“Desejaria ter tido coragem de viver uma vida verdadeira para mim mesma, não a que os outros esperavam de mim.”
Esse é um dos maiores arrependimentos de pacientes terminais, segundo o livro Antes de Partir da enfermeira australiana Bronnie Ware, que acompanhou a trajetória de alguns deles. Muitas vezes o conceito de felicidade é abordado de forma simplista, imprecisa e irracional. Alguns consideram que a felicidade está em conquistar objetivos e ter sucesso profissional; outros, ser amado, ter filhos, encontrar paz de espírito ou viajar pelo mundo. De certa forma, essas coisas, sim, podem nos trazer certo tipo de satisfação, mas seria isso o essencial para se ter uma vida feliz?
Infelizmente, percebo que o sentimento de arrependimento citado por Ware está impregnado em nossa sociedade. E acredito que existam algumas razões para isso.
Desde a infância, somos ensinados a colocar o outro em primeiro lugar, seja dividindo um brinquedo quando não queremos (porque isso, supostamente, seria o correto), seja limitando nosso potencial quando somos melhores que os outros, ou mesmo quando orientados a não revidar algum tipo de agressão (dar a outra face). Essas situações que ilustrei parecem bobas, contudo, à medida que crescemos, esse sentimento de dever para com o outro, de medo e de culpa cresce junto com nossos braços e pernas. Criamos crianças altruístas e, quando chegam à idade adulta, não entendemos sua falta de autoestima e segurança. Pois bem, a explicação é que ela, durante toda a vida, foi cerceada pela ideia de abdicar de sua individualidade.
Mas o que isso tem a ver com felicidade? Na minha opinião, basicamente tudo.
“Juro por minha vida e por meu amor à vida que jamais viverei por outro homem, nem pedirei a outro homem que viva por mim.”
O significado dessa frase é imensurável. E se pararmos para refletir sobre ela, damo-nos conta de quantas pessoas sofrem ou são infelizes ao sacrificar sua vida pelo próximo. Esses sacrifícios podem ser tão sorrateiros, e com tantas facetas, que, muitas vezes, não os notamos. Em outros casos, podem transformar a vida em uma caminhada pelo deserto: um filho que não assume sua sexualidade por medo, um irmão que carrega a família nas costas por culpa, uma menina que trai sua essência para se sentir amada ou ter amigos de quem, na verdade, não gosta para não se sentir sozinha.
Os sentimentos de culpa e de medo que permeiam nossas vidas não nascem com a gente. Quando adultos, muitas vezes admiramos as crianças por sua energia e autenticidade. Com certeza, é porque a culpa e o medo não fazem parte do universo delas. Obviamente, crianças não dispõem da racionalidade necessária para distinguir muitas coisas, mas se mantêm livres dessas amarras que as sufocam aos poucos durante a vida. Poucas vezes somos incentivados a cultivar nossas ideias e nossa autoestima, a valorizar quem somos, não nos preocupando com o que os outros irão pensar disso.
As pessoas carregam fardos, sejam eles emocionais, familiares, financeiros ou aprobatórios. Aquelas que depositaram a sua felicidade em um amor ou em um filho, ou as que têm o sentido de vida amarrado à opinião dos outros, arrastarão grilhões para sempre. Isso acontece pela incapacidade de reconhecer e fazer somente aquilo que vai de encontro com a sua liberdade, de serem independentes.
Na ética objetivista, a felicidade é a única finalidade moral do homem. As pessoas ao nosso redor podem nos acrescentar e ensinar, mas nunca podemos deixar que outro homem defina quem somos nós ou, então, aproveitarmo-nos de outros homens. Muitas vezes quando olho para os lados, vejo pessoas frustradas por esperar do outro o que deveria estar dentro delas mesmas: a valorização da própria vida e dos próprios objetivos em primeiro lugar. A virtude da independência, na definição de Ayn Rand, é “nossa aceitação da responsabilidade de formar nossos próprios juízos e de viver do trabalho de nossa própria mente (…).”[1]
O homem que cultiva essa virtude, não anda com as pernas de outros. Não permita que seus pensamentos e propósitos sejam manipulados pelos outros. E principalmente, não se permita basear sua autoestima e confiança na opinião alheia. Ele deve pensar, agir e trabalhar, por conta própria e assumir os seus riscos.
Muitos podem concluir que tal indivíduo só seria possível isolado da sociedade – conclusão de quem não entende a filosofia de Ayn Rand. O homem pode ser solidário, mas para isso ele não precisa sacrificar-se; pode amar e decidir viver com alguém, mas ele o faz por seus próprios padrões racionais, ou seja, como complemento à sua vida e por valorizar a sua própria felicidade. Ele pode aceitar a opinião alheia, mas não deposita sua autoestima nela.
Essas diferenças aparentemente pequenas entre uma coisa e outra, faz com que as pessoas, cegamente, tenham certo preconceito com respeito ao Objetivismo. O egoísmo racional, maculado por uma sociedade carente e dependente, tem o seu real significado deturpado e percebido como algo ruim. Com efeito, no cerne do Objetivismo está o uso da razão, sendo ela o único meio que o homem dispõe para adquirir conhecimento. O homem racional trabalha através da troca de seus interesses pelos dos outros, ou seja, não obtém nada através da força, ou contra a vontade de outra pessoa. E a razão é o meio pelo qual ele identifica e entende o mundo a sua volta. Somente o homem racional consegue apreciar o sorriso de um ente querido, pois sabe identificar e mensurar o valor disso com base em sua própria racionalidade.
“A minha moralidade, a moralidade da razão, está contida num único axioma: a existência existe – e numa única escolha: viver. O restante decorre dessas duas coisas. Para viver, o homem precisa de três coisas como valores supremos e dominadores de sua vida: razão, determinação e amor-próprio. Razão, seu único instrumento para adquirir conhecimento; determinação, sua escolha da felicidade que esse instrumento busca realizar; amor-próprio, sua certeza inabalável de que sua mente tem competência para pensar e sua pessoa merece a felicidade, ou seja, viver. Esses três valores implicam e requerem todas as virtudes do homem, e todas elas decorrem da relação entre a existência e a consciência: racionalidade, independência, integridade, honestidade, justiça, produtividade, orgulho.”[2]
Ao adquirirmos discernimento de que essas virtudes são essenciais para a construção de nossa felicidade, temos a oportunidade de escolher a busca por uma vida que preconiza quem somos e os nossos interesses. E, quem sabe assim, haveria menos lamentação, e a certeza de que alcançaremos o valor último, que é o de sermos felizes.
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Revisão de Matheus Pacini
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[1] RAND, Ayn. A Virtude do Egoísmo. Trad. de On Line-Assessoria em Idiomas. Porto Alegre: Ed. Ortiz/IEE, 1991. p.37
[2] RAND, Ayn. A Revolta de Atlas. Trad. de Paulo Henriques Britto. Rio de Janeiro: Sextante, 2010. Volume III, p. 341.