da necessidade de adotar e discutir a filosofia em defesa da liberdade. Isso é que é inaceitável no libertarianismo.
Enquanto o libertarianismo defende que não devemos discutir filosofia em defesa da liberdade, uma ideologia diferente defende que, sim, devemos discuti-la. O melhor nome para essa ideologia é, parafraseando Ayn Rand, “capitalismo radical[2].”
O capitalismo radical como antídoto ao libertarianismo
Radical significa “ter raízes” ou “recorrer aos fundamentos”. O capitalismo é o sistema social que se baseia no reconhecimento dos direitos individuais, em que o governo tem uma só missão: proteger os direitos mediante à proibição da força física das relações sociais, e mediante o uso da força só em represália e só contra os que iniciam seu uso. A frase “capitalismo radical” inclui ou implica uma série de aspectos essenciais de uma sociedade livre que o libertarianismo escolhe negar ou ignorar.
Considere:
- Como radical significa “ir à raiz”, o capitalismo radical implica levar em conta a importância dos fundamentos e a necessidade de abordar questões como: o que são direitos? Qual a sua origem? Como os identificamos? Qual é o padrão de bem e mal, certo e errado? Como sabemos disso? Qual é o nosso meio de conhecimento? Como podemos validar nossas ideias e ver se correspondem à realidade?
- Como o capitalismo é o sistema social em que o governo protege direitos, o capitalismo radical implica e adota a necessidade do governo e, portanto, opõe-se ao anarquismo, a noção absurda de que o governo deveria ser abolido para dar espaço ao conflito de gangues.
- Como o propósito do governo em uma sociedade capitalista é proteger os direitos dos indivíduos que estão sob sua jurisdição, o capitalismo radical rechaça o pacifismo, chamado “não intervencionismo” e todas as ideias que impeçam o governo de usar a força necessária para eliminar agressores estrangeiros. O governo em uma sociedade capitalista deve usar toda a força necessária para proteger os direitos de seus cidadãos. Além disso, por ser a ameaça de força uma forma de força – um fato desconsiderado pelos que se recusam a discutir filosofia – um governo que protege direitos pode usar a força necessária mesmo contra os que “meramente” ameaçaram usá-la. Ademais, como a filosofia mais profunda esclarece que todas as mortes de guerra – incluindo as geradas pelo Estado retaliante – são de responsabilidade moral do Estado ou regime que iniciou a força, o capitalismo radical defende abertamente o direito moral de uma nação atacada ou ameaçada usar a força contra o agressor, mesmo se inocentes (infelizmente) são mortos no processo.
Existem benefícios adicionais no uso do termo “capitalismo radical” para denotar a ideologia ancorada nas funções moral e filosófica da liberdade, mas os pontos supracitados nos dão uma indicação de como a ideia contrasta com o libertarianismo.
Capitalismo radical e libertarianismo não são só diferentes. Eles são essencialmente diferentes. Eles são radicalmente diferentes. Um defende uma sociedade livre pela identificação e defesa das bases moral-filosóficas que as fundamenta; o outro tenta defender uma sociedade livre ao ignorar ou negar essas ideias (ou a necessidade de discuti-las). Um sustenta suas conclusões políticas com uma estrutura sólida de princípios integrados enraizados na realidade perceptual; o outro defende suas posições políticas e usa conceitos como “liberdade”, “direitos”, “bem” e “mal” enquanto ignora ou nega as ideias mais fundamentais das quais tais esses conceitos logicamente dependem. Um é um exemplo da natureza hierarquia do conhecimento conceptual; o outro é um exemplo da falácia do “conceito roubado”, que consiste em usar uma ideia ou conceito enquanto ignora ou nega ideias das quais ele logicamente depende[3].”
À luz dessa enorme e fundamental diferença, o fato de que tanto o capitalismo radical como o libertarianismo pretendam ser “pela liberdade” é trivial. Essas ideologias são superficialmente similares e, sem dúvida, essencialmente diferentes. E por serem essencialmente diferentes, necessitamos expressões diferentes para descrevê-las.
Ideias essencialmente diferentes necessitam conceitos diferentes para descrevê-las
Embora alguns libertários insistam em chamar qualquer pessoa que defende a liberdade de “libertário”, ele estão objetivamente errados em fazê-lo. Uma classificação apropriada responde aos requisitos da cognição humana. O propósito da classificação é identificar essencialmente coisas similares e diferenciá-las de coisas essencialmente diferentes, de forma que, quando pensamos e falamos, saibamos o que pensamos e do que estamos falando. Nós precisamos distinguir a ideologia que reconhece e defende os fundamentos da liberdade daquela que os ignora ou nega. Empacotar conceitualmente essas duas coisas juntas, tratando-as como se fossem essencialmente as mesmas, quando, na verdade, são essencialmente diferentes, é cometer a falácia do “pacotão”, que consiste em misturar mentalmente o que logicamente não se pode misturar.[4] O pacotão conceptual resultante dele dizima as distinções cruciais, estrangula o pensamento racional e gera prejuízos aos esforços na defesa da liberdade.
