Nos anais da história do rock, nenhuma banda defendeu a razão e o heroísmo em palavras e ações com tanta consistência e longevidade como o power trio canadense, Rush.
Habilidade superior é uma qualidade-chave do heroísmo. Exemplificando tal ponto estão os músicos dos músicos – o baixista e vocalista Geddy Lee, o guitarrista Alex Lifeson e o percussionista Neil Peart. Amplamente reconhecidos como referência em seu ofício, aparecem regularmente em publicações sobre música. Adicione a isso a prolífica capacidade de composição de letras de Neil Peart, e você tem o grupo perfeito de virtuosos.
Grande estatura moral é outra qualidade-chave do heroísmo, e eles estão no topo nesse sentido. Em uma profissão onde drogas, groupies, quartos de hotel destruídos, poses superficiais e acordos escusos abundam, esses senhores leem livros, estudam francês e tocam violão clássico antes de entrar no palco. Eles são racionais e produtivos homens de família que protegem sua privacidade. Em 1997, eles receberam a Ordem do Canadá, a qual foi criada para reconhecer grandes realizações em campos importantes do comportamento humano.
Perseguir os seus valores frente a grande oposição é outra qualidade-chave do heroísmo. Eles têm feito isso desde a metade da década de 1970, quando o fracasso comercial de seu terceiro álbum, Caress of Steel, quase os deixou sem gravadora. Eles responderam com o épico futurista 2112, álbum que lhes deu vida nova e, até hoje, 28 anos depois, ainda arrebenta nos shows. O encarte do álbum reconhece explicitamente “a genialidade de Ayn Rand” e me inspirou a ler suas obras 26 anos atrás. (O tema do álbum é o homem versus o Estado, similar ao de Cântico, e é perfeitamente simbolizado pelo famoso logo do homem encarando a estrela.)
Triunfo (em particular, de espírito) é a quarta qualidade-chave do egoísmo. O fato de o Rush ter vendido mais de 35 milhões de álbuns e lotar todos os seus concertos, sem apoio da mídia mainstream, qualifica-os nesse sentido. A imprensa musical têm tentado evitá-lo, por isso da demora em inseri-los na Rock and Roll Hall of Fame. (As duas razões principais são a aversão aos vocais de Lee e às letras conceituais de Neil. Não espere que sejam convidados a participar do Saturday Night Live, do Behind the Music do VH-1 ou mesmo aparecer na capa da revista Rolling Stone. Talvez seja por isso que Peart diga: “eles não são descolados o bastante para nós”. Felizmente, foram reconhecidos em seu país natal, Canadá, e ali receberam diversos prêmios importantes. Tão importante como seu sucesso comercial é o fato de que eles mantêm sua integridade – musical e pessoal.
O grupo teve sua dose de tragédia. Os pais de Geddy Lee são sobreviventes do Holocausto, e pouco tempo atrás Neil Peart perdeu seu único filho, bem como sua esposa. (Peart escreveu um livro intitulado Ghost Rider, que descreve a sua recuperação). Não obstante, o senso positivo de vida permeia seus álbuns, shows e entrevistas.
Do ponto de vista musical, suas peças instrumentais são exercícios em virtuosidade – em particular, La Vitta Strangiato (que também poderia ser chamado de “Concerto para Guitarra”) e YYZ. Contudo, suas músicas são celebrações de grandeza: independentemente se o tema é a mente humana “Eu vejo o trabalho de mãos habilidosas – Graça dessa terra estranha e maravilhosa – Eu vejo as mãos dos homens se levantarem – Com mentes famintas e olhos abertos (The Dream); a tecnologia (eles foram convidados a prestigiar o lançamento do ônibus espacial Columbia em 1981), como descrito em sua música Countdown; ou mesmo um arranha-céus de Nova York, “as construções se perdem em sua altura – meus pés sentem seu pulsar e ritmo proposital” (The Camera Eye). Demonstrando integração entre pensamento e ação, eles também são pró-tecnologia em suas vidas. Lifeson é um piloto licenciado, Peart é um ávido motociclista e Lee compõe em equipamento computadorizados de última geração. Todos os seus instrumentos usam componentes eletrônicos de última geração para máxima eficiência. (Eu nunca consegui entender por que as bandas de rock denunciam a tecnologia em suas músicas e entrevistas, mas usam microfones, amplificadores, CDs, televisão e rádio para serem ouvidas).
Apenas num concerto do Rush alguém pode encontrar 15 mil fãs cantando sobre honestidade e integridade (The Spirit of Radio), orgulho e independência “Não, sua mente não pode ser alugada — Para qualquer Deus ou governo” (Tom Sawyer) ou liberdade (Free Will).
Um concerto do Rush é tanto um deleite visual quanto aural. Os telões de alta qualidade mostram imagens engraçadas (uma cena dos Três Patetas introduz a banda no palco), mas também sérias, que são exibidas durante as músicas. Eles também incorporam lasers e pirotecnia como efeitos dos shows. Alguns anos atrás, enquanto tocavam The Big Money, que mostra imagens da moeda americana, lembro-me de ter visto Benjamin Franklin na tela, então (de Camden, Nova Jersey), eu olhei à minha esquerda e sorri com orgulho enquanto via o horizonte da cidade que Franklin amava, a Filadélfia. Na primeira vez que vi o Rush ao vivo, em 1979, havia uma imagem do cérebro direito e esquerdo fundindo-se em perfeita sincronia enquanto eles finalizavam a épica Hemispheres, que suporta a integração corpo e mente. (A letra retrada Apolo e Dionísio como representantes de cada aspecto).
Se alguém fosse analisar o grupo em termos da trindade clássica grega, Geddy Lee seria a alma, já que ele é sempre o porta-voz para entrevistas e fala com a audiência, toca vários instrumentos e canta as músicas. Ele é, de fato, o “faz tudo”. Alex Lifeson representa o corpo, pois ele mixa a comédia física do tocar guitarra com o humor inteligente, e é normalmente considerado o cara mais festeiro da banda. Neil Peart é claramente classificado como a mente, já que são suas palavras que mais atraem a atenção dos fãs. Mesmo seu estilo de bateria tem um toque de jazz. Lee o chama de “o cara comum com um grande cérebro”. Enfim, existe uma perfeita divisão de trabalho entre os três.
Em meu verso favorito sobre heróis, “É a voz da razão contra a turba ignorante – O orgulho do propósito em um trabalho mal recompensado.” (Nobody’s Hero) vemos uma ligação entre razão e egoísmo que é praticamente ausente em nossa cultura. Pessoalmente, esse é o senso de vida que me prendeu por mais de duas décadas e têm sido a trilha sonora de minha vida, atraindo-me como um imã para vê-los cerca de 50 vezes ao vivo, incluindo talvez sua maior performance (Rush in Rio). Eles ajudaram a me transformar de um jovem com premissas mixadas em um homem confiante na razão. Eu sou eternamente grato por isso.
Lee, Lifeson e Peart são realmente heróis.
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Publicado originalmente em Robert Begley.
Traduzido por Matheus Pacini.
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