Muitas pessoas dirão que valores são subjetivos. O raciocínio por trás de sua posição é o fato de que pessoas diferentes valorizam coisas diferentes. Logo, pensam elas, se valores fossem objetivos, todo mundo valorizaria as mesmas coisas. A conclusão, então, é que valores não são objetivos, mas sim, subjetivos.
Esse artigo argumentará que essa visão é incorreta, visto que a sua lógica subjacente se baseia em uma confusão sobre o que significa a afirmação que valores são objetivos.
Primeiro, considere a seguinte situação: dois homens estão em pé, em lados opostos de um poste, como ilustrado no Caso 1 da figura abaixo. Estamos olhando para eles de cima, e eles estão olhando para nós. Para a pessoa A, o polo está à direita. Para a pessoa B, o poste está à esquerda. Isso significa que a posição do poste é subjetiva? Não. Ambas (A e B) podem analisar objetivamente a sua posição com referência ao poste. Se elas especificarem qual é o tipo de relação para com o poste, chegarão às mesmas conclusões.
Quando A observa que o poste está à sua direita, B pode observar que A está correto: com relação à A, o poste está objetivamente à direita. Ambos concordarão que, com relação a B, o poste está objetivamente à esquerda. A posição do poste é objetiva, mas sua relação física com A e B é diferente.
Valores objetivos também especificam um tipo de relação[1]. Um valor é tudo aquilo que alguém age para obter e/ou manter que sustenta sua própria vida de alguma forma. Por exemplo, alimento – ingerido em certas refeições e em certas quantidades – é um valor para a pessoa que está se alimentando. Moradia é um valor para a pessoa que ali descansa. Uma carreira recompensadora é um valor para a pessoa que a ela se dedica. Amizades são um valor para a pessoa que desfruta de companhia, beneficiando-se da presença desse amigos no longo prazo. Todas as coisas que podem ser consideradas valores objetivos são valores para alguém, porque têm relação positiva com a vida daquela pessoa. Valores apropriados são perseguidos porque são bons para quem os persegue. (Essa é, na verdade, a base racional para o termo “bem”, tanto na economia como na moralidade). O bem moral é bom para a pessoa que age moralmente.)
Se algo tem uma relação que promove a vida de uma pessoa particular em determinado momento essa é uma questão de fato objetiva. Quando um homem está passando fome, o alimento promove objetivamente a sua vida. Por outro lado, uma cápsula de cianeto de sódio destruiria objetivamente a sua vida. Um cérebro saudável é objetivamente bom para qualquer ser humano, enquanto um cérebro tomado pelo câncer é objetivamente mau. Ter autoestima é objetivamente bom para a vida de uma pessoa, enquanto desprezar-se é objetivamente mau.
Como valor é algo que tem relação objetiva e factual com a vida de uma pessoa, seu status para com ela é revelado por meio do raciocínio via observação. Duas pessoas com acesso à informação suficiente e com capacidade de raciocínio chegarão à mesma conclusão sobre se algo é ou não um valor para uma dada pessoa. (Veja o Caso 2 na figura). Coisas diferentes podem ser valores para cada pessoa, mas existe uma resposta objetivamente correta de se algo é um valor com respeito a cada pessoa. Isso está diretamente ligado ao caso do poste. A esposa de A é claramente um grande valor para ele. A esposa de A pode não ser um grande valor para B, mas B pode concordar por sua observação de que a esposa de A é um grande valor para A.
Agora, a consequência dessa objetividade de valores é que a pessoa pode estar errada sobre o que é, de fato, um valor para ela. Um homem pode pensar que um copo de leite é um valor, mas se ele estiver misturado com arsênico, então, esse copo de leite não será um valor para ele, e ele estará errado. Essa é a situação no Caso 3. A acredita, baseado em suas emoções, que sua amante sádica é um valor para ele. Ele a deseja. Mas B pode raciocinar por observação que A está errado; sua amante não é um valor para A, e o desejo de A por ela não é saudável[2]
Valores têm relação a um avaliador, mas existe uma conclusão correta (dada informação suficiente) sobre o valor de uma coisa particular para um indivíduo particular.
Valores universais-condicionais
Muitos valores podem ser um valor para uma pessoa, enquanto nunca serão para outra, por exemplo, um piano para um músico, versus um pedreiro. Mas alguns valores são universalmente requeridos para o avanço de todos os seres humanos, em momentos determinados, e os chamarei de valores “universais-condicionais”. Um exemplo proeminente desse tipo de valor é o alimento. Alimento é uma exigência para a vida de todos os seres humanos, mas não em todos os momentos. Por exemplo, comer quando se está muito cheio é doloroso e insalubre. Outros exemplos desse tipo são beber água, praticar exercícios físicos, dormir e manter relações sexuais.