Por exemplo, dizima a diferença entre quem é partidário de limitar o governo à proteção dos direitos, e quem advoga a eliminação do governo; isso leva as pessoas a acreditar que o movimento libertário busca, em última instância, chegar à anarquia, a qual, por sua vez, faz com que as pessoas se afastem da causa. Dizima a diferença ente quem advoga uma política externa racional, e quem defende uma política exterior de passividade suicida, o qual leva as pessoas a acreditar que o movimento em favor da liberdade preferiria permitir que regimes inimigos nos matassem a nós e as nossos filhos, em vez de obrigar o nosso governo a acabar com esses regimes, mesmo que isso culmine na morte de inocentes. E, por fim, dizima a diferença entre quem reconhece a necessidade de ter princípios morais e filosóficos objetivos que validem a liberdade, e aqueles que negam tal necessidade; isso leva muitas pessoas a acreditar que o movimento em prol da liberdade seja anti-intelectual e que, de alguma forma, não reconhece o fato de que a liberdade é incompatível com moralidades e filosofias amplamente aceitas atualmente. Tudo isso prejudica a causa da liberdade.
Se quisermos defender a liberdade, precisamos distinguir as ideologias, os indivíduos e as organizações que defendem as fundações da liberdade daquelas que não o fazem. Classificar por meio de elementos essenciais é nossa forma de fazê-lo.
Defender a liberdade com base em fundamentos moral-filosóficos
O libertarianismo, propriamente definido, é a ideologia que tenta defender a liberdade enquanto ignora ou nega as fundações morais e filosóficas das quais a liberdade depende. Esse não tinha porque ser o significado da palavra, pero é, de fato, o significado da palavra devido às ideias e às ações de quem moldou tal filosofia ao longo de décadas. O capitalismo radical, pelo contrário, é a ideologia que pretende defender a liberdade mediante à identificação e à defesa dos fundamentos moral-filosóficos dos quais ela depende. Se quisermos defender a liberdade, devemos chamar as coisas pelo seu nome, e devemos respeitosamente indica-las aos que reconhecem e mantêm as bases filosóficas objetivas da liberdade, conquanto insistem em ser chamados “libertários”, que estão equivocados e prejudicando-se ao fazê-lo[5].
É uma coisa reconhecer a necessidade de uma fundação filosófica objetiva em defesa da liberdade, ainda que inseguro ou mesmo não concordando nos detalhes de tal fundação; outra coisa é negar a necessidade de tal fundação. Se os defensores da liberdade reconhecem a necessidade, mas discordam quanto á natureza da fundação, vamos dialogar! É exatamente esse o diálogo que devemos ter. Evitemos, todavia, misturar aqueles que reconhecem tal fato com os que não o fazem. O capitalismo radical é uma coisa; o libertarianismo, outra, totalmente diferente.
Nada disso implica dizer que capitalistas radicais e libertários nunca deveriam trabalhar juntos. Pode ser perfeitamente uma questão de princípio a de que os capitalistas radicais trabalhem com os libertários, sempre que ao fazê-lo não esquecem as diferenças entre essas ideologias. Se o objetivo de uma concessão é moralmente legítimo – digamos, educar libertários para a necessidade da filosofia em defesa da liberdade, ou encorajar pessoas a pedir a seus representantes políticos que apoiem a revogação de quais leis que afetem os direitos – e se os capitalistas radicais não fizerem nenhuma concessão ao fato de que a filosofia é necessária à defesa da liberdade, unir-se aos libertários pode ser muito bom. (Falei duas vezes em convenções do SFL, em que discuti a defesa moral e filosófica da liberdade. Continuarei o diálogo com os libertários que estiverem dispostos a ouvir.).
Estamos em meio a um conflito crucial pela liberdade – liberdade para viver nossas próprias vidas e perseguir nossa própria felicidade de acordo ao nosso próprio julgamento. Nossos inimigos – com suas filosofias ardentes – tem como objetivo acabar com a liberdade. Alguns querem, na prática, acabar conosco. Mas essa não é uma batalha para pessoas que se negam a discutir a filosofia. É uma batalha para quem insiste falar nela.
Adote e discuta filosofia. Seja uma capitalista radical!
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Tradução e revisão por Matheus Pacini
Publicado originalmente em The Objective Standard.
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[1] HERBERT, Auberon, The Right and Wrong of Compulsion by the State, and Other Essays, Indianapolis: Liberty Classics, 1978, p. 383–84.
[2] RAND, Ayn. Letters of Ayn Rand, edited by Michael S. Berliner. New York: Dutton, 1995. p. 257–58.
[3] Rand se denominava uma “radical pelo capitalismo”. A expressão “capitalismo radical” é, de certa forma, redundante, mas é uma redundância proveitosa, pois enfatiza a necessidade de defender a liberdade pela referência aos fundamentos filosóficos. Entre outras redundâncias, incluem “egoísmo racional”, “direitos individuais” e “capitalismo laissez-faire”.
[4] Essa falácia foi primeiro identificada por Ayn Rand. Veja Rand, “Philosophical Detection,” in Philosophy: Who Needs It. New York: Signet, 1984. p. 22.
[5] Essa falácia foi primeiro identificada por Ayn Rand. Veja Rand. “How to Read (and Not to Write),” in The Ayn Rand Letter, vol. 1, no. 26, set 25, 1972.