O Objetivismo não possui uma posição definida, dogmática ou canônica – mas é fácil observar que a grande maioria dos objetivistas – senão todos – é favorável, em alguma medida, a esses direitos.
Numa entrevista, Ayn Rand respondeu que a questão do direito de ter e portar armas de fogo não era de “importância primária”. Em outra, ela disse:
“Armas são instrumentos para matar pessoas – elas não são portadas para a caça de animais – e você não tem o direito de matar pessoas. Mas, você tem direito à autodefesa. Não sei como a questão pode ser resolvida, podendo lhe proteger sem lhe dar o privilégio de matar pessoas por capricho.”
E isso foi praticamente tudo. Não existe nada por escrito em publicações oficiais, o que explica a falta de posição objetivista nesse sentido.
Particularmente, concordo com as opiniões dela em linhas gerais.
A partir daqui, compartilho as minhas opiniões (e objetivistas podem discordar livremente a respeito).
O fato de serem instrumentos para matar pessoas implica que não há plena liberdade para possuir, portar, produzir ou comercializar armas de fogo – o que implica que essas atividades devem ser supervisionadas pelo governo.
O princípio geral é o de que, onde existem propósitos destrutivos, não existe liberdade plena. A liberdade só é irrestrita em atividades de natureza pacífica. Por outro lado, quando o propósito é o uso da força contra outros indivíduos, presume-se a intervenção do governo: pois é o papel de um governo adequado controlar o uso da força de forma objetiva.
Os detalhes dessa intervenção são mais complexos e é difícil estabelecê-los com precisão. O meu ponto é que essa supervisão deve existir – o que já é um assunto deveras polêmico entre os proponentes da liberdade política.
O controle objetivo do uso da força concede ao cidadão o direito de usar a força em autodefesa emergencial. E é apenas a partir desse princípio que é possível derivar o direito ao uso de armas de fogo (ou seja, para que você possa ser capaz de se defender emergencialmente), e esse é o princípio que deveria orientar toda a política do governo.
Mas é preciso ter em mente o contexto desse direito justificado a recorrer a armas de fogo: o contexto é a vida social normal sob um funcionamento institucional adequado. Em outras palavras, o contexto é a autodefesa emergencial contra a criminalidade comum – não a defesa contra exércitos, terroristas, milícias, máfias ou facções que lutam por poder contra o próprio governo e, principalmente, não a defesa contra o próprio governo.
Isso implica que o controle objetivo do uso da força requer o controle do tipo de armamento que faz sentido usar em autodefesa contra a criminalidade comum. Isto é, não existe livre direito a armamentos como metralhadoras de grosso calibre, granadas, bazucas, tanques, etc., porque ninguém pode alegar que precisa desses artefatos para se proteger emergencialmente de bandidos comuns.
Cabe ao governo, referindo-me aqui a especialistas em armas e no combate à criminalidade comum, determinar que tipos de armamentos são cabíveis em uma situação emergencial dentro de uma sociedade em que as instituições governamentais funcionam. Trata-se de um assunto especializado. O que podemos estabelecer, desde um ponto de vista puramente filosófico, é que esse controle deve existir – mas não onde deve ser traçada a linha que divide armamentos comuns daqueles cujo uso deve ser restrito às forças do governo. Apenas especialistas podem determinar tal coisa – mas todos reconhecem que uma linha deve ser traçada.
Entretanto, é fácil reconhecer armamentos que seriam facilmente descartados como cabíveis para o uso emergencial de um cidadão contra crimes comuns.
Apenas certos tipos de libertários poderiam defender, por exemplo, o direito de qualquer cidadão passear de tanque pela cidade ou produzir uma bomba atômica – já que a premissa que os move é a defesa da anarquia.
Mas associado a esse erro dos libertários, há outro compartilhado por alguns conservadores: o erro de acreditar que o direito a armas de fogo deve ser reconhecido a fim de que os cidadãos possam se defender do próprio governo – caso esse se torne um inimigo da liberdade.
O que leva a esse erro tem alguma plausibilidade e a árvore genealógica dessa ideia é boa (vem do common law passando pela Constituição dos Estados Unidos). Mesmo assim, a ideia é falha.
Primeiro, é ingênuo achar que cidadãos comuns são realmente capazes de conter exércitos profissionais só porque estão armados até os dentes. Talvez, isso pudesse fazer algum sentido no século XVII; porém, um trabalhador de escritório sedentário não se transformará num bom soldado só porque é dono de um fuzil paraFAL ou M16. Não preciso explicar muito, a não ser apontar que dedicação, treinamento, experiência, disciplina, estratégia, seleção são fundamentais para a consecução de uma meta.
Cidadãos armados podem atrapalhar um pouco os planos de um ditador – mas não são realmente uma ameaça.
Segundo e principalmente: ditaduras ou estados totalitários são o resultado das ideias vigentes de uma sociedade, principalmente, de suas ideias morais. Nenhum estado totalitário se estabelece pelo puro uso da força contra cidadãos inocentes: é sempre por um processo de corrupção interna de valores e com o apoio popular. Muito se pode falar aqui, mas recomendo a leitura da brilhante obra The Ominous Parallels de Leonard Peikoff.
É verdade que todo governo totalitário busca anular qualquer direito a armas de fogo, mas isso é muito mais um desarme moral – tentando refrear a defesa dos direitos individuais na mente dos próprios indivíduos – do que o estabelecimento de uma condição em que a imposição da tirania pela força bruta será facilitada.
Repetindo: a ascensão de ditaduras nunca se dá pela mera força.
Por fim, vale ressaltar outro erro normalmente cometido por libertários e conservadores: a ideia de que mais armas levam a menos crimes. Acredito que existe uma forte relação entre as duas coisas, mas não causação.
Países ou lugares onde o direito a armas de fogo é maior – ou seu porte, tradicional – normalmente são culturas em que há uma forte defesa dos direitos individuais. É isso o que explica porque esses locais são normalmente seguros. Não a mera presença de armas.
O que reduz a criminalidade é a atuação adequada do governo: leis elaboradas, penas aplicadas, eficiência das forças policiais e do poder judiciário. E um governo dessa qualidade não pode ser outra coisa a não ser um produto cultural: a realização política de uma sociedade que entende, respeita e defende os direitos do indivíduo.
É essa cultura que devemos buscar se quisermos manter a nossa liberdade e reduzir o crime.
Dentro desse quadro maior, o direito às armas de fogo é apenas um detalhe – não um ponto crucial – ou, nas palavras de Ayn Rand, não é de “importância primária”. É compreensível que ela nunca tenha se preocupado com isso.
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Esse artigo foi adaptado de uma postagem no grupo “Objetivista” do Facebook [https://www.facebook.com/groups/objetivistas/]. O grupo é voltado para brasileiros seriamente interessados em aprender e discutir aspectos da filosofia do Objetivismo de Ayn Rand.
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Revisado por Matheus Pacini.
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