Em qualquer momento, esses podem ser valores apropriados para A, mas não para B, e vice-versa. No longo prazo, todavia, eles são objetivamente requeridos por todos. A necessidade de se alimentar não é uma questão de opinião pessoal, mas um fato da realidade.
Valores universais-incondicionais
Em A virtude do egoísmo, Ayn Rand identifica três valores que chama de “cardinais”: razão, propósito e autoestima. Esses são valores para todos os seres humanos em todo momento de consciência. Assim, chamo esses exemplos de valores “universalmente incondicionais”.[3]
Esses valores amplos sempre tem a mesma relação que promove a vida para todo ser humano consciente. É fato para A e B que esses valores promovem a vida de cada um deles, independentemente de suas circunstâncias individuais.
E se alguém escolhe algo além de sua própria vida como valor último? Essa não é uma escolha subjetiva, tornando todos os valores subjetivos?
A resposta completa está além do escopo planejado nesse artigo, mas queria tratá-la brevemente aqui.
Primeiro, penso que a maioria das pessoas que diz que seu valor último é algo além de sua própria vida está confusa e, parcialmente, equivocada. Por exemplo, muitas pessoas pensam ter um valor maior que a sua própria vida porque morreriam para salvar sua esposa ou seu filho. Assim, elas diriam que a sua família é um valor maior que a sua própria vida, e que todos os valores são arbitrários e subjetivos segundo o que escolherem como seu valor último.
Mas se fosse o caso que existe uma escolha arbitrária de um valor último, é preciso perguntar: por que o seu filho, e não um conjunto de ossos, é o seu valor último? Existem bilhões de candidatos potenciais a valor último. A preservação de uma banana madura, a limpeza de garrafas de vidro, o acionamento de alarmes de incêndio – por que não esses como valores últimos? Se a escolha é subjetiva, então, toda escolha é tão boa como qualquer outra. Por que não vemos mais pessoas lutando pela salvação das bananas? Por que alguém teria problemas em matar todo ser humano e animal que visse para colecionar o seu crânio?
O que essas pessoas não percebem é que é precisamente porque a mulher ou filho tem uma forte relação com suas próprias vidas é que elas consideram morrer para salvá-los. O valor de um ente querido é adequadamente baseado em sua contribuição para a sua própria vida (em especial, para o seu bem-estar psicológico).
É, todavia, verdade que todo ser humano adulto tem o poder de escolher um propósito último que não seja a sua própria vida. Mas essa escolha não muda o fato de que a vida é o padrão de valor do ser humano. Uma vida feliz exige um processo constante de ação direcionada à manutenção da vida. Ações não tomadas sob o princípio de fortalecer a sua vida acabam colaborando para a sua destruição. Como ser humano, um homem não tem escolha sobre os fatos de sua natureza como ser vivo. Assim, ele não tem escolha sobre o fato de que sua única escolha é perseguir sua própria vida como valor último, ou sofrer e caminhar lentamente para a morte (mental, se não, em princípio, física).
Então, a questão básica é que o florescimento de sua vida é o valor último baseado nos fatos de sua própria natureza. Qualquer escolha de outro valor último é a escolha arbitrária de sofrimento sem sentido e (provavelmente) morte prematura.
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Publicado originalmente em Objectivism in Depth.
Traduzido por Matheus Pacini.
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[1] Note que Ayn Rand definiu “valor” como “aqulo que alguém age para obter e/ou manter.” Essa foi a sua definição original, eticamente neutra. Ela contempla todas aqula coisas que alguém – egoísta ou altruísta, racional ou irracional – pode agir para obter. Um valor irracional pode ser subjetivo, e não ter nenhuma relação direta com qualquer objetivo último. Mas com uma análise da origem dos valores, e uma base apropriada e racional da ética, Rand produziu uma segunda definição de “valor”, sendo algo que tem certa relação com a vida de um indivíduo (uma relação benéfica). Você verá Rand e outros objetivistas usarem o termo “valor” com o segundo significado. Aqui, discuto “valor” tendo em vista o segundo significado.
[2] Existe uma distinção a ser observada entre erros cometidos no curso de uma avaliação racional e “erros” que resultam da confiança cega nas emoções. Esses são exemplos de erro, mas em circunstâncias normais, a importância geral dos dois tipos de erros para as possibilidades da vida de uma pessoa são muito diferentes.
[3] A única “condição” sendo a consciência, que é necessária para a busca caracteristicamente humana de todos os valores.