UM PAÍS SEM REDOMAS

Estudos feitos pelo economista peruano Hernando de Soto levaram-no a crer que o subdesenvolvimento econômico dos países do terceiro mundo deve-se, em grande parte, ao grau de informalidade existente nessas sociedades, no que tange à titulação das propriedades territoriais e de pequenos empreendimentos produtivos. Entende ele que há valores não potencializados nestes ativos devido à sua extralegalidade – verdadeiros capitais mortos – que não podem ser utilizados como garantia de empréstimos, ou fonte de recursos para liquidez dos negócios dessas pessoas.

De Soto defende que só com a regularização e formalização das propriedades sob a custódia do Estado revitalizar-se-ia economicamente o capital morto, imprestável por seu desajuste frente ao sistema legal.

Para ilustrar a dinâmica desse processo, ele criou o conceito da redoma de vidro, em que quem estivesse nela inserido estaria protegido pelo arcabouço legal e formal sistematizado pelo Estado. E quem estivesse fora dela, resultaria desprotegido e subcapitalizado.

A serviço de diversos governos, o economista trabalha com base na concepção de que os bolsões de pobreza, excluídos do sistema regular, somente se beneficiariam quando “regularizados” pelo Estado.

Será? Seria o Estado a única forma de garantir a legitimidade da posse de bens? Estariam os marginalizados do sistema dispostos a arcar com todos os ônus impostos pelo Estado, sob a alegação de obter proteção para o que, de fato e de direito, já lhes pertence?

O Estado não tem sido apenas incapaz de proteger a propriedade privada, como se mostra extremamente capaz de tolher seu potencial, violando os direitos de propriedade dos indivíduos.

O Estado tem sido o maior gerador de escassez e capital morto na sociedade. É proprietário de terras sem uso, bloqueia, indiretamente, o acesso de milhões de brasileiros a bens formais devido aos altos custos de burocracia e de tributação, a ponto de marginalizá-los. Ele limita o uso do solo com políticas de urbanismo elitistas e irracionais, desconsiderando as leis do mercado, bem como os direitos individuais dos detentores de títulos de propriedade.

Além disso, o controle que exerce sobre as atividades econômicas, em geral, e de serviços como transporte coletivo, saneamento básico, urbanização e fornecimento de energia e água, em particular, impede que a população tenha como satisfazer suas necessidades pela falta de oferta concorrencial adequada.

Por isso, os pobres são obrigados a morar longe, e em condições miseráveis, deslocando-se para o trabalho a muito custo, vivendo em estado de precariedade legal e funcional, já que não lhes é permitido ser abastecido pelo mercado de forma mais econômica e eficiente.

Sabe-se que o primeiro sistema de registro formal de propriedade territorial foi concebido e posto em prática no Egito, há cerca de 5000 anos. Tinha como único propósito permitir ao faraó taxar aqueles que possuíam bens imóveis. Desde então, esse tem sido a principal finalidade dos governos quando implantam cartórios.

É claro, há benefício na existência de registros de acesso público, haja vista que reduz os casos de fraude. No entanto, ainda hoje, principalmente nos países pobres, a tributação e o controle de uso da propriedade privada têm sido os fins prioritários, ficando a segurança jurídica e transacional em segundo plano, não sendo raros os casos em que o próprio Estado é o infrator.

Devemos encontrar e implementar saídas alternativas ao modelo estatal vigente, de modo a ampliar o valor dos ativos pela sua funcionalidade prática, consagrando tacitamente a validade dos contratos estabelecidos por particulares, reconhecendo a certificação de títulos de propriedade por agências privadas, respeitando as relações voluntárias e espontâneas, promovidas pelos indivíduos na sociedade.

Da mesma forma que é possível inventariar joias e outros bens móveis, certificando-os ou segurando-os por meio de acordos com empresas/entidades privadas (de modo a atestar seu valor intrínseco ou estabelecer registros de propriedade), bens imóveis também podem seguir esse caminho.

Imaginar que a segurança e a maior valia dos ativos pertencentes aos membros da sociedade se dará através do controle estatal é tão questionável como é para os governos do terceiro mundo o próprio conceito de propriedade privada.

A redoma de vidro que teria sido construída para nos proteger, tem servido, em maior ou menor grau, para nos asfixiar.

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Revisado por Matheus Pacini

Publicado originalmente em Instituto Millenium

